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Ministro Gilmar Mendes, do STF, suspende a ‘presunção de boa-fé’, que garantia autodeclaração de origem no comércio de ouro

Por Leila Salim*

Invadir uma terra indígena, violar direitos, degradar o meio ambiente, extrair ouro ilegalmente, vendê-lo a instituições “parceiras” e, para legalizar todo o processo recheado de crimes, precisar apenas emitir uma autodeclaração afirmando a regularidade do negócio — que também exime instituições compradoras de responsabilidades quanto à origem do ouro, a ser revendido nos mercados nacional e internacional. Parece o cenário perfeito para o garimpo ilegal, e é. Ou era.

Em 4 de abril, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a chamada “presunção de boa-fé” no comércio do ouro, dispositivo legal que previa a declaração de regularidade feita pelos próprios vendedores.

O mecanismo, instituído pela Lei 12844/2013, foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), movida em novembro de 2022 por dois partidos políticos: o PSB e a Rede Sustentabilidade. 

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A base da ADI foi o estudo Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais, elaborado pelo Instituto Escolhas. E o Observatório do Clima prestou assessoria técnica e jurídica aos partidos na elaboração da ação, em parceria com os advogados do PSB e da Rede, e segue acompanhando o processo, como amicus curiae

O relatório mostrou como o princípio da boa-fé eximiu de responsabilidades as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), únicas instituições autorizadas pelo Banco Central a adquirir e revender o ouro proveniente de garimpos na região. Desobrigadas de buscar informações sobre o ouro adquirido, as DTVMs podiam escoar metal extraído ilegalmente sob um véu de regularidade. 

“A cadeia de exploração e comercialização do metal proveniente da Amazônia é concentrada em poucos atores, adentra o Sistema Financeiro Nacional e se sujeita a um conjunto de resoluções do Banco Central que se mostram incapazes de garantir o monitoramento da cadeia ou de impedir que o ouro ‘sujo’ – derivado de atividades ilícitas como destruição ambiental, violações de direitos humanos, exploração em áreas proibidas – seja escoado para os mercados nacional e internacional, com aparência de licitude. Daí porque especialistas falam em ‘lavagem de ouro’”, diz o texto da ADI. 

Desdobramentos

 A decisão de Gilmar Mendes, que será encaminhada para referendo do plenário virtual do STF, já está em vigor desde o dia de sua publicação. Além de suspender o artigo que previa a presunção de boa-fé, determina um prazo de 90 dias para que o Poder Executivo adote um novo marco normativo para a fiscalização, “especialmente quanto à verificação da origem legal do ouro adquirido por DTVMs”, além de medidas que inviabilizem a aquisição de ouro extraído de áreas de proteção ambiental e de Terras Indígenas. 

Para Paulo Busse, assessor jurídico do Observatório do Clima que apoiou os advogados do PSB e da Rede na elaboração da ADI, a decisão da última terça é uma importante vitória.

“É uma decisão fundamental para regular o mercado e para que comece a acontecer um controle do escoamento do ouro extraído da Amazônia. A comprovação de que não havia ilegalidade era um documento apresentado pelos próprios garimpeiros. As compradoras não tinham obrigação de verificar as informações fornecidas e, depois de adquirir o ouro, revendiam nos mercados interno e externo. E isso valia para todo o ouro extraído da Amazônia”, afirma.  

Busse destaca, ainda, que a pesquisa elaborada pelo Instituto Escolhas mostrou relações ainda mais profundas entre os empresários do garimpo ilegal e as instituições do sistema financeiro habilitadas para compra do ouro:

“Os donos de garimpos ilegais e operadores de DTVMs atuavam conjuntamente. Em muitos casos, eram as mesmas pessoas, que extraíam e depois ‘limpavam’ o ouro ilegal. Com a decisão do STF, as DTVMs são responsabilizadas e têm obrigação de se certificar que no local de extração não há qualquer ilegalidade. Além disso, foi determinado que o Estado brasileiro crie um sistema eficaz de monitoramento para toda a cadeia do ouro”, diz. 

Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, celebrou a parceria na elaboração da ADI e ressaltou o trabalho de investigação sobre a cadeia do ouro que a subsidiou. “Participamos desse processo apoiando com argumentos técnicos.

Mostramos o descontrole da cadeia do ouro e o tamanho dessa ilegalidade: mais da metade da produção brasileira de ouro tem indícios gravíssimos de irregularidade, um resultado da presunção de boa-fé. Identificamos, também, como essa produção encontrava caminho para um amplo mercado de compra e venda de ouro pelo fato de as instituições habilitadas para a compra estarem, na prática, isentas de uma fiscalização efetiva.

As cinco principais DTVMs têm mais de 80% de suas operações com graves problemas, o que se devia ao fato de agirem com essa espécie de ‘salvo-conduto’”, pontuou. 

Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, a expectativa é que o plenário virtual do STF ratifique a determinação de Gilmar Mendes:

“A decisão é extremamente importante, não apenas por suspender a eficácia do dispositivo inconstitucional que estabelece a presunção da boa-fé, mas também por requerer do Poder Executivo medidas normativas e administrativas relativas ao controle da origem do minério, com atenção especial para a criminosa extração em terras indígenas”, avalia.

E acrescenta: “Acredito que o STF manterá esta decisão, que contribuirá muito para o controle da degradação ambiental causada pelo garimpo irregular e para a proteção dos direitos dos povos originários”.

Leia também:
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*Este texto foi publicado no site do Observatório do Clima em 7/4/2023

Foto: Felipe Werneck/Ibama

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