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Maior uso de armadilhas fotográficas pode ajudar a proteger animais na Amazônia

Por Spoorthy Raman*
Traduzido por Carol De Marchi e André Cherri

Nas últimas três décadas, as armadilhas fotográficas nos proporcionaram uma rara e inédita visão da vida dos animais. Usadas por organizações de conservação, pesquisadores acadêmicos e projetos de ciência cidadã ao redor do mundo, elas se tornaram referência no monitoramento da biodiversidade e no estudo de espécies pouco vistas na natureza. No entanto, um estudo inédito publicado na revista Remote Sensing in Ecology and Conservation descobriu que essas ferramentas continuam ausentes de áreas que realmente poderiam se beneficiar delas.

“Você pode pensar em uma armadilha fotográfica como um assistente automático e incansável que permanece no campo, faça chuva ou faça sol, dia e noite, [e] simplesmente captura [imagens ou vídeos de] qualquer coisa que passe na frente dela,” diz Jorge Ahumada, um biólogo tropical que lidera a maior plataforma de armadilhas fotográficas do mundo, chamada Wildlife Insights. “Ela está apenas coletando muita informação de maneira padronizada, algo que não seria possível para os humanos.”

Com a biodiversidade do planeta declinando rapidamente devido às atividades humanas — da caça e a expansão agrícola à construção de estradas e a mineração —, dados desses dispositivos podem ajudar os conservacionistas a monitorar a saúde, os números e os comportamentos de diferentes espécies da vida selvagem. Eles também podem nos dizer se ações específicas de conservação estão realmente funcionando.

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Isso só é válido se implantarmos armadilhas fotográficas nos lugares certos: pontos críticos de biodiversidade que enfrentam as maiores ameaças. No entanto, o novo estudo encontrou uma disparidade enorme entre as localizações dos estudos com armadilhas fotográficas e as regiões com maior risco de extinção de mamíferos, como a Bacia do Congo e a Floresta Amazônica.

“Mostramos que a pesquisa com armadilhas fotográficas nas últimas duas décadas não acompanhou, de fato, as áreas onde a defaunação [perda de vida selvagem] estava ocorrendo,” diz o coautor do estudo, Badru Mugerwa, do Instituto Leibniz de Pesquisa em Zoológicos e Vida Selvagem, na Alemanha. Em vez disso, os pesquisadores descobriram que a renda do país, a acessibilidade, a riqueza de espécies de mamíferos e o tipo de bioma determinaram a localização desses estudos.

Ahumada, que não participou do estudo, diz que não está surpreso com os resultados.

“Acho que é justo dizer que precisamos de mais armadilhas fotográficas proporcionalmente em áreas com maior biodiversidade,” aponta. “O estudo é um bom ponto de partida para analisar as relações entre a produção científica em diferentes partes do mundo e os fatores que afetam esse processo.”

Maior uso de armadilhas fotográficas pode ajudar a proteger animais na Amazônia

Armadilhas fotográficas sendo instaladas como parte de um projeto local de monitoramento
do gato-dourado-africano em Uganda
Foto cedida por Benjamin Drummond e Sara Joy Steele

Disparidades em armadilhas fotográficas

Os pesquisadores examinaram estudos científicos e a chamada literatura cinza — relatórios, documentos de trabalho, documentos governamentais e outros — publicados entre 2000 e 2019 focados em mamíferos terrestres. Em seguida, selecionaram um subconjunto de estudos contendo as palavras-chave “armadilha fotográfica”, “câmera remota” ou “armadilha fotográfica”, e focaram em 2.300 estudos. Então, extraíram manualmente as coordenadas GPS e as mapearam para cada estudo. Os pesquisadores também identificaram dez preditores para determinar quais fatores afetavam a localização das armadilhas fotográficas. Esses fatores incluíram a renda do país, perda de florestas, biomas, relevo e áreas protegidas conforme definido pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

“O que realmente se destacou nesta pesquisa é que algumas das áreas que estão sendo atualmente devastadas por atividades humanas — as bacias do Amazonas e do Congo — receberam a menor quantidade de pesquisa com armadilhas fotográficas nas últimas duas décadas,” diz Mugerwa. “Há algo errado nisso.”

Mesmo em geografias onde os estudos com armadilhas fotográficas aumentaram nas últimas duas décadas, como no Sudeste Asiático e na Índia, quase dois terços (64,2%) desses estudos foram realizados fora das áreas com os maiores riscos de extinção animal.

A maioria dos estudos com armadilhas fotográficas ocorreu em florestas tropicais e subtropicais úmidas, seguidas por florestas temperadas, pastagens tropicais e biomas mediterrâneos. A maior densidade de armadilhas fotográficas foi encontrada em manguezais, enquanto a menor foi em florestas boreais e na tundra.

Entre 130 países com estudos de armadilhas fotográficas, países de alta renda e de renda média-alta dominaram. Países como os EUA, Brasil, Austrália, Índia, México e China lideraram a lista com o maior número de locais de pesquisa. Em contraste, nações africanas como Mauritânia, República Democrática do Congo, Níger e Angola ficaram atrás, com menos de cinco estudos cada.

Os dados também indicaram que os estudos com armadilhas fotográficas eram mais prováveis de serem realizados na América do Norte, na Europa continental, no Reino Unido e no Japão, enquanto os países africanos tinham algumas das menores chances.

Maior uso de armadilhas fotográficas pode ajudar a proteger animais na Amazônia

Uma onça-pintada registrada por uma armadilha fotográfica na Amazônia peruana
Foto: Smithsonian’s National Zoo via Flickr (CC BY-NC-ND 2.0)

Disparidades devido à falta de recursos e capacidade

Os pesquisadores dizem que essas disparidades decorrem da falta de financiamento para pesquisa em países de baixa renda. “A pesquisa é cara,” diz Mugerwa, acrescentando que as armadilhas fotográficas, que custam cerca de 150 a 200 dólares, podem ser proibitivas para cientistas nesses países, que frequentemente operam com orçamentos muito limitados. Eles também necessitam de uma estrutura de pesquisa que possa padronizar a coleta de dados e analisar as informações para informar as decisões políticas.

“‘Não há lojas na República Democrática do Congo onde você possa comprar essas câmeras. Você precisa trazê-las da Europa, dos EUA ou de algum outro lugar,” diz a ecologista Aida Cuni-Sanchez, da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida, que estuda florestas tropicais na África Ocidental, na Bacia do Congo e na África Oriental e utiliza armadilhas fotográficas em seu trabalho. Depois, ela diz, “você precisa das baterias [e] de instalações para armazenar os dados, baixá-los e analisá-los. Algumas dessas áreas nem sequer têm uma boa rede de internet ou eletricidade.”

A falta de armadilhas fotográficas em países de baixa renda também limita a oportunidade das comunidades locais de treinar e desenvolver a capacidade para iniciar e gerenciar projetos de armadilhas fotográficas de forma independente, forçando-as a depender da análise e das percepções de cientistas do Norte Global. Como resultado, quando informações cruciais e acionáveis coletadas através das armadilhas fotográficas estão indisponíveis — seja devido a regulamentações nacionais que impedem os pesquisadores de compartilhar dados sensíveis sobre biodiversidade ou pela incapacidade de processar e analisar os dados coletados localmente —, isso pode impactar negativamente os esforços de conservação locais.

Cuni-Sanchez destaca outro desafio na Bacia do Congo: o conflito armado.

“Muitos dos países da Bacia do Congo têm pouca capacidade ou financiamento para realizar [pesquisas com armadilhas fotográficas] por conta própria, mas também têm um histórico de conflitos,” diz, acrescentando que é difícil para os pesquisadores realizar seu trabalho de campo quando um país está em guerra. Por exemplo, ela menciona que “poucas pessoas trabalham na República Centro-Africana, que está mergulhada em uma guerra civil desde 2012.”

“A colaboração científica muitas vezes favorece desproporcionalmente os países mais ricos”, diz a ecologista Helena Aguiar-Silva, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) no Brasil, que estuda harpias usando armadilhas fotográficas. No entanto, ela afirma que a lacuna em relação à pesquisa com armadilhas fotográficas está diminuindo, apontando para dados recentes da Amazônia e da Mata Atlântica publicados em 2022 e 2024.

A análise de Mugerwa e seus colegas não teria capturado esses dados, pois considerava apenas estudos publicados até 2019. “Cinco anos podem fazer uma diferença significativa na quantidade de estudos sendo realizados e publicados,” diz Aguiar-Silva, que não participou deste estudo.

Na Bacia do Congo, o número de estudos com armadilhas fotográficas aumentou ligeiramente nos últimos anos, de acordo com Cuni-Sanchez, “mas não acho que seja um aumento significativo devido aos desafios.” Ela acrescenta que a maioria desses estudos está concentrada em parques nacionais e outras áreas protegidas, onde os pesquisadores recebem ajuda de funcionários dos parques. Um estudo de 2022 encontrou um aumento constante na pesquisa com armadilhas fotográficas na África, mas a maioria foi conduzida no Sul da África e na África Oriental.

Under Projecto Harpia, researchers in Brazil are using camera traps to monitor how landscape changes influence large predators like the harpy eagles (Harpia harpyja) in the Brazilian Amazon.
No Projeto Harpia, pesquisadores no Brasil estão usando armadilhas fotográficas para monitorar como as mudanças na paisagem influenciam grandes predadores como as águias harpias (Harpia harpyja) na Amazônia Brasileira
Foto cedida por Helena Aguiar-Silva

Abordando as diferenças e beneficiando a conservação

Uma maneira direta de abordar as diferenças, dizem os pesquisadores, é expandir os estudos com armadilhas fotográficas para áreas onde atualmente estão em falta, como as bacias do Congo e da Amazônia. No entanto, Mugerwa adverte contra a prática da “pesquisa de helicóptero”,  quando pesquisadores do Norte Global vão para países do Sul Global para realizar pesquisas, mas saem sem treinar os pesquisadores locais ou beneficiar as comunidades.

“Expandir as armadilhas fotográficas nessas áreas sem construir a capacidade das pessoas para conduzir levantamentos — não acho que isso resolveria o problema,” diz.

Aguiar-Silva concorda: “Quando pesquisadores de países de alta renda vêm para países de baixa renda, eles frequentemente apenas constroem a capacidade de coletar dados no campo e não de analisá-los e publicá-los.” Em vez disso, ela sugere que pesquisadores de países de alta renda com recursos trabalhem com pesquisadores locais para formular questões ecológicas que respondam melhor às preocupações e prioridades locais e compartilhem dados e análises.

“Ao capacitar pesquisadores locais com habilidades abrangentes, as colaborações podem gerar resultados mais equitativos e impactantes na conservação da biodiversidade e além,” diz ela, recomendando que os pesquisadores sigam a Declaração da Cidade do Cabo, que defende a justiça, equidade e diversidade na pesquisa.

“Cursos de capacitação de curto prazo não são suficientes,” afirma Cuni-Sanchez, acrescentando que tais colaborações devem envolver mentoria de longo prazo e construção de confiança, e não apenas treinamento para coleta de dados. Ela também alerta contra a pressão para tornar esses dados públicos, chamando isso de “desempoderador” para os pesquisadores locais. Sem as habilidades para analisar os dados coletados, a capacidade de expressar suas opiniões ou o dinheiro para adquirir softwares caros, a única coisa que os pesquisadores do Sul Global têm é o dado. “Então, tornar os dados abertos para mim é como roubar deles, porque agora eles nunca estarão envolvidos nas publicações que saírem, pois estão abertos e qualquer pessoa pode usá-los.”

Ahumada diz que o modelo do Wildlife Insights e outros semelhantes que estão surgindo estão tentando enfrentar os desafios de capacitação ao democratizar os dados coletados e compartilhados na plataforma e fornecer aos pesquisadores ferramentas para analisar seus próprios dados.

“Uma grande parte de onde a conservação começa está na escala local, e agora as pessoas não têm as ferramentas,” diz. “Esse tipo de revolução de plataformas, dados e ferramentas acabará ajudando a todos, mas, mais importante, as comunidades que não foram tradicionalmente beneficiadas.”

*Texto publicado originalmente em 05/08/24 no site da Mongabay Brasil

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Foto de abertura: Zoológico Nacional do Smithsonian. Flickr (CC BY-NC-ND 2.0).

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