
“Se a onça-pintada retorna, tudo o mais pode retornar também…Os rios, as florestas, as pessoas e o futuro”, acredita a Jaguar Rivers Iniatiative. Tendo como símbolo o maior felino das Américas, quatro organizações não-governamentais se uniram para criar o maior corredor de vida selvagem da América do Sul, uma área de 2,5 milhões de km2, quase duas vezes o tamanho do Alasca. O principal objetivo dessa aliança multinacional é assegurar a proteção e a volta de espécies-chaves a seus habitats originais.
A iniciativa idealizada pelo Onçafari (Brasil), a Fundación Rewilding Argentina, a Fundación Moises Bertoni (Paraguai) e a Nativa Naturaleza Tierra y Vida (Bolívia) foi lançada oficialmente na noite da quarta-feira (24/09), durante a Climate Week, que acontece esta semana em Nova York, nos Estados Unidos.
“São os quatro países que abrigam a bacia geográfica do Rio Paraná”, explica Deli Saavedra, diretor da Jaguar Rivers Initiative. “Estamos empreendendo um ato muito estratégico para salvaguardar um dos maiores sistemas fluviais do mundo. Ao restaurar sua integridade ecológica, diversas espécies e comunidades, atualmente ameaçadas em quatro países, terão a oportunidade de prosperar, usando um modelo de restauração da natureza combinado com economias regenerativas, que já foi testado e provado ser bem-sucedido em locais como o Pantanal brasileiro e os Esteros del Iberá na Argentina”.
Será através dos rios Paraná, Iguaçu, Paraguai, Bermejo (Bolívia) e Pilcomayo (Argentina) que a iniciativa pretende reconectar paisagens fragmentadas, restaurar áreas degradadas e assim permitir que animais, como onças-pintadas, cervos, antas, ariranhas e tantos outros, possam viver com seguranças nesses corredores naturais. “Acreditamos muito nos rios como os grandes corredores”, diz Mario Haberfeld, fundador e CEO do Onçafari. “E é a primeira vez que temos quatro países unidos em um esforço ambiental como esse. Para os animais não há fronteiras, o ser humano é que colocou a fronteira”, destaca.

da esquerda para a direita, Iván Arnold (Nativa), Sofía Heinonen (Rewilding Argentina),
Yan Speranza (Fundación Moisés Bertoni) e Mario Haberfeld (Onçafari)
Foto: Heather Kim
Corredores naturais reconectados
No Brasil, o mapa da Jaguar Rivers começa no norte do Pantanal, onde nos últimos anos o Onçafari já tinha comprado e recuperado muitas propriedades, que passaram a servir justamente como corredores ecológicos e áreas de proteção tanto para a onça-pintada como para outras espécies da fauna pantaneira.
A iniciativa englobará também a região do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, que juntamente com o Parque Nacional Iguazú, na Argentina, abriga a maior população da espécie no bioma Mata Atlântica.
Como a extensão do projeto é enorme, Haberfeld e Saavedra explicam que o corredor também passará por áreas públicas, parques nacionais e terras indígenas, o que ampliará a participação de novos parceiros na iniciativa.

Imagem: divulgação Jaguar Rivers
Áreas chaves do corredor de vida selvagem
O período estimado para o desenvolvimento do projeto é de duas décadas. O orçamento inicial para os próximos três anos é de quase US$ 80 milhões. A Jaguar Rivers trabalhará por meio de quatro pilares para restaurar e proteger os ecossistemas da Bacia do Rio Paraná:
Rios e Planícies de Inundação: corredores vitais para a conectividade, exigindo fluxos ecológicos saudáveis; salvaguardados através da custódia cidadã, monitoramento e políticas fortes.
Arcas: grandes ecossistemas intactos com espécies-chave, restaurados e repovoados para se tornarem fontes de dispersão da vida selvagem.
Zonas de amortecimento: zonas circundantes onde economias restauradoras promovem a coexistência e estendem a proteção.
Trampolins ecológicos: refúgios de vida selvagem menores ao longo de corredores, muitas vezes reservas privadas, que permitem a dispersão segura e reduzem os conflitos entre humanos e animais selvagens.

Foto: Mario Haberfeld
A Jaguar Rivers já conta também como o apoio financeiro de organizações e empresas internacionais, como a Tompkins Conservation, Kisco Conservation Foundation, Rainforest Trust, Wyss Foundation, Rolex Perpetual Planet Initiative, dentre outras.
“Todos nós conhecemos a urgência das crises de biodiversidade e clima“, ressalta Kristine Tompkins, presidente da Tompkins Conservation, e considerada a madrinha da Jaguar Rivers. “Esta iniciativa ousada ressalta a necessidade de uma ação coordenada e em grande escala antes que seja tarde demais. Eu a chamaria de uma tábua de salvação para o nosso planeta”.

Foto: Fundación Moisés Bertoni
Onça-pintada: a espécie símbolo da iniciativa
A onça-pintada é conhecida como uma espécie guarda-chuva dos ambientes onde é encontrada. Sua presença garante a preservação das florestas, cursos d’água e inúmeros outros seres vivos.
Tanto a organização brasileira como a argentina tem larga experiência no trabalho com esses felinos. Inspirado pelos safáris africanos, Haberfeld fundou o Onçafari, em 2011, e aliou ecoturismo, pesquisa científica, educação ambiental e advocacy.
Nos últimos anos, a ONG se tornou referência global na reintrodução na natureza de onças resgatadas (a organização foi a responsável por fazer a primeira reintrodução com sucesso, no mundo, de duas fêmeas órfãs). Desde lá, diversas outras voltaram à vida selvagem graças à expertise de sua equipe.

Foto: David Boyd
Já a Rewilding Argentina realiza um dos maiores programas de reintrodução do mundo em parques nacionais do país, que receberam aportes financeiros para serem expandidos, protegendo mais de 1,6 milhão de hectares. Nos últimos 15 anos, doze espécies extintas localmente voltaram a ser observadas nesses territórios argentinos, entre elas a onça-pintada, a ariranha e a arara-vermelha.

Foto: Rafael Abuin
Assista ao vídeo abaixo que conta um pouco mais dessa iniciativa grandiosa:
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Foto de abertura: Lucas Morgado / divulgação Onçafari