
Por Leanderson Lima*
Um grupo formado por 12 garimpeiros [dez homens e duas mulheres] foi flagrado e rendido na última terça-feira (23) por indígenas Yanomami no garimpo denominado Malária, localizado na região do Homoxi, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Os invasores foram escoltados e entregues a policiais da Força Nacional, que fazem a segurança de servidores do Distrito Sanitário de Saúde Indígena Yanomami (DseiY), no território.
Ontem, os garimpeiros foram encaminhados para a Polícia Federal, em Boa Vista (RR), segundo informações do Ministério dos Povos Indígenas dadas à Amazônia Real.
Junior Hekurari, presidente da Associação Yanomami Urihi, disse que aproximadamente 30 indígenas se uniram e resolveram ir pessoalmente ao garimpo para retirar os invasores por não aguentarem mais a contaminação das águas pelo uso do mercúrio e, também, por estarem cansados de aguardar que as forças policiais retirem os criminosos.
“Os Yanomami não querem mais ver a água suja. Os garimpeiros estão sujando o rio”, destacou Hekurari.
Em ofício enviado a autoridades federais, como Ministério Público Federal e Fundação Nacional do Índio (Funai) pela Associação Urihi, os indígenas expõem sua revolta pela contaminação das águas por mercúrio, metal pesado utilizado na mineração de ouro.
“A morosidade da extrusão de garimpeiros nas regiões mais isoladas do território tem sujeitado suas comunidades à violência de criminosos, com especial impacto sobre os seus meios de sustentabilidade”, ressalta o texto obtido pela reportagem.
No início deste mês, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou estudo que revela os níveis de contaminação por mercúrio em indígenas e peixes no território, em particular na área dos Ninam, um subgrupo Yanomami.
Segundo Hekurari, armados de arcos e flechas, os indígenas andaram por aproximadamente duas horas até chegar ao local onde os garimpeiros estavam. “Os Yanomami foram lá [no garimpo] porque cansaram de esperar pela polícia. Porque há muito tempo informamos a Polícia Federal, por meio de relatórios, até sobre as coordenadas dos invasores e a polícia não fez nada”, conta.
O líder indígena avisa que ações como essa, comandadas pelos próprios Yanomami, vão continuar. “Há outros grupos Yanomami indo a outros garimpos também. Estou bem preocupado com a situação. A nossa preocupação é que os garimpeiros revidem. Temo por retaliações por parte dos garimpeiros contra os Yanomami”, desabafa.
O alerta do líder indígena não é por acaso já que a tensão entre garimpeiros e indígenas vem crescendo nos últimos meses. No início deste ano, cinco garimpeiros foram mortos na TIY, que fica dentro do município de Alto Alegre (distante 91 quilômetros de Boa Vista).
Os dois primeiros, José Winicios Feitosa de Oliveira e Adriano Domingues da Silva, foram dados como desaparecidos em 4 de fevereiro. Quatro dias depois foi a vez dos garimpeiros Josafá Vaniz da Silva, de 52 anos; Luiz Ferreira da Silva, de 50 anos; e da cozinheira Elizangela Pessoa da Silva, de 43 anos. De acordo com os familiares, eles teriam sido mortos num suposto ataque a flechadas de indígenas Yanomami.
Em janeiro, a Hutukara Associação Yanomami – presidida por Dario Kopenawa – divulgou nota técnica alertando para a expansão do garimpo a partir de meados de 2023 na Terra Yanomami em Roraima.
A região de Homoxi é uma das áreas onde a atividade ilegal continuava intensa e de forma recorrente. No documento, a Hutukara pediu a criação de estratégias de combate com base nos novos métodos aplicados pelos invasores, que para burlar a fiscalização estão entrando na área Yanomami pelo território venezuelano via Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena.
“Se no primeiro semestre, o conjunto de operações e medidas de controle de acesso ao território contribuíram para a saída de boa parte dos invasores (estima-se que algo em torno de 70% a 80% do contingente de 2022), no segundo semestre, com o relaxamento das ações de repressão, especialmente depois que as forças armadas assumiram maior protagonismo nas operações, observou-se a reativação e a intensificação da exploração em diversas áreas, diz trecho da nota.
Contaminação
O estudo divulgado pela Fiocruz – Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: Uma abordagem integrada saúde-ambiente – mostra como o metal está impactando a vida e a saúde dos indígenas.

Foto: Paulo César Basta/Fiocruz
Na ocasião, os pesquisadores analisaram 47 exemplares de peixes, de 14 espécies diferentes, e todas as amostras apresentaram contaminação por mercúrio. A análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Environmental Protection Agency U.S. (EPA) ou Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.
O estudo serviu para apontar também a presença de níveis de mercúrio acima do nível 1 da Resolução Conama 454, com teores de Hg de 0,344 mg/kg na amostra de sedimento coletada no rio Mucajaí; e 1,386 mg/kg na amostra coletada na região antes da Cachoeira da Fumaça.
Desintrusão
O enfrentamento à crise humanitária e sanitária na Terra Indígena Yanomami teve início em janeiro de 2023, quando o primeiro escalão do governo federal desembarcou em Boa Vista, Roraima.
Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu a retirada total dos garimpeiros. “O que eu posso dizer para você é que não vai existir mais garimpo ilegal e eu sei da dificuldade de tirar o garimpo ilegal. Eu sei que já se tentou outras vezes tirar e eles voltam, mas nós vamos tirar. Lamentavelmente, eu não posso dizer para você até quando, o que eu posso dizer é que nós vamos tirar”, disse ele respondendo a questionamento de repórter da Amazônia Real.

Foto: Casa Civil
“Pudemos presenciar realmente o estado de calamidade que o território vive. É um cenário de guerra. A nossa unidade de Saúde Indígena, nosso povo lá de Surucucu, assim como a nossa casa aqui, em Boa Vista, são praticamente campos de concentração”, descreveu Ricardo Weibe Tapeba, titular da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).
De fato, o governo federal realizou inúmeras ações desde então, com o fechamento do espaço aéreo na Terra Indígena; além de diversas operações conjuntas entre Polícia Federal, Ibama e Funai para desmontar a estrutura dos garimpeiros em campo.
Em outras frentes, a Polícia Federal também realizou uma série de operações para combater os financiadores do garimpo clandestino na terra indígena.
Apesar de ter gasto, no primeiro ano de governo, mais de um bilhão de reais para tentar equacionar o problema com o garimpo na Terra Indígena Yanomami, uma solução parece estar longe do fim.
A reportagem da Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para comentarem o caso. E procurou, ainda, o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber o que foi feito em relação aos garimpeiros, já que a Força Nacional está sob a jurisdição da pasta.
Como resposta, o MPI disse que, desde o fim de fevereiro, quando foi iniciado o trabalho conjunto de 31 órgãos e instituições do Governo Federal sob a coordenação da Casa de Governo de Roraima (anunciada pelo governo federal em janeiro), foram feitas 442 operações de combate ao garimpo.
“O Governo considera que a destruição da logística e dos materiais usados no garimpo é a forma mais eficiente de resolver a questão, aos poucos, já que se trata de um território imenso e de um problema complexo”, justifica a nota.
O MPI destacou, ainda, que, nos últimos dois meses, foram destruídos 75 acampamentos de garimpeiros, 263 motores usados nos garimpos, 57 geradores de energia, 17 balsas, 45 mil litros de óleo diesel e 15 toneladas de cassiterita. “Também foram apreendidos 115 kg de mercúrio e 28 antenas de internet Starlink; todos itens utilizados nos garimpos”.
No primeiro ano da gestão do terceiro mandato de Lula, o número de óbitos entre Yanomami cresceu 5,8%, atingindo 363. Foram 20 a mais do que em 2022, último ano do governo Bolsonaro.
Em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB), morreram 240 indígenas. Sob Bolsonaro, foram 263 mortes em 2019; 334 em 2020; 354 óbitos em 2021 e os 343 do ano retrasado. Para o governo federal, o motivo para o menor número de mortes pode ter relação com a subnotificação de casos, no governo anterior.
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* Este texto foi originalmente publicado no site da agência Amazônia Real em 24/4/2024
Foto: reprodução de vídeo de Júnior Hekurari