
Não é a primeira vez nem parece ser a última em que o atual governo tenta restringir ainda mais o trabalho dos servidores da área ambiental no país. Em uma portaria publicada no último dia 10 de março, no Diário Oficial da União, o presidente do Instituto Chico Mendes Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fernando Cesar Lorencini, anunciou que a “publicação de manuscritos, textos e compilados científicos produzidos no âmbito e para este Instituto em periódicos, edições especializadas, anais de eventos e afins” precisão de autorização prévia.
Ainda de acordo com o texto da portaria, as solicitações deverão ser dirigidas à Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do instituto. Atualmente quem comanda esta área é Marcos Aurélio Venancio, tenente coronel da reserva da Polícia Militar do estado de São Paulo, que segundo informação disponibilizada pelo próprio ICMBio, “possui formação jurídica e na área da gestão pública”. Ou seja, não tem experiência nenhuma em pesquisa científica ou no setor ambiental.
De acordo com a portaria, no pedido de permissão, deve constar o seguinte texto:
“DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR PELO CONTEÚDO DO MANUSCRITO
Eu, (nome do autor), CPF nº (número do CPF e ou matrícula), declaro para os devidos fins, que o manuscrito que tem por título “título do artigo”, o qual será submetido a Revista “título do artigo”, é de minha total responsabilidade e atesto sua veracidade”.
“A portaria em si traz uma delegação de competência para a diretoria de uma atribuição que estava posta para a presidência do instituto. Esta atribuição é absurda por vários motivos”, diz uma servidora do ICMBio, que prefere manter seu nome em sigilo para não sofrer retaliações.
Ela explica que, em maio de 2020, foi publicado um código de ética do instituto, que entre outros pontos, vedava aos servidores “divulgar estudos, pareceres e pesquisas, ainda não tornados públicos, sem prévia
autorização”.
Segundo a profissional, este ponto suscitou uma série de questionamentos, que foram levados à procuradoria do órgão. Além disso, em termos técnicos, a portaria não regulamentaria nada, pois não estabelece critérios, prazos, responsáveis e nem fluxos.
Para ela, a partir da consulta feita à procuradoria, a situação foi agravada, ao atribuir à presidência a responsabilidade de aprovar publicações, sem diferenciá-las, e a portaria ainda inclui os pareceres dentre as publicações, ferindo a lei de acesso à informação.
“Há imensas diferenças entre um produto do instituto, como um plano de manejo de uma unidade de conservação, que é atribuído ao instituto e tem no expediente todos os cargos relacionados àquela área de trabalho, e uma publicação científica”, afirma a servidora.
Está em vigência a “lei da mordaça”
A censura aos órgãos de proteção ambiental no Brasil começou em 2019, primeiro sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Naquele ano, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) proibiu a comunicação direta entre a imprensa e o Ibama e o ICMBio.
Nunca antes na história dessas autarquias houve uma situação semelhante. Tanto ICMBio, como Ibama, sempre tiveram sua comunicação de forma independente ao MMA.
Desde que Ricardo Salles assumiu o ministério, nomeou policiais militares para os principais cargos de chefia do Instituto Chico Mendes Conservação da Biodiversidade, tanto que internamente, os servidores começaram a chamá-lo de “IPMBio”.
Em agosto do ano passado, o coronel Homero de Giorge Cerqueira foi exonerado da presidência. Quem assumiu seu lugar foi, obviamente, outro coronel da PM de São Paulo, Lorencini.
O ICMBio, responsável por administrar as 334 Unidades de Conservação do país, sofre com o sucateamento: há redução de pessoal e de coordenações regionais e nomeações de pessoas não capacitadas para cuidar do meio ambiente e da biodiversidade do Brasil.
Em entrevistas exclusivas com servidores obtidas pelo Conexão Planeta, em 2019, eles relatam que a “lei da mordaça” está em vigor e que não há mais nenhuma forma de diálogo. Analistas lamentam anos de esforços perdidos. “A destruição ocorre da maneira mais perversa: acabando com a instituição por dentro”, desabafam (leia mais aqui).
Agora, a ciência também está sob censura.
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Foto: reprodução Facebook ICMBio