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Garimpo ainda ameaça povo Yanomami, um ano após ações emergenciais do governo

Atualizado em 18/1/2024
Inclusão de informação sobre o Ibama, que continua paralisado e não participará das novas acoes na Terra Indígena Yanomami, nem da Casa de Governo

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Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), em 21 de dezembro de 2023 a Justiça Federal de Roraima determinou a criação – pelo governo federal – de novo cronograma de ações contra o garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami

De acordo com o MPF, “apesar dos resultados promissores das ações emergenciais governamentais” realizadas no território desde 20 de janeiro, elas não foram eficientes para evitar que garimpeiros reocupassem as áreas em que atuavam, “o que afeta a segurança, a saúde e a vida dos povos indígenas” que lá vivem. 

O órgão reconhece que tais ações levaram a resultados positivos até o início do segundo semestre, quando houve retrocesso: garimpeiros voltaram e retomaram atividades de exploração mineral, especialmente em áreas já desmatadas

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“Há diversos relatos de aliciamento, prostituição, incentivo ao consumo de drogas e de bebidas alcoólicas e até estupro de indígenas por parte dos garimpeiros”, denuncia.

Ações permanentes, não mais emergenciais

Foi por isso que, em 22 de dezembro, o presidente Lula convocou reunião ministerial, para fazer balanço das ações realizadas (combate à situação sanitária e nutricional grave dos Yanomami e aos crimes ambientais)e determinar que os órgãos federais reforçassem as medidas de proteção ao povo indígena yanomami, além de combaterem o garimpo ilegal em Roraima e no Amazonas. 

Novo encontro deveria ser realizado este ano para a apresentação de um plano efetivo – que seria, em seguida, esmiuçado -, como aconteceu em 9 de janeiro  (contamos aqui). Assim, determinando que o governo deveria atuar na TI Yanomami, a partir de agora, de forma permanente e não mais emergencial, com a instalação de uma Casa de Governo

Lula declarou: “A gente vai tratar a questão dos indígenas Yanomami, como questão de Estado. Vamos ter que fazer esforço ainda maior, utilizar todo poder que a máquina pública pode ter“. E acrescentou: “Não é possível que a gente possa perder uma guerra para o garimpo ilegal! Que a gente possa perder uma guerra para pessoas que estão fazendo coisas contra o que a lei determina!”.

Para a implantação do plano permanente, Lula anunciou investimento de R$ 1,2 bilhão para o ano de 2024 e foi marcada a visita de ministros à Roraima, sobre a qual falo mais adiante.

No dia seguinte à divulgação da nota do governo sobre a decisão de Lula, veículos da imprensa divulgaram notícias sobre recente socorro prestado a crianças yanomami desnutridas, além de estatísticas do Ministério da Saúde (MS) sobre mortes por desnutrição e doenças causadas pelo garimpo, reiterando o fracasso das ações emergenciais do governo.

Realidade complexa e falta de logística

Estêvão Benfica Senra, pesquisador do ISA – Instituto Socioambiental, comentou tais números em artigo publicado em 11/1 no site Sumaúma e do ISA.

“Em 2022, foram 343 mortes até o fim de dezembro. Entre 1º de janeiro e 30 de novembro de 2023, do total de 308 mortos, 52,5% eram crianças com menos de 5 anos. Houve mais de 25 mil casos de malária, uma média de 2 mil casos por mês”.

“Claramente, as ações do governo Lula foram insuficientes para mudar essa trajetória, que vinha embalada pela gestão criminosa da saúde indígena na gestão Bolsonaro”, completa o pesquisador, que pergunta: “Como explicar tamanho insucesso?”. E responde:

“Obviamente, o governo sabia que seria cobrado por suas promessas em relação aos Yanomami. Logo, não acredito que tenha fracassado intencionalmente. Confio que o Presidente Lula, depois do que viu em Roraima, esteja de fato sensibilizado com a penúria Yanomami. Mas, como sabemos, o inferno está cheio de boas intenções. Não basta querer mudar uma realidade, sem antes se dispor, ao menos, a conhecê-la. Especialmente, uma realidade tão complexa como a da Terra Indígena Yanomami”.

E Senra destaca a logística como questão central na Terra Yanomami, que deveria ter pautado “um plano de reestruturação da presença do estado nesse território”, e denuncia “um jogo de empurra entre a Sesai e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai)”, que provocou o atraso na reforma de cinco pistas de pouso, além de “mais de quarenta aeródromos que precisam de manutenção e ampliação urgente”.

Segundo ele, “comunidades que antes eram atendidas por pequenas aeronaves hoje dependem exclusivamente de helicópteros, equipamento quase quase quatro vezes mais caros, em termos de horas de voo”.

E assim o governo ficou na mão das Forças Armadas, “que consumiu milhões de reais lançando cestas básicas sobre aldeias e clareiras sem critério algum. Sem contar ainda as toneladas de alimentos que foram abandonadas nos armazéns das cidades porque os militares gastaram o dinheiro disponível para o frete aéreo antes de atingir a meta do número de cestas básicas estipulada pela Funai”.

Surreal! E, para Senra, devido ao histórico recente da Amazônia, qualquer um saberia que os militares “nunca foram exatamente aliados dos Yanomami, e que depender da boa vontade deles para solucionar um problema que eles ajudaram a criar, por ação ou omissão, seria uma aposta, no mínimo, arriscada”.

Operações de alto risco 

Em 11/1, o Ministério da Saúde divulgou nota esclarecendo que, na região, ainda há locais onde o garimpo não permite que os profissionais de saúde atuem “com a segurança necessária”. Também comentou “as imagens divulgadas”: trata-se do resgate de três crianças em situação de desnutrição realizado por profissionais do MS em uma comunidade (Sanumã) na fronteira com a Venezuela. 

E ainda ressaltou que, em locais como esses, sempre é realizada uma “operação de alto risco devido à presença de garimpeiros”, por isso a ação teve que ser realizada rapidamente.

“Esse é um dos locais onde o garimpo não permite a segurança necessária para a entrada de profissionais de saúde”, explicou o MS, destacando que, apesar disso, as ações implementadas pelo governo federal na região, durante 2023, permitiram a reabertura de seis polos-base fechados devido a “ações criminosas”, além da recuperação de “307 crianças diagnosticadas com desnutrição grave ou moderada”, completou.

Visita de comitiva interministerial

A implantação da ‘Casa de Governo’ – e sua réplica em outras operações da mesma natureza – é uma reivindicação ‘antiga’ do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que solicitava do governo estrutura especial e arcabouço legal para coordenar as ações emergenciais. 

A ‘casa’ também é uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2023, ordenou que o governo apresentasse medidas de combate ao garimpo nas terras Yanomami, visto que a operação de desintrusão iniciada em janeiro de 2023 – quando o presidente Lula decretou emergência sanitária na região – não conseguiu expulsar os invasores, totalmente. 

Na ocasião, Lula acreditava que, em 180 dias, o território indígena estaria livre dos garimpeiros: “Não vai existir mais garimpo ilegal!”, disse ele sobre a principal reivindicação do xamã e líder yanomami Davi Kopenawa: retirar 30 mil garimpeiros das terras Yanomami. 

No entanto, nem o fechamento do espaço aéreo, que visava sufocar a rede de suprimentos do garimpo, foi eficiente.

Para instalar o espaço que permitirá concentrar a atuação permanente dos órgãos federais na segurança e acesso a políticas públicas pelos indígenas da TI Yanomami, uma comitiva interministerial desembarcou em 10/1, em Boa Vista, seguindo para a região de Auaris, dentro do território demarcado e próxima da fronteira do Brasil com a Venezuela.

Davi Kopenawa e Júnior Hekurari Yanomami acompanham ministros e integrantes da comitiva responsável por instalar a Casa de Governo na TI Indígena Yanomami / Foto: Lucas Leffa / Agência Brasil

Integraram o grupo: Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, Marina Silva, do Meio Ambiente de Mudança do Clima, Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, além de Joenia Wapichana, presidente da Funai, Weibe Tapeba, secretário especial de saúde indígena do Ministério da Saúde, e representantes do Ministério da Justiça. 

Davi Kopenawa, e Júnior Hekurari Yanomami, coordenador do Conselho do Distrito Indígena de Saúde (Condisi-Y) e presidente da Associação Urihi, acompanharam o grupo. 

Em Auaris, a comitiva visitou o posto de saúde Ye’kwana, onde estão sendo construídas novas instalações para receber pacientes, laboratórios e alojamentos para profissionais de saúde. E também foi à aldeia desse povo, onde, em 2023, o governo federal forneceu ferramentas para a criação de roçados, que tornassem possível a autonomia alimentar dos yanomami.

Vale destacar que os agentes do Ibamaque estão parados desde o início do ano para reivindicar plano de carreira e reajuste salarial – chegaram a propor “furar a paralisação” para integrar a nova operação especial na Terra Indígena Yanomami, mas a maioria rejeitou a ideia em assembleia, em 10/1.

A seguir, assista à declaração da ministra Sonia Guajajara durante essa visita em vídeo produzido por seu ministério e divulgado nas redes sociais, e também a reportagem de Sonia Bridi para o programa Fantástico, exibido ontem à noite, que reitera as dificuldades relatadas pelo MS, em nota.

Fontes: Agência Brasil, UOL, G1, ISA – Instituto Socioambiental

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