
Em 7 de junho, a ativista negra Jen Reid participou ativamente dos protestos do movimento Black Lives Matter, na cidade de Britol, na Inglaterra, onde mora. E ganhou notoriedade por ter subido no pedestal de onde acabara de ser tirada a estátua do comerciante de escravos do século XVII, Edward Colston, que, em seguida, foi jogada no rio pelos manifestantes (como contamos, aqui). De punho cerrado, numa postura altiva e olhar fixo, ela saudava o movimento Black Power. Foi muito fotografada, claro, e sua imagem correu o mundo.
Ao ver a foto no Instagram de Jen, o artista Marc Quinn imediatamente pensou em imortalizar o momento. “Ela já parecia uma escultura”, disse à Aindrea Emelife, do jornal britânico The Guardian. E procurou pela ativista, que aceitou logo a proposta, acertando todos os detalhes, inclusive sua colocação no pedestal que abrigara Colston por um século. Muito simbólico.
Com mais um detalhe: Quinn idealizou a obra – que chamou de Surge of Power: Onda de Poder, em tradução livre – como uma instalação temporária. Não queria depender de uma autorização oficial porque, certamente, não a teria.
Surpreendeu autoridades – que ainda não decidiram o que será feito no pedestal, em substituição à figura nefasta de Colston – e cidadãos, provocando reações variadas. Tanto ao vivo, como nas redes sociais.
Muita gente aprovou a nova estátua. Mas teve quem fizesse reflexões a cerca da importância histórica que deve caracterizar a figura que ocupar o pedestal, e que isso deveria ser melhor discutido por todos: moradores e governo. Outros refutaram a “decisão” completamente, chamando-a de um absurdo: “Quem é Jen?”. Mas claro que ninguém sabia ainda que a nova estátua estava ali por iniciativa de um artista engajado.
Poética, a escritora Aindrea Emelife, que acompanhou a colocação da estátua de Jen Reid no pedestal, relata sua emoção:
“É uma visão extraordinariamente poderosa, a luz da manhã refletindo na superfície lisa e negra da estátua, que acaba de ser colocada no rodapé. A sensação de triunfo no ar encontra um eco perfeito na pose de Reid. Esse punho se levantou e jogou no ar, exercendo energia no céu e lançando no éter a pressão psicológica do racismo sistêmico, pedindo ação e outros para ficarem com ela, conosco. Das bobinas de seu afro às rugas de sua pele enquanto ela aperta o punho, a emoção é potente e palpável”.
Na base do pedestal, em referência ao movimentos Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), foram deixados cartazes com palavras de ordem, protestos.

24 horas é pouco?
Se não fossem as redes sociais e a obsessão que a maioria das pessoas tem de fotografar tudo que vê pela frente com seus celulares – ainda mais se é interessante e inusitado, como neste caso – a instalação e sua remoção teriam ficado restritas aos moradores de Bristol.
Sim, foi uma pena! Mas o prefeito Marvin Rees agiu muito rápido e mandou tirar a “figura de Jen eternizada em resina preta” 24 horas depois de ter sido instalada com todo cuidado pela equipe de Quinn, durante a madrugada. Eles chegaram às 5 da manhã e levaram cerca de 10 minutos para colocar a nova estátua no pedestal. “Não havia permissão para isso”.
Mas, segundo relatos que encontrei na internet, os funcionários encarregados da missão também foram muito cuidadosos na retirada da obra do pedestal. Um deles chegou a orientar o colega para “não quebrar o vestido”.
Porta-voz do conselho da cidade de Bristol declarou que a estátua de Jen Reid ficará guardada “em um museu para que o artista a busque ou doe para nossa coleção”.
3D
Político, filantropo e mercador de escravos
A cidade de Bristol foi o principal porto de escravos da Inglaterra por estar numa posição privilegiada no Rio Avon. Era lá que vivia Edward Colston, conhecido e respeitado político, filantropo e um dos maiores mercadores de escravos do país, principalmente entre 1672 e 1689. Estima-se que ele tenha tirado da África cerca de 80 mil homens, mulheres e crianças.
Por isso, ganhou diversas homenagens, que persistem até hoje, exceto a estátua de bronze, que agora jaz no fundo do rio e que, segundo o prefeito, em algum momento, será recuperada e transportada para algum museu. “Não houve perda alguma, pois a estátua era uma afronta”, disse na ocasião das manifestações do movimento Black Lives Matter.
Mas a memória desse fascínora continua viva em uma avenida (que desemboca na praça onde está o pedestal polêmico), uma praça, escolas e a maior casa de espetáculos da cidade, batizadas com seu nome. Inaceitável!
Foto: Marc Quinn Studio