Com patrimônio líquido combinado de aproximadamente US$ 60 bilhões, a família Cargill-MacMillan é a 14ª mais rica dos EUA, reunindo mais bilionários do que qualquer outra no mundo. Sua riqueza vem dos lucros da gigante do agronegócio Cargill Inc, uma das maiores empresas privadas dos Estados Unidos e uma das principais corporações por trás do avanço desse setor sobre a Amazônia e o Cerrado. Para escancarar sua responsabilidade pela destruição ambiental em nosso país, o artivista Mundano inaugura, hoje (23), mega mural – um dos maiores murais da cidade de São Paulo e da América do Sul, com mais de 30 metros de altura e 48 metros de largura, totalizando 1.581,60 m2 de área –, na empena de edifício voltado para a Avenida Brigadeiro Luís Antônio e a duas quadras da Avenida Paulista, ou seja, com ampla visibilidade.
Batizada de ‘Keep Your Promisse‘, a obra retrata a indígena Alessandra Korap Munduruku, uma das mais ativas lideranças brasileiras, que tem denunciado a Cargill de maneira incansável e cobrado a realização da promessa feita em 2023, por essa família, de eliminar produtos oriundos de desmatamento de sua cadeia de fornecimento até 2025.
Tintas produzidas a partir de crimes e desastres ambientais
As tintas foram produzidas com cinzas da floresta amazônica, do Cerrado, da Mata Atlântica e do Pantanal, que estão sendo devastadas para abrir espaço para lavouras de soja que vendem sua produção para a Cargill.
Também foi utilizada lama coletada em cidades do Rio Grande do Sul devastadas pelas inundações, comprovadamente agravadas pela mudança do clima que, por sua vez, tem sido acelerada pela destruição ambiental promovida pelo agronegócio.
E ainda foram adicionadas às tintas terra (que foi jogada fora!) coletada em caçambas de São Paulo e argila da terra indígena Sawré Muybu – do povo Munduruku, no Pará. Ou seja, a obra foi produzida com pigmentos naturais resultantes de crimes e desastres ambientais.
“O artivismo é uma maneira de alertar sobre a emergência climática, o maior desafio da humanidade. No Brasil e no mundo sofremos com ondas de calor, secas severas e enchentes causadas pelo desequilíbrio ambiental que grandes corporações como a Cargill estão promovendo. Meu país foi engolido pela fumaça da ganancia. Os Cargill-MacMillan querem ser lembrados por serem uma família que acelerou a extinção da humanidade ou por ter sido a família que entendeu a urgência e foi uma das propulsoras para iniciar uma grande mudança global?”, questiona Mundano.
“Eu vejo essa pintura como um pedido de basta em toda destruição que empresas como a Cargill insistem em fazer pelo mundo todo”, destaca Alessandra. “Se não pararmos com essas práticas, o único cenário que as gerações futuras vão conhecer é esse que está atrás de mim, na pintura: árvores queimadas e rios secos. Espero que quem passar por esse prédio se veja mais como parte da natureza e se enfureça com os que a estão destruindo!”, finaliza a liderança.
Inspiração
Segundo Mundano, a inspiração para a realização da obra vem de diferentes momentos. Primeiro, da destruição causada pelas cadeias de fornecimento da soja e da carne, “que é gigantesca, daí a ideia foi fazer o maior mural possível em São Paulo”.
“Vem também da experiência de andar no solo rachado pela seca, de ter andado e coletado as cinzas com as quais a tinta foi feita. Vem de ver a floresta queimar, de apagar incêndio florestal, criminoso, ali como fazem os brigadistas” – heróis homenageados em outro mural de Mundano na capital paulista, como contamos aqui.
Por isso, o artivista colocou sua mensagem – escrita em um cartaz e desenhada no fundo da obra -, em 1.440 metros quadrados, representando a seca vivenciada em boa parte do país, mas, também as queimadas nos biomas.
Mundano conta que a inspiração vem, ainda, da vivência propiciada durante expedição com Alessandra Korap Munduruku e mais de 50 indígenas de seu povo que, na região do Tapajós, autodemarcaram a Terra Indígena Sawré Muybu.
Foi ali que o artista viu a grandeza da liderança indígena, “uma guerreira gigante que está defendendo seu território e a floresta amazônica em pé contra o avanço da soja que, no final, é comercializada pela Cargill. Daí, a decisão de pintar a Alessandra no mural.
Parcerias
Mundano conta também que a execução do mural foi muito desafiadora. Envolveu seis artistas – além do próprio Mundano, André Hulk, Daniel Werá, Marcos Moluco, Losstianny e André Firmino (foto abaixo), com produção da Parede Viva – que se movimentaram em oito balancinhos elétricos em um dos prédios com maior lateralidade na cidade de São Paulo.
O mural também tem a parceria da Stand.earth – organização ambientalista que, desde 2000, protege florestas ameaçadas por meio da transformação de políticas corporativas e leis governamentais nos Estados Unidos e Canadá – e sua campanha Burning Legacy.
“A família Cargill-MacMillan diz que não é responsável pelas ações da Cargill Inc. porque não está envolvida em sua gestão”, explica Mathew Jacobson, diretor da campanha Burning Legacy, da Stand.earth. “Isso é como dizer que não sou responsável se meu cachorro te morder porque não estou envolvido no seu adestramento. Como proprietários da Cargill, eles são responsáveis por suas ações, sim! Apenas eles podem decidir se seu legado será́ de mudança de curso e proteção das florestas do mundo ou se serão responsáveis por sua extinção”.
E Pedro Cartel, coordenador de campanhas da Amazon Watch para o Brasil, acrescenta: “Para aumentar seus lucros, a Cargill impulsiona ainda a construção da Ferrogrão, uma mega ferrovia que sacrificaria a Amazônia e o Cerrado, violando os direitos dos povos indígenas e comunidades locais”.
“Este megaprojeto para expandir ainda mais a produção de soja e milho é a antítese do compromisso da empresa de eliminar o desmatamento. A família Cargill-MacMillian deveria suspender o apoio da Cargill à Ferrogrão e ajudar a interromper definitivamente seu avanço”, finaliza o ativista.
Após a inauguração, a Stand.earth levará a mensagem do mural até a porta do império da família Cargill-MacMillan, nos Estados Unidos, por meio de uma série de cartazes criados por Mundano em parceria com líderes indígenas e suas comunidades.
Cada cartaz indica o nome de um membro dos Cargill-MacMillan pintado com as mesmas cinzas de florestas usadas na produção do mural e a frase que aparece no cartaz que Alessandra segura no mural: Stop The Destruction (Pare a Destruição) e a hashtag #KeepYourPromisse (Mantenha sua Promessa).
Que haja repercussão. Que a mensagem seja vista e ouvida e que mova pessoas e povos.