“A omissão, a indiferença e a ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio da Covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros”, denunciam os nove integrantes do Fórum de Ex-Ministros do Meio Ambiente em Defesa da Democracia e da Sustentabilidade, em carta aberta publicada hoje em diversos jornais do país.
São eles: Carlos Minc (ministro no governo Lula), Edson Duarte (Temer), Gustavo Krause (FHC), José Carlos Carvalho (FHC), Izabella Teixeira (Dilma), Marina Silva (Lula), Rubens Ricupero (Itamar Franco), Sarney Filho (FHC e Temer) e José Goldemberg (FHC e Lula; na foto ao lado), que aderiu recentemente ao grupo.
Criticam de forma veemente o governo federal, sem citar os nomes de Bolsonaro, nem de Ricardo Salles, ministro do meio ambiente, conclamando os poderes Legislativo e Judiciário a reagirem e incentivando governadores e prefeitos para que sigam firmes e com transparência no enfrentamento da pandemia.
“A sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la”, prosseguem. E destacam a polêmica reunião ministerial de 22 abril – que chamam de “retrato fiel deste desgoverno” -, quando o presidente e seus ministros confirmaram total desprezo pela crise sanitária, entre eles Salles, que propôs a todos que aproveitassem a ocasião – já que a imprensa está focada na cobertura da pandemia – para “passar a boiada” e flexibilizar leis em benefício de seus sórdidos propósitos.
No texto, destacam que tal sugestão “pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder“. Convidam a sociedade a se unir – “a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fieis aos valores e princípios da Constituição’ – e, lembram que os valores relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos são os primeiros sacrificados quando “a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas”.
No final da carta, são ainda mais categóricos: “Sem Democracia forte, não haverá sustentabilidade. Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo“.
A primeira manifestação dos ex-ministros do meio ambiente (eram 8, sem Goldemberg) foi em outubro de 2018, assim que Bolsonaro foi eleito. Eles enviaram uma carta ao futuro presidente do Brasil, em resposta às declarações estapafúrdias: ele já ameaçava acabar com o Ministério do Meio Ambiente e sair do Acordo de Paris. Em maio de 2019 – com quatro meses de (des)governo – os ministros se insurgiram contra a politica ambiental de Salles. E, em agosto, propuseram à Câmara dos Deputados, ao Senado e ao STF a moratória de projetos que incentivam o desmatamento.
Vale muito a leitura da nova carta, que reproduzimos na íntegra, a seguir.
Carta Aberta do Fórum de Ex-Ministros do Meio Ambiente do Brasil em Defesa da Democracia & Sustentabilidade
Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído.
A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio do Covid 19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros. A tragédia seria ainda maior não fosse a ação de Estados e Municípios, apoiados pelos poderes Legislativo e Judiciário.
A sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la. A destruição dos biomas brasileiros avança em taxas aceleradas que não se registravam há mais de uma década, com aumentos expressivos de desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, enquanto os órgãos ambientais e s normas federais são sistematicamente desmantelados. Povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais veem crescer, de modo exponencial, as ameaças aos seus territórios e às suas vidas.
A degradante reunião de 22 de abril passado é o retrato fiel desse desgoverno, com horas dedicadas a ofender e desrespeitar de maneira abjeta os demais poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentamento da crise econômica ou superação da crise “pandêmica”.
A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelecer conexões entre a agenda da sustentabilidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacreditavelmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende.
Na ocasião, confessou de público o que pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é “passar a boiada” sobre a legislação socioambiental aproveitando o “momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID”. Causa indignação e espanto que a proposta não merecesse reprimenda em nome do decoro, nem reparodos presentes, em defesa da moral e da honra.
Responsáveis durante décadas pela política ambiental desde a redemocratização do país, criamos este Fórum para demonstrar que a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fieis aos valores e princípios da Constituição.
Como ex-ministros do Meio ambiente, nossa responsabilidade específica se consubstancia na valorização e preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. Aprendemos, porém, pela dura experiência com o atual governo, que quando a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas os primeiros valores sacrificados são os relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Sem Democracia forte, não haverá sustentabilidade.
Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo.
Diante do exposto, solicitamos:
- aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que velem pelo cumprimento efetivo dos princípios constitucionais depreservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo “essencial” à sadia qualidade de vida assim como pela independência entreos Poderes;
- aos membros do Congresso Nacional para que, sob a coordenação dos presidentes da Câmarados Deputados e do Senado, assegurem o controle dos excessos e omissões do PoderExecutivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de Projetos de Lei e Medidas Provisórias que fragilizem ou promovam retrocessos na legislação socioambiental;
- aos Governadores e Prefeitos que, diante da situação criada pela ausência de liderança e ação prejudicial do Presidente da República, sigam firmes no enfrentamento responsável da pandemia usando de todos os recursos disponíveis, garantindo transparência máxima na divulgação dos dados e promovam políticas públicas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, bloqueando a escalada de destruição de nossos Biomas; e
- ao Procurador Geral da República, que adote as medidas jurídicas cabíveis de forma firme e tempestiva para barrar iniciativas de estímulo à degradação do meio ambiente, promovidas pelo governo federal, assim como cumpra o compromisso constitucionalde examinar com imparcialidade e presteza as denúncias de crimes deresponsabilidade potencialmente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente de acordo com representações protocoladas a esta PGR durante a Semana do MeioAmbiente.
Fazemos um apelo em favor de uma urgente união nacional em defesa da Constituição e da edificação de um Brasil à altura das aspirações do povo brasileiro por uma Nação plenamente Democrática, Plural e Sustentável.
Brasília 10 de junho de 2020
Respeitosamente,
Carlos Minc
Edson Duarte
Gustavo Krause
José Carlos Carvalho
Izabella Teixeira
Marina Silva
Rubens Ricupero
Sarney Filho
José Goldemberg