As araucárias (Araucaria angustifolia) são algumas das árvores mais majestosas encontradas no Brasil. Símbolo do Paraná, mas observada também em porções mais altas e frias de outros estados da regiões Sul e Sudeste, elas existem há 200 milhões de anos e podem chegar a 50 metros de altura, mesmo porte de uma castanheira amazônica.
Todavia, parece que não é de hoje que elas impressionam os seres humanos. Professores do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe), da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), descobriram o primeiro registro encontrado até agora no Brasil de uma pintura rupestre que reproduz araucárias.
O achado arqueológico está numa área de preservação ambiental (APA) no município de Piraí do Sul. No painel de arenito, de 0,36 m², aparecem, em vermelho, 13 araucárias e 20 antropomorfos (representações humanas).
Os pesquisadores acreditam que o registro tenha sido feito há aproximadamente 4 mil anos pelos povos originários Macro-Jê, antepassados de comunidades indígenas presentes atualmente no sul do Brasil, como os Kaingang e Xoclengues.
“Estávamos cadastrando uma caverna e um colega nos chamou para contar o que tinha visto. Fomos todos juntos olhar para o painel das araucárias e lembro que mostrei o braço toda arrepiada, porque realmente foi na hora que percebemos e reconhecemos que eram as araucárias. Foi de arrepiar, bem emocionante”, contou Nair Fernanda Burigo Mochiutti, professora da UEPG.
Pesquisador observa a descoberta inédita
A incrível descoberta do grupo paranaense foi descrita recentemente num artigo científico. Nele, os pesquisadores detalham mais o painel, como por exemplo, que a pintura representa uma floresta ou um capão de mata com araucárias.
“A descoberta tem um apelo e simbolismo grandes porque quando você vê uma pintura de uma espécie da flora que não é tão comumente documentada nas pinturas rupestres é muito emocionante”, diz Nair.
Além disso, a análise revela um desenho complexo, “com figuras humanas, plantas cultivadas e símbolos que podem representar elementos de grupos e modos de apropriação da paisagem ou delimitação do território”.
Suspeita-se que a “tinta vermelha” fosse obtida a partir da trituração de um minério encontrado em rochas. “Estudos indicam que a hematita (óxido de ferro) era reduzida a pó e misturada com diferentes elementos (água, clara de ovo, gema de ovo, saliva, sangue, gordura animal e a própria seiva da araucária) para fazer a tinta. Fala-se até do cozimento dessa tinta para chegar a colorações diferentes”, afirma o geógrafo e pesquisador Alessandro Chagas Silva.
A pintura pode ajudar a entender melhor o modo de vida dos Macro-Jê
“Encontramos outros estudos que citam a influência dos povos Macro-Jê para a disseminação da araucária, que mostra que a expansão das árvores no sul do Brasil não recorreu apenas de um processo natural, mas também passou por influência desses povos originários”, explica Henrique Simão Pontes, professor do Departamento de Geociência e membro do Gupe.
Os pesquisadores ressaltam que o bom estado de conservação da pintura rupestre pode ter se dado porque ela está localizada a a 1.130 metros de altitude, numa área com diferentes estágios de regeneração da vegetação, que cobre parcialmente encostas e vales.
E como a caverna está dentro de uma propriedade particular, sem acesso à visitação pública, a segurança desse achado histórico está garantida. A APA fica na Escarpa Devoniana, numa área tombada pela coordenação de Patrimônio Cultural, vinculada à Secretaria de Cultura do Estado do Paraná.
O grupo de pesquisadores que encontrou a pintura rupestre
Araucárias, ameaçadas de extinção
Infelizmente, as araucárias correm o risco de serem extintas. Especialistas apontam até uma data para essa tragédia: 2070. Atualmente há apenas pequenas florestas delas, em áreas fragmentadas. As matas da espécie já tiveram uma redução de 98% de sua ocupação original.
Ao longo de décadas, as araucárias sofreram com a intensa exploração madeireira e com a colheita fora de época do seu fruto, o pinhão, que impactou a reprodução da espécie.
“Essas pinturas não pertencem ao proprietário das terras ou ao Gupe, mas a todo povo brasileiro, à história e à cultura. É emocionante fazer parte dessa descoberta, para que as pessoas tenham conhecimento de que já há muito tempo essa árvore é importante, desde os povos originários”, destaca a professora Laís Luana Massuqueto.
Araucárias podem atingir até 50 metros de altura,
mesmo tamanho que as imponentes castanheiras amazônicas
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Fotos: divulgação UEPG/Angelo Eduardo Rocha e Rodrigo Aguilar Guimarães (Membros do Gupe)