Como se não bastasse ter um presidente que já se posicionou a favor do garimpo e apoiou Bolsonaro, como o senador Chico Rodrigues (PSB/RR), a CTEYanomami – Comissão Temporária Externa criada para acompanhar a crise humanitária dos Yanomami e a saída dos garimpeiros corria o risco de ter Damares Alves como integrante.
Vale destacar, aqui, que Chico Rodrigues foi flagrado com dinheiro na cueca em uma operação da Polícia Federal em outubro de 2020.
Além dele, a comissão foi inicialmente formada por Eliziane Gama (PSD/MA), como vice-presidente, e os senadores Humberto Costa (PT/PE), Mecias de Jesus (Republicanos/RR) e o relator Dr. Hiran (PP/RR) como membros. Os dois últimos, também pró-garimpo como Chico.
Pois bem… Assim que soube da abertura de mais três vagas na referida comissão, a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, eleita senadora em outubro de 2022, se candidatou, afirmando, no requerimento, que poderia contribuir com “um bom conhecimento prévio da situação existente na região norte e nordeste do Estado de Roraima”.
Uma petulância que gerou indignação e revolta entre parlamentares e defensores dos direitos humanos e dos povos indígenas, além de preocupação no governo. Não é pra menos.
Quem acompanhou sua trajetória como ministra, sabe que – apesar de dizer o contrário – Damares nunca protegeu os indígenas e que, no caso dos Yanomami, ignorou diversos apelos de lideranças. Por conta disso, é alvo de uma representação criminal de deputados federais do PT ao Ministério Público Federal (MPF), que solicita sua responsabilização criminal e civil devido à tentativa de “genocídio do povo indígena Yanomami”.
Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sepultou a intenção da senadora: escolheu Leila Barros (PDT/DF), Zenaide Maia (PSD/RN) e Marcos Pontes (PL-SP) para compor o grupo. Mas também deixou de fora Fabianno Contarato (ES), líder do PT no Senado, Augusta Brito (PT/CE) e Jaime Bagattoli (PL/RO), que também haviam se candidato.
Pacheco disse que, para chegar a esses nomes, ouviu o presidente e a vice-presidente da comissão.
Não entregou duas vagas para o PT, como esperavam os parlamentares preocupados com a causa indígena (que queriam travar o apoio ao garimpo de Chico, Hiran e Mecias), mas, sim, para senadoras alinhadas ao governo Lula.
Comissão equilibrada?
Justamente pela presença de parlamentares que sempre apoiaram os garimpeiros – como conseguiram esse destaque? – a CTEYanomami tem protagonizado embates a cerca da forma como a crise social e ambiental naquela região deve ser abordada.
Os senadores Chico, Hiran e Mecias defendem os garimpeiros, dizendo que eles só invadiram a Terra Indígena Yanomami “para garantir o próprio sustento e o de suas famílias” e que a responsabilidade pela destruição do território cabe aos donos dos garimpos já que ‘envolveram’ esses trabalhadores “na atividade de mineração”.
Logo depois de ter assumido a presidência da comissão, Chico Rodrigues viajou à Terra Yanomami sem que a vice soubesse, muito menos a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). E foi questionado por Eliziane porque desrespeitou a regra do órgão para acesso a qualquer terra indígena no país. Sem autorização, ninguém pode entrar nessas áreas.
Na volta, Chico confirmou que não pediu autorização para a Funai porque comunicou “exatamente a quem está no comando da operação na área, que é o Ministério da Defesa”. E ainda acrescentou que o ministério não fez qualquer objeção e que, “se tivesse que dar orientação em relação à Funai, teria dado”.
Ora, se o presidente da comissão criada para defender os Yanomami não reconhece a autoridade da Funai, como poderá dirigir os trabalhos do grupo de forma justa e que favoreça os indígenas, as grandes vítimas desta questão?
ONG e adoção de garota indígena sob suspeita
Logo que foi escolhida por Bolsonaro para ser sua ministra, a imprensa noticiou amplamente que Damares era fundadora da ONG Atini, que, na ocasião, era alvo de acusações do Ministério Público e de indigenistas, que citavam tráfico, sequestro e exploração sexual de crianças como suas reais atividades. Nunca mais se ouviu falar sobre isso e a ONG continua ativa.
Além disso, vieram à tona suspeitas de que, 15 anos antes, Damares havia sequestrado uma garota indígena de 6 anos, do povo Kamayurá, no Xingu.
Em janeiro de 2019, portanto no primeiro mês do governo Bolsonaro, o site do jornal O Globo publicou sobre A história de Lulu Kamayurá, a índia criada como filha pela ministra Damares Alves (somente para assinantes), que se baseia em reportagem da revista Época. Ela estava com 20 anos.
Seu nome completo é Kajutiti Lulu Kamayurá e ela foi criada pela avó paterna, Tanumakaru. Segundo os integrantes do povo Kamayurá, ela foi levada da aldeia por Damares e uma assessora – que se diziam missionarias -, “sob pretexto de fazer um tratamento dentário na cidade e nunca mais voltou”.
Este é outro capítulo obscuro da vida da ex-ministra, atual senadora que, agora, se considera porta-voz dos povos originários no Congresso Nacional.
Indígena no parlamento
Damares se esquece que, apesar da vitória de muitos aliados de Bolsonaro na última eleição – o astronauta Marcos Pontes e o juiz parcial Sergio Moro são alguns de seus colegas -, ali do lado, na Câmara dos Deputados, está Célia Xakriabá, legitima representante desses povos eleita por Minas Gerais, e que tem mostrado sua força e competência desde o primeiro dia de mandato.
Ela acaba de aprovar a implantação da Frente Parlamentar Mista dos Povos Indígenas, que reúne parlamentares da Câmara e do Senado (por isso é mista), depois de conseguir angariar 198 assinaturas!
Na Câmara, a coordenação será de Célia e o deputado federal Airton Faleiro (PT/RS), seu vice. No Senado, a coordenação é de Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e, o vice, Fabiano Contarato (PT-ES). São membros: as deputadas federais Érika Hilton (PSOL/SP), Dandara Tonantzin (PT/MG), Camila Jara (PT/MS), a senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA) – que é vice presidente da comissão Yanomami, lembra? – e os deputados federais Túlio Gadelha (Rede/PE) e Ivan Valente (PSOL/SP). Muita gente boa reunida.
“Ainda no início da legislatura, um deputado da direita, pró-garimpo e abertamente contra os direitos dos povos indígenas, sinalizou intenção de protocolar uma frente similar, o que representaria um ataque direto à pauta. No entanto, depois de muitas articulações, as casas entendem a importância da frente ser coordenada de fato por uma mulher indígena e, assim, houve o apoio necessário para a sua criação”, declarou a segunda deputada indígena da história do Congresso Nacional.
A primeira foi Joenia Wapichana (agora, presidente da Funai) que lutou bravamente pelas pautas indígenas durante os quatros anos do governo Bolsonaro. Sonia Guajajara, também eleita deputada federal em outubro de 2022, foi escolhida por Lula para assumir o tão prometido Ministério dos Povos Indígenas, por isso, apesar de ser empossada como todos os deputados, abriu mão do mandato.
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