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Coordenadora do Inpe é exonerada após divulgação de dados sobre devastação na Amazônia, que desmentem o governo

Desde que Bolsonaro se declarou insatisfeito com a conduta do cientista Ricardo Galvão à frente do Inpe – Instituto de Pesquisas Espaciais – sempre comprometido em divulgar os dados do desmatamento com total transparência e que, por isso, foi exonerado -, que o órgão está na mira e nos planos de desmonte do governo.

É bem possível que o estardalhaço que esse afastamento provocou tenha abafado suas intenções, mas a exoneração da coordenadora da área de Observação da Terra, Lubia Vinhas, ontem, “pode ser um indicativo de que o plano nunca foi abandonado”, declarou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota.

“Que isso ocorra em plena aceleração do desmatamento, quando o governo precisa conter ameaças de desinvestimento, é sinal de que Jair Bolsonaro parece estar tratando as preocupações do agronegócio e dos investidores como trata as dos brasileiros aterrorizados pelo coronavírus. Nossa economia encontra-se em risco extremo”, salienta Astrini.

Os dados divulgados pelo Inpe desmentem o compromisso do governo – firmado pelo vice-presidente e coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Hamilton Mourão – diante das queixas de investidores e empresários estrangeiros e de empresários brasileiros.

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Mentiras e mais mentiras?

Foto: Victor Moriyama/Greenpeace Brasil

Entre outras atribuições, a área de Observação da Terra é responsável pelo monitoramento da devastação da Amazônia, por meio do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter).

Coincidência ou não, o afastamento da pesquisadora ocorre uma semana depois que o Inpe divulgou alertas de desmatamento, indicando novo recorde: foram devastados mais de 3 mil km² no semestre, representando aumento de 25% em comparação ao mesmo período do ano passado. Só em junho, foram devastados mais de 1.034 km².

A partir desses dados – originalmente divulgados para orientar equipes de fiscalização sobre os locais onde ocorre a devastação -, é possível prever que, este ano, a taxa oficial de desmatamentoque é medida de agosto de um ano a julho do ano seguinte – ultrapassará a taxa registrada no mesmo período de 2019. Com um detalhe: esta já foi considerada a maior em 11 anos. Um mês antes do fim desse período, os dados revelam aumento de 64%.

Esse panorama desalentador foi revelado pelo Inpe na mesma semana em que CEOs de cerca de 40 companhias e grupos dos setores industrial, agrícola e de serviços, além de quatro organizações empresariais enviaram carta ao Executivo, Legislativo e Judiciário – incluindo Mourão, cobrando ações do governo no que tange à política socioambiental, mas, principalmente, no combate ao desmatamento na Amazônia e nos demais biomas do país.

Dias depois, por vídeo-conferência, alguns dos CEOs que assinam essa carta se reuniram com Mourão para tratar do assunto. Diante de todos, ele assumiu a responsabilidade pelo controle do desmatamento e, além de se comprometer com um plano com metas semestrais, garantiu que o Brasil não sai do Acordo de Paris, sobre clima. A maioria saiu otimista do encontro. Cedo demais para celebrar.

Desmonte do Inpe

Desde que Ricardo Galvão foi demitido e Darcton Damião assumiu a direção do instituto de forma interina, mudanças estruturais profundas têm sido implementadas. É o que contam pesquisadores do Inpe em duas cartas enviadas ao comitê de busca de um novo diretor para o instituto, às quais a reportagem da Folha de São Paulo teve acesso.

Nas cartas, eles chamam a atenção para o fato de que tais mudanças podem paralisar e inviabilizar o órgão. Mais: denunciam que essas “adequações” na estrutura “contradizem o regimento interno do Inpe, criando uma estrutura paralela, que opera, governa e decide sobre o órgão, mas que não existe na regulação administrativa”. E “alertam para o favorecimento da candidatura deste e também defendem que sua condição de interino não deveria permitir alterações no regimento”.

Segundo o Inpe, a exoneração de Lubia Vinhas faz parte de um processo de fusão da Observação da Terra com outras duas áreas: o Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).

Os dados sobre desmatamento e queimadas – monitorados pelo Inpe – estão na mira do Conselho da Amazônia, dirigido por Mourão. O vice-presidente afirmou que a responsabilidade por esses dados continua a cargo do Inpe, mas foi criada uma estrutura no Ministério da Defesa para administrar tais informações. Administrar….

Em uma das cartas, pesquisadores alertam também que as mudanças no Inpe fazem parte da primeira fase do projeto de transformação institucional. Na sexta-feira, 10/7, o site do órgão anunciou que está desenvolvendo ferramenta para monitoramento de queimadas na Amazônia.

Não adianta querer esconder dados

Bons tempos em que o Ibama fazia operações para destruir acampamentos de
garimpeiros e desmatadores na Amazõnia

Levando em conta a conduta do governo Bolsonaro em relação a órgãos de fiscalização e controle como Ibama e ICMBio, não é difícil imaginar o que pode estar acontecendo com o Inpe.

Mas, como bem lembrou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota, “infelizmente para o presidente e o ministro Marcos Pontes, há vários outros sistemas de monitoramento da Amazônia operando. Como no caso da tentativa de esconder dados da Covid, qualquer investida contra o Inpe já nasce condenada a fracassar”.

Resistir, revolucionar e desobedecer é o mínimo que se pode fazer quando um governo tenta, de todas as formas, camuflar a verdade e a transparência.

Foto (destaque): Divulgação/Academia Brasileira de Ciências

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