O que os povos indígenas e os ativistas que lutam por sua causa mais temiam, aconteceu: hoje (14/12), o Congresso Nacional – em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado – derrubou veto do presidente Lula ao trecho da lei aprovada pelo Congresso, que estabelecia, como marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a data da promulgação da Constituição.
Nas duas casas, a derrota do governo foi avassaladora: 321 x 137 entre os deputados, e 53 x 19 entre os senadores.
De acordo com a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, os parlamentares mantiveram o veto de três trechos do texto, ou seja, “foram retirados da famigerada tese os seguintes pontos:
- ameaças aos povos indígenas isolados;
- proposta que autorizaria o uso de transgênicos em terras indígenas; e
- proposta racista sobre a alteração de traços culturais”.
O texto aprovado hoje segue para promulgação e a absurda tese ruralista passa a valer: a partir de agora, só têm direito à terra o povo indígena que a ocupava em 5 de outubro de 1988. Esta será considerada como “terra tradicionalmente ocupada”, as demais terras não, e, por isso, não serão demarcadas.
A exceção só será possível se for comprovado o chamado renitente esbulho, ou seja, que o povo indígena passava por conflito pela posse da terra, iniciado antes de 5 de outubro de 1988 e persistente até a data, pelo menos.
Defendida com afinco pela bancada do agronegócio, hoje o marco temporal teve o apoio não só de parlamentares de partidos de oposição como também da base aliada ao Planalto.
Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, por exemplo, aproveitou a licença do cargo (para votar em Flávio Dino para ministro do STF) e votou a favor da tese ruralista e, portanto, contra a decisão do governo do qual faz parte.
STF será acionado
Mesmo com a derrubada do veto de Lula, a decisão do Congresso ainda pode ser questionada, no Supremo Tribunal Federal (STF), por organizações indígenas e ambientalistas. E vai!
O Ministério dos Povos Indígenas anunciou que vai “acionar a Advocacia Geral da União (AGU) para dar entrada no STF a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a fim de garantir que a decisão, já tomada pela Alta Corte, sobre o marco temporal seja preservada, assim como os direitos dos povos originários”.
“O Congresso aprovou a tese, que desrespeita a tradição e a propriedade dos indígenas sobre seus territórios”, e, essa decisão “vai totalmente na contramão dos acordos climáticos que o Brasil vem construindo, desde o início deste ano, para o enfrentamento da emergência climática, que também coloca em risco os direitos dos povos indígenas e de seus territórios”.
E o ministério completou em suas redes sociais: “Vale reforçar, mais uma vez, que a decisão é inconstitucional, já que o Supremo Tribunal Federal decidiu que os indígenas têm direito a seus territórios, conforme determina o artigo 231 da Carta Magna”.
A APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil também prometeu acionar o STF: “Direitos não se negociam e a aprovação do marco temporal é ilegal. Como resposta ao resultado da votação, a articulação vai entrar com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Linha do tempo
Em setembro, a maioria dos ministros da Suprema Corte barrou – por 9 X 2 votos – a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas, chamando-a de inconstitucional.
Como revide, parlamentares da Câmara e do Senado se mobilizaram para apressar a votação do PL 2903 e protocolaram PEC para validar marco temporal.
Em outubro, quando vetou a decisão do Congresso, Lula chegou a declarar que o marco temporal incorria em “vício de inconstitucionalidade” e contrariava o “interesse público por usurpar direitos dos povos originários”.
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Foto: Lula Marques/Agência Brasil