A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é uma espécie endêmica do Brasil, ou seja, só existe em nosso país e em nenhum outro lugar do mundo. Infelizmente, ela é considerada em perigo de extinção, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).
Mas há boas notícias! Um censo realizado entre agosto e setembro de 2022 indicou que houve um aumento no número de indivíduos nas regiões do Raso da Catarina e do Boqueirão da Onça, na Caatinga baiana, onde ela ocorre.
Segundo relatório do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), foram contabilizadas 2.254 araras. Em 2019, quando foi feito o levantamento anterior, a estimativa era de 1.469 aves. Naquele ano, inclusive, o número foi inferior ao censo de 2018 (média de 1.694 araras), “interrompendo a curva de crescimento observada desde 2001”, quando foram observados apenas 228.
Ainda de acordo com o documento divulgado pelo ICMBio, ao qual o Conexão Planeta só teve acesso agora, os pesquisadores do Grupo de Pesquisa e Conservação da Arara-Azul-de-Lear só descobriram recentemente três novos dormitórios da espécie.
O censo abrangeu os sete dormitórios atualmente utilizados por essas araras: Serra Branca (localizada no sul da ESEC Raso da Catarina) e Fazenda Logradouro, no Povoado Matinha, em Jeremoabo; Toca Velha (Estação Biológica de Canudos) e Fazenda Barreiras, em Canudos; Comunidade da Baixa do Chico na
Terra indígena Brejo do Burgo (Etnia Pankararés), no município de Glória; Fazenda Samambaia, no Povoado Vila Canaã e Fazenda Zenaide, no Povoado Barra do Tanque I, ambos em Euclides da Cunha.
A arara-azul-de-lear tem o hábito de realizar longos voos diariamente, cerca de 60 a 80 km. Sai do dormitório ao amanhecer, se alimenta em áreas vizinhas à sua morada, basicamente dos cocos da palmeira licuri, e no final da tarde, pode ser vista, aos bandos, chegando de diversas direções.
Construção do complexo eólico em Canudos: obras suspensas
Desde 2021, existe uma preocupação muito grande entre especialistas sobre a construção de um complexo eólico justamente na região de Canudos. A obra da multinacional francesa Voltalia prevê a instalação de 80 turbinas eólicas e uma rede de transmissão de energia de 50 km, adentrando o município de Jeremoabo.
Apesar da empresa ter criado um programa específico voltado para a proteção da arara-azul-de-lear, organizações temem que os esforços realizados nas últimas décadas, que conseguiram fazer com que a população passasse de algumas centenas para mais de 2 mil aves, sejam revertidos, com possíveis colisões com as pás.
Há cerca de duas semanas a Justiça Federal determinou a suspensão de todas as licenças do complexo, exatamente um mês após o Ministério Público Federal ter recomendado a anulação das mesmas.
Segundo o parecer do juiz da 3ª Vara Federal Cível e Criminal de Feira de Santana, a Voltalia deve apresentar um novo licenciamento ambiental, conforme exigido pela legislação ambiental vigente.
De acordo com uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), há a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), além de audiências públicas, para plantas eólicas que estejam situadas em “áreas de ocorrência de espécies ameaçadas de extinção e endemismo restrito”, como é o caso da arara-azul-de-lear.
Apesar disso, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) aprovou o projeto do complexo eólico da Voltalia somente com a apresentação de um licenciamento simplificado.
Em seu site, em inglês, a Voltalia anunciou que irá recorrer da decisão da justiça sobre a suspensão de suas atividades em Canudos. As obras no local já tinham começado.
No final do ano passado, 70 organizações civis e associações comunitárias denunciaram ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos o projeto da Voltalia na Bahia. Assinaram a petição entidades como a American Bird Conservancy (ABC), WWF e Re:wild.
No mapa acima a localização do Complexo Eólico de Canudos está indicada com a seta vermelha, onde aparecem linhas finas laranjas. A mancha clara, em verde, apresenta a área de uso da espécie na região do Raso da Catarina
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Foto de abertura: João Quental, CC BY 2.0 via Wikimedia Commons