Em 13 de agosto, ainda não havia certeza das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, mas a notícia divulgada por um funcionário da embaixada brasileira à família de Dom de que os corpos haviam sido encontrados e logo negada pela Polícia Federal e pelos indígenas da UNIVAJA (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), geraram muita confusão, desconfiança e agonia.
E a pergunta seguia, insistente: “Onde estão Bruno e Dom?”.
Enquanto isso, um vídeo singelo (de quase um minuto) – publicado no Facebook por Yura Ni-Nawavo Marubo, assessor jurídico da UNIVAJA -, encantava, emocionava e viralizava nas redes sociais.
Nele, muito à vontade e feliz, Bruno aparece sentado na floresta. Se balança e entoa um canto Kanamari na companhia de indígenas que não aparecem na tela. A impressão que dá é que o indigenista acha graça porque os amigos não conseguem acompanhar seu ritmo. E riem juntos da situação. Muito lindo.
O vídeo foi gravado por Yura Marubo semanas antes do assassinato dos dois ativistas, e eternizou um momento precioso, que traduz o que Bruno sentia na floresta com os amigos (assista no final deste post). E que explica bem porque ele se licenciou da Funai logo que foi exonerado. Impossível não se emocionar.
Como milhares de brasileiros, o compositor, arranjador e cantor André Abujamra assistiu ao vídeo e foi tocado profundamente pela beleza e ternura das imagens e do som. Muito emocionado, ele o compartilhou em seu Instagram.
Sentiu que, antes, nada o tocara tanto e, impulsionado pela forte emoção decidiu remixar a obra, inserindo instrumentos, transformado o que era singelo em épico.
A história do canto
Em seu Instagram, Abujamra contou: “Eu não costumo ficar profundamente triste. Quem me conhece sabe que sou muito otimista e raramente faço a tristeza me dominar, mas hoje eu quebrei a espinha! Geralmente eu faço música como uma oração! Quando vi o vídeo do Bruno chorei muito e daí fiz este remix! Meu amigo/irmão Mauro Cavalcante (mauro.reuni) fez o vídeo! Força e amor”.
Ritti disse ao músico que o líder indígena “estava cheio de dor e tristeza, mas também de muito amor e gratidão pelo Bruno e pelo que representava para os povos indígenas, e que também “contou que Bruno cantava essa música fazendo carinho na cabeça dos indígenas mais jovens. Como um pai cuidando do seu filho”. Fraterno.
Mantra, oração, flecha
Com flautas, instrumentos de percussão, samples de cordas, “a multiplicação das vozes e uma profusão de sons derramados”, o músico amplificou o canto, agora solitário, de Bruno: com repetições imperceptíveis de sua voz, a obra-prima de Abujamra tem quase quatro minutos.
A intervenção sonora varia de intensidade e parece reagir à beleza e à destruição da Amazônia – em especial ao Vale do Javari que Bruno protegia com amor extremado – por madeireiros, garimpeiros, pescadores ilegais (que trabalham para os narcotraficantes), caçadores, criadores de gado e, também, por missionários autorizados pela FUNAI a fazer contato com indígenas isolados para catequizá-los.
As imagens acompanham o ritmo, que ora é mantra, ora oração, ora flecha. Para tanto, Mauro reuniu belíssimos registros da floresta, com toda sua exuberância, cenas das comunidades ribeirinhas, do cotidiano indígena, todos açoitados pelo desmatamento, pelos incêndios e pelas invasões descaradas na mata e nos rios, que Bruno e a UNIVAJA gravavam e denunciavam.
O videomaker também convoca Chico Mendes, Dorothy Stang e outros tantos ativistas anônimos para se unirem a Bruno e Dom. E é uma das imagens mais ternas do vídeo original – com seu olhar e sorriso de garoto – que encerra a homenagem, seguida pela ilustração de Cris Vector, que se tornou conhecida do mundo.
Nela, se pergunta Onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira? Mas, agora, a pergunta é outra: Quem mandou matar Bruno e Dom? Não deixemos a Polícia Federal encerrar as investigações. Os indígenas pedem ajuda. Em nota pública perguntaram: “O que será de nós depois que os jornalistas e as Forças Armadas forem embora?”.
A repercussão internacional do caso, devido à morte de Dom, também pode ajudar a impedir que este crime tenha o mesmo destino do de muitos ativistas, como Maxciel Pereira, em Tabatinga, em 2019, e o de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, em 2018.
Cantos sagrados
A seguir, assista ao remix de Abujamra em parceria com Mauro Nascimento e o canto original publicado pelo músico em seu Instagram.
Foto: reprodução do vídeo de Yuka Marubo