O líder, ambientalista, pensador, poeta e autor indígena, Ailton Krenak, disputou a cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL) – antes ocupada pelo historiador e cientista político mineiro José Murilo de Carvalho – com 15 candidatos e foi eleito com 23 votos, tornando-se o primeiro indígena da instituição centenária.
Teve 23 votos, enquanto a historiadora Mary Del Priore teve 12 e o escritor Daniel Munduruku, quatro. Os demais, nenhum. Sua posse está prevista para 2024.
Negando ser uma ambição pessoal, Krenak – que acaba de completar 70 anos -, entende sua escolha como uma “reparação histórica” aos indígenas.
“Para a pessoa que se constitui como sujeito coletivo, esse gesto é para abrir a porta dessas instituições, assim como as cotas abriram as vagas nas universidades e, hoje, temos mais de 60 mil indígenas fazendo sua formação em ensino superior. Alguém tem de começar isso”, declarou ao jornal Estado de Minas.
Seu reconhecimento como intelectual se deu a partir do livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019), seguido de um artigo lançado primeiro virtualmente – O Amanhã não está à Venda (2020) – e de outros dois livros: A Vida não é Útil (2021) e Futuro Ancestral (2022), que completam a trilogia.
Neles, de forma muito acessível, é apresentado seu pensamento em textos adaptados de palestras, entrevistas e outros escritos, que o tornaram popular e ajudaram a popularizar “cosmogonias indígenas” pelo país e pelo mundo.
Mas seu ativismo vem de longe e tem como destaque sua participação icônica na Assembleia Constituinte de 1987, quando pintou o rosto com jenipapo para dar o seu recado. Na época, ele liderava a União das Nações Indígenas e foi essencial para garantir direitos aos povos indígenas na Constituição Federal (que hoje completa 35 anos!) promulgada no ano seguinte.
Este ano, no mês de março, Krenak tomou posse em outra academia de letras: a mineira. Também foi o primeiro indígena na instituição.
Recebeu 36 dos 39 votos, sendo eleito para ocupar a vaga que foi do escritor e jornalista Eduardo Almeida Reis, até março de 2022, quando faleceu.
Em seu discurso, Krenak contou: “Minha escrita é pela oralidade. Alguém me perguntou certa vez se, agora, eu me dedicaria a sentar para escrever um livro, afinal, as minhas obras são transcrições de palestras. Aí eu respondi: pode ser que eu me dedique a falar um livro, porque é assim que eu escrevo”.
E o líder acumula outros pioneirismos. Em dezembro de 2021, foi escolhido por unanimidade para receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília. Devido à pandemia, a entrega da distinção só aconteceu em maio de 2022, quando declarou:
“Quando alguém consegue dar um salto de qualidade, ele é considerado um gênio. É que o Ocidente adora fazer esse tipo de mistificação. Na verdade, em outras culturas, [gênio] é um ser desperto. O ser desperto, ele é capaz de causar, de promover isso que é chamado de disrupção. Disrupção não é um evento só da técnica, ele é do conhecimento. A gente pode saltar em conhecimento desde que a gente esteja disposto a ser uma experiência cotidiana de uma mente alerta. Nós somos seres que podemos viver em estado permanente de consciência. É exatamente o ser alerta que o Ocidente chama de gênio. Vamos ficar alertas, vamos ser geniais!”.
Mas o primeiro título de Doutor Honoris Causa lhe foi concedido em fevereiro de 2016, pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
“Tenho direito adquirido sobre essa vaga”
Ailton Krenak era considerado favorito à vaga da ABL desde sua inscrição em agosto, mas havia outro indígena no páreo: o escritor e ator Daniel Mundukuru.
Na semana passada, os dois protagonizaram uma briga pública iniciada com a denúncia de Munduruku ao jornal Folha de SP: o escritor acusou Krenak de traição. Disse que os dois haviam combinado que este não se candidataria à ABL para que o escritor pudesse concorrer novamente.
Krenak negou e chamou de “graves” as acusações de Daniel, que se diz pioneiro da literatura indígena no país:
“Sou da literatura há 30 anos, premiadíssimo, inclusive pela própria ABL. Tenho obra vasta, ensino indígenas a escrever. Eu que inventei a literatura indígena, isso não existia, sou pioneiro. Tenho direito adquirido sobre essa vaga e sei que se o Krenak entrar agora, eu não entro nunca mais”, disse à Folha.
No final de 2021, o escritor tentou se eleger para a cadeira número 12, deixada pelo escritor Alfredo Bosi. Mas, apesar do apoio de centenas de intelectuais, recebeu apenas nove votos perdendo para o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, que teve 25.
A terceira candidata mais forte à cadeia nº 5 era a historiadora Mary del Priore, que defendia a continuidade de um historiador para ficar no lugar ocupado por José Murilo de Carvalho, mas de preferência uma mulher. Para ela, sua eleição significaria “valorizar a história”.
Foto: Unicamp/Divulgação