
A Amazônia sempre esteve sob ataque de invasores ávidos por suas riquezas. Madeira, minérios, solo. Desmatadores impiedosos que, na época das queimadas – promovidas tanto por pequenos produtores, sem intenção criminosa, como por fazendeiros e pecuaristas -, desenhavam o cenário de risco que mantinha especialistas em alerta.
Mas, antes, era possível celebrar sua existência e exuberância, como fizemos, em 2016, ao publicar o texto poético de Suzana Camargo (minha amiga e parceira diária na edição do conteúdo do Conexão Planeta) e as imagens de tirar o fôlego dos primeiros fotógrafos que aderiram ao nosso blog Por Trás das Câmeras (nosso site tinha apenas sete meses).
Havia leis e órgãos de fiscalização bem estruturados e presentes que, claro, não conseguiam evitar as invasões, mas intimidavam os criminosos.
Um ano depois, com o governo Temer (que assumiu após o impeachment contra Dilma Roussef), a realidade se transformou bruscamente. Foram várias as ameaças, mas a determinação de liberar a Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados), uma floresta do tamanho do Espírito Santo, localizada na Amazônia, para a exploração de mineral de empresas brasileiras e estrangeiras, uniu os brasileiros. Campanhas nas redes sociais e in loco, em Brasília, conseguiram impedir que a área fosse comprometida por interesses escusos. Celebridades se engajaram.
Por conta desse e de outros movimentos que se tornaram necessários e urgentes, em 5 de setembro desse ano, lembramos da floresta com um aperto no coração. Contei más e boas notícias.
Mas, neste Dia da Amazônia, em 2019, não há o que celebrar. Nunca a Amazônia e seus povos estiveram tão vulneráveis como agora, sem proteção e à mercê de exploradores (de todo nível), legitimados pelo governo Bolsonaro, que ignora o desenvolvimento sustentável e promove a exploração a qualquer custo.
Desde o início de agosto, ela pega fogo, como temos relatado aqui, no site. Os alertas feitos pelo Inpe, um dos órgãos de monitoramento da cobertura florestal mais eficazes do mundo, previam esse cenário. O desmatamento cresce barbaramente. A consequência nefasta foi o aumento dos focos de incêndio que não têm só a ver com queimadas (comuns nesta época do ano),mas são fruto da ação de criminosos, que chegaram a orquestrar o Dia do Fogo em apoio ao presidente.
Assim sendo, hoje não tem poesia, nem a exuberância da natureza amazônica, mas uma seleção de imagens tocantes da floresta em chamas, de autoria dos fotógrafos brasileiros Araquém Alcântara, que registra a região desde os anos 70 e está lá acompanhando os incêndios para inclui-los em seu próximo livro, Victor Moriyama, que sobrevoou a floresta com o Greenpeacee também cobriu os incêndios e a realidade de alguns habitantes, em meio a esse cenário desolador, para reportagens do El País e New York Times, Marizilda Cruppe, que esteve na região amazônica com a Anistia Internacional para documentar os incêndios em terras indígenas e Marcio Pimenta, que fotografou a tragédia para a revista National Geographic Brasil e o jornal El País, e teve uma foto de sua autoria escolhida para ilustrar a capa da revista francesa Society (no destaque deste post).
Para acompanhar suas fotos, eles revelam impressões sobre o que viram na região que costumam visitar com frequência e que pode virar um deserto ou uma savana. Futuro nada promissor.
Testemunho e engajamento
Para Araquém, “a fotografia é o modo mais precioso de testemunho social, de gritar por justiça, de proclamar amor aos enxotados, aos espoliados e aos párias da sociedade”. Assim que os incêndios na Amazônia se alastraram, ele se engajou nas redes – principalmente no Instagram – e começou a publicar imagens da região e também deu seu testemunho. Se surpreendeu com o retorno dos seguidores. “Fiquei surpreso com a atenção, com a indignação das pessoas, com o jeito de falarem da Amazônia. Acho que aí é que ela pode ser salva, com o engajamento de todo mundo, estejam onde estiverem”.

Ele lembra que lá nos confins amazônicos, um dia, um matador lhe confessou: ‘Aqui, seu moço, homem não tem palavra, mulher não tem honra, terra não tem dono e árvore não tem raiz’”. E completa: “Este é o cenário que tem que mudar pra nos transformarmos em brasileiros”.

Araquém está “na estrada” colhendo imagens para seu próximo livro – ainda sem nome – que vai “contar sobre as belezas da maior floresta tropical do mundo, dos 21 milhões de amazônidas que nela vivem e denunciar anos e anos de holocausto”. Serão 40 anos de fotografia da floresta.

Araquém Alcântara, agosto 2019

Araquém Alcântara, agosto 2019
Floresta viva e histórias amazônicas
Victor Moriyama fotografa desde 2013. Estreou na revista National Geographic Brasil e logo se envolveu com comunidades indígenas, conflitos ambientais e desmatamento da floresta amazônica e tornou-se colaborador dos principais veículos internacionais – The NY Times, The Wall Street Journal, Le Monde, National Geographic, The Guardian, El País (no qual é colunista também), Der Spiegel…
“Foi devastador, pra mim, ver a floresta queimando. Imagine aquele mar verde, aquela predominância da floresta e, de repente, é como se ela tivesse sofrido uma facada e, no meio dessa facada, também vemos o deserto, que são as fazendas de gado”, contou.

“O sobrevoo dá uma dimensão mais espacial, mais macro do desmatamento e a gente consegue ter uma dimensão maior do estrago. Por terra, parece que isso fica mais “normal”. O contraste do verde e das áreas queimadas favorece essa percepção. E pude perceber que a maior parte do fogo cerca as pequenas propriedades rurais”. E acrescentou: “Culpa-los é delicado. O Estado não chega até eles, de maneira nenhuma. O desafio está em encontrar soluções para o desenvolvimento sustentável, o equilíbrio entre produção e a floresta preservada, em pé”.

Engajado, Victor criou o projeto colaborativo Histórias Amazônicas, em 2019, para reunir fotógrafos latino-americanos comprometidos com a conservação da floresta, que, por meio de seu trabalho, lutam contra o desmatamento e para manter a floresta viva. Acompanhe no Facebook e no Instagram.

Victor Moriyama para Greenpeace

Victor Moriyama para Greenpeace
“Nosso trabalho é uma militância. E estamos vivendo um momento muito delicado e complicado por causa dessas queimadas que geraram uma crise internacional. Mas, por outro lado, esta é uma grande oportunidade pra sensibilizar as pessoas para que a florestaseja preservada. É o nosso objetivo”.

De floresta à savana?
Desde 2011, Marizilda Cruppe trabalha para organizações humanitárias e ambientais como Greenpeace, Anistia Internacional, Human Rights Watch e Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. “Em 2015 tornei-me nômade e sigo os caminhos da fotografia que me trazem muito frequentemente para a região amazônica”. Há mais de uma década, a fotojornalista viaja à região pelo meio ambiente e pelos direitos humanos.
Em missão para a Anistia Internacional, em agosto fotografou os incêndios em territórios indígenas, na região do Mato Grosso. “Foi a primeira vez que cobri queimadas usando drone”.

“Ver uma única árvore queimada já é sofrido. Ver áreas imensas destruídas pela ganância é triste demais. Neste país há terra para todos, mas a distribuição está errada. A Amazônia não resistirá por muito mais tempo”.

“Os cientistas vêm alertando, há tempos, que a resiliência está muito próxima. Se esta linha for cruzada, a Amazônia entra num processo de transformação em savana, que não terá mais volta. A floresta derrubada para pastos, rios contaminados por mercúrio, monoculturas pulverizadas por venenos proibidos na Europa e nos Estados Unidos… A vida está sendo inviabilizada no Brasil”.
Fogo, sabedoria e união
Marcio Pimenta é fotógrafo e jornalista e colabora com as revistas National Geographic Brasile Rolling Stone, e os jornais The Guardian, The Wall Street Journal e El País. Desde janeiro de 2018 (e até meados de 2020), está envolvido com um projeto autoral lindo sobre a crise climática na América Latina e Caribe, “documentando nossa relação com a natureza, e, claro, a Amazônia – como o Cerrado, o segundo maior bioma da América do Sul – está no meu radar”.
No ano passado, ele documentou os incêndios florestais no Cerrado. “Vi indígenas da etnia Xerente treinados pelo Ibama, combatendo focos de incêndios em parques e reservas naturais. Vi, ali, uma excelente relação de sociedade nos moldes inspirados pelos ideais de Marechal Rondon, pioneiro que, ainda hoje, está anos luz à frente do atual comando militar brasileiro. Então, foi uma experiência gratificante. Bem diferente foi a experiência na Amazônia, onde estive três vezes este ano em diferentes lugares, todos eles capítulos tristes”.

que ilustra edição especial da revista francesa Society sobre os incêndios na Amazônia
“Ao fotografar uma mata fechada sendo devorada por um fogo bem à frente da minha lente, eu sentia a perda da consciência coletiva, da sabedoria que pode estar escondida em plantas e animais que ainda nem conhecemos e naquele instante se tornavam carvão. Foi um sentimento muito similar ao que senti quando fotografei na guerra do Iraque contra os terroristas do autoproclamado Estado Islâmico: quando excedemos o limite da estupidez”, relata Marcio.
Para ele, para preservar a Amazônia só há um caminho possível: a união. “Como a maior parte da floresta está em território brasileiro, nossa nação precisa entender que a Amazônia não pertence ao Brasil, mas à humanidade. Cabe ao Brasil a responsabilidade de cuidar deste precioso bem com a ajuda das demais nações. E essa responsabilidade não é pequena”.
E finaliza: “É importante que a gente lembre sempre que, quando se fala em rezar e agir pela Amazônia, a nossa verdadeira mensagem deveria ser sobre orar e atuar por uma melhor relação com todo o meio ambiente e seus biomas”.
Fotos: Araquém Alcântara, Victor Moriyama, Marizilda Cruppe e Marcio Pimenta