Há cerca de três semanas, estou em viagem pela Amazônia*. Voltei para cá – depois de uma expedição fotográfica pelo Rio Negro entre julho e agosto – para dar continuidade ao meu projeto Ameríndios do Brasil, que idealizei para dar visibilidade aos povos indígenas, registrando e divulgando os costumes e a cultura de todas as etnias brasileiras. E que dá nome a este blog deste outubro de 2015.
Estou na região do Alto Solimões e, em seguida, vou para o Vale do Javari, onde estive em 1991, mais especificamente nas cidades de São Paulo de Olivença, Amantura, Benjamim Constant e Tabatinga.
Naquela época, visitei os Ticuna e também outros povos do Javari. Agora, retorno para reencontrar lugares e pessoas. Quero rever também o menino Matsé, sobre o qual já contei aqui, num post, justamente sobre essa viagem. Hoje, ele está com 32 anos.
A questão, neste momento, é que, ao contrário de todas as viagens que já fiz para conhecer e rever amigos indígenas, não tenho encontrado apenas alegria e celebração pela vida, mas também medo, receio do que está por vir. Os povos indígenas que visitei estão desorientados com a situação da política nacional.
Esta sensação revelada pelos indígenas que tenho encontrado, nada mais é do que o resultado das declarações nefastas do candidato do PSL à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro. Ele já disse (e está tudo gravado, não é fake news), inúmeras vezes, em situações variadas, que, se eleito, “não haverá mais nem um metro quadrado para demarcação de terras indígenas”. E seu vice, o general Mourão, confirmou a declaração acrescentando que as terras ocupadas hoje, por esses povos, poderão ser vendidas.
Tais declarações – claro! – legitimam a violência, os gananciosos mineradores e senhores do agronegócio.
Nunca vivi um cenário como esse em minha andanças por aldeias. O clima sempre foi de alegria, de celebração, de união, de boas histórias e narrativas. Sempre voltei pra casa com muito o que contar sobre cada cultura, sobre sua visão de mundo, com o objetivo de inspirar os brasileiros com sua sabedoria.
Desta vez, volto com tudo isso também, mas também triste com a situação a que os governos têm exposto estes povos originários, os verdadeiros donos desta terra.
Na aldeia indígena Ticuna, no Alto Solimões, por exemplo, participei de uma reunião com cerca de 500 indígenas para confirmar o voto contra esse candidato e esclarecer todos que ainda estavam em dúvida. Eles querem honrar seu voto, por isso, não vão votar nulo, nem em branco, ressaltaram.
As nações indígenas do Amazonas estão contra Bolsonaro. Eles estão acompanhando as pesquisas e sabem que existe um grande risco de esse candidato vencer, mas, como declarou Sinézio Trovão Ticuna (que, nestas eleições, foi candidato a deputado federal, mas não conseguiu se eleger), não vão desistir de lutar por seus direitos.
“São 500 anos lutando contra o opressor e não é uma derrota que vai deixar o povo Ticuna desistir de continuar lutando!”.
Eu particularmente não vejo guerra à vista, porque o que eles querem, acima de qualquer coisa, é que a eleição seja legal e respeitada, querem a legitimidade do voto. E também ter direito à terra, seja qual for o presidente.
Tudo isso me fez lembrar de um querido amigo, Marcos Cólon, brasileiro que vive há mais de 15 anos nos Estados Unidos e integra o Centro de Estudos de História, Cultura e Meio Ambiente do Instituto Nelson de Estudos Ambientais da UW-Madison, onde é professor.
Ele produziu e dirigiu o documentário Beyond Fordlândia: An Environmental Account of Henry Ford’s Adventure in the Amazon (Além de Fordlândia: um relato ambiental da aventura de Henry Ford na Amazônia), resultado de sua tese de doutorado, na qual disserta sobre a representação da Amazônia na literatura brasileira do século XX.
Na semana passada, ele esteve em Portugal para apresentar o documentário e participar de encontro junto com o líder indígena Ailton Krenak. E estará em São Paulo, em breve, em encontros na Unicamp, na USP e na Unibes Cultural. O Conexão Planeta dará notícias a respeito.
Marcos é brasilianista. Me foi apresentado, este ano, em Manaus, por uma amiga querida, a Dra. Marilena Correa, socióloga da UFAM – Universidade Federal do Amazonas. Em 22 de outubro, o site português Público publicou artigo seu – Espectro do fascismo ronda a Amazônia – no qual fala da ameaça do fascismo aos povos indígenas da Amazônia e ao meio ambiente. Já que parte dos brasileiros não ouve, que ouçam os estrangeiros!
É um grande prazer poder disseminar novos olhares e inteligências sobre os povos originais do Brasil e a natureza que tanto amo. O texto de Marcos também está publicado, aqui, no Conexão Planeta. Aproveitem, comentem e espalhem.
*Este texto foi escrito com Mônica Nunes, editora do Conexão Planeta
Foto: Renato Soares (líder indígena de aldeia Yanomami, Amazônia)
Quantos aos indios, acho legal fazer um abaixo assinado Mundial preservando sua vida e seus direitos!