
Diante de tantas notícias sobre a situação atual do planeta, em meio às mudanças climáticas, ficamos curiosas e nos perguntamos: o que será que as crianças estão ouvindo sobre o assunto? O que entendem e como se sentem diante desse cenário?
Relembramos, então, um video lançado na época da Rio 92 – conferência de meio ambienta da ONU, a Organização das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro em 1992 -, em que um casal de pais acorda seus filhos pequenos à noite para passearem de carro por um trajeto cheio de escombros e fumaças, deixando as crianças num trecho do caminho, sozinhas. A imagem é chocante, de abandono cruel.
Algo parecido está ocorrendo agora, uma vez que a sociedade como um todo está abandonando a responsabilidade de cuidar do lugar onde as crianças de hoje estão começando a viver e viverão no futuro.
Apesar de muitas e inumeráveis iniciativas de regeneração, reconstrução, revitalização dos ambientes, o que prevalece ainda são cidades extremamente impermeabilizadas, um número excessivo de carros, ruas nada amigáveis para as crianças, sensação de insegurança nos bairros…
Ansiedade climática
Recentemente, a organização Avaaz divulgou o resultado de uma pesquisa considerada a maior já feita sobre ansiedade climática entre 10 mil crianças e jovens em 10 países. E os resultados são, no mínimo, preocupantes, veja abaixo, mas o estudo continua ativo, portanto, quem quiser ainda pode participar:
- 45% dos jovens entrevistados dizem que a ansiedade climática afeta suas vidas diárias, afetam seus modos de brincar, comer, estudar e dormir;
- 75% afirmam que o “futuro é assustador”; esse número é ainda maior em Portugal (81%) e nas Filipinas (92%);
- 58% afirmaram que os governos estavam traindo as gerações futuras;
- 64% disseram que seus governos não estão fazendo o suficiente para evitar uma catástrofe climática; e
- 39% disseram que não estão certos de que querem ter filhos.

As notícias são realmente assustadoras, fazem parte da realidade contemporânea e, consequentemente, terão forte influência no modo de vida das gerações futuras.
Os resultados do estudo nos levam a retomar a reflexão sobre o sentido de nossa existência e o papel da experiência humana no contexto da vida na Terra.
Mas como encontrar saída onde não tem porta?
Bem, é claro que gestos ousados de vontade política e determinação são necessários e possíveis, mas, dentro de nosso olhar, há algo importante que também deve ser feito e que está bem mais ao nosso alcance.
Esse gesto exige bem mais de nós mesmos, mas está relacionado com o desenvolvimento de autonomia para pensar, em ter coragem de adotar rotinas e modos de vida verdadeiramente significativos para cada um, de respeito às diversidades e de olhar atento aos gestos e aos movimentos do cotidiano.
Um guia para famílias e educadores
Durante tantas reflexões e pesquisas para criação deste texto, descobrimos uma iniciativa muito bacana do governo chileno: um guia para apoiar crianças, famílias e educadores quando o assunto é a complexa questão das mudanças climáticas.
Idealizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação, foi elaborado por uma equipe de psicólogos especializados em infância, especificamente na abordagem clínica e prevenção em saúde mental, o conteúdo se baseia em estudos feitos no Chile e em outros países a cerca desse tema com meninos e meninas de 9 a 10 anos, além de professores.
A intenção é fornecer ferramentas para que pais e professores cuidem da melhor forma das emoções das crianças ao abordar esse tema, a partir de uma perspectiva realista, mas sem transmitir a ideia de um futuro catastrófico.
Assim, os autores apresentam algumas reações frente ao tema e sugerem 10 conselhos que reforçam a importância da escuta, do diálogo e da expressão de seus sentimentos:
- CULTIVE A ESPERANÇA
Conte para as crianças que muitas pessoas estão trabalhando para enfrentar as mudanças climáticas e que trabalhar junto é uma forma importante de resolver problemas e gerar transformações. - AJUDE A TRADUZIR SUAS EMOÇÕES EM PALAVRAS
Observe e escute as crianças. Tente entender as emoções que elas expressam com suas atitudes e gestos. Ofereça recursos para que as crianças aprendam a identificar o que estão sentindo. - VALIDE AS EMOÇÕES
Explique às crianças que todos nós sentimos diversas emoções frente às mudanças climáticas e que todas são importantes. Acompanhe os sentimentos declarados, sem críticas ou julgamentos. - FAVOREÇA A EXPRESSÃO DE IDEIAS
Escute atentamente quando as crianças compartilham suas ideias. Esta é uma maneira importante de fomentar o pensamento crítico e criar ações sobre o tema. - RESPONDA ÀS PERGUNTAS DE MANEIRA HONESTA E CLARA
Escute os comentários e tire as dúvidas. Detalhe de forma simples o que são mudanças climáticas. - EVITE IMAGENS E MENSAGENS CATASTRÓFICAS
Não exponha as crianças a conteúdos alarmantes exibidos por diferentes meios de comunicação. Tente mostrar uma visão otimista frente a uma informação preocupante, mostrando possíveis soluções. - VALORIZE OS ESFORÇOS DAS CRIANÇAS PARA CUIDAR DO MEIO AMBIENTE
Reconheça, por meio de gestos e palavras, suas tentativas em fazer algo positivo pelo meio ambiente e explique como suas habilidades podem ser usadas para ajudar nesta tarefa. - PROMOVA A AÇÃO CLIMÁTICA
Incentive e explique que ações podem ser feitas para ajudar o meio ambiente diariamente, para favorecer uma adaptação às mudanças climáticas através de ações concretas. - AJUDE A ENCONTRAR UM SENTIDO PARA A AÇÃO CLIMÁTICA
Destaque todas as ações que as crianças realizam para proteger a natureza mostrando e dando um significado positivo a elas. Ajude a conectar as ações às motivações e a identificar seu impacto na natureza. - PROMOVA A RELAÇÃO ENTRE AS CRIANÇAS E NATUREZA
Crie oportunidades para que as crianças possam explorar e aprender com a natureza. A relação com a natureza ajuda a reduzir o stress, aumenta a sensação de felicidade e nos motiva a cuidar do planeta.
Muitas questões...
Ressaltamos também a importância de dar sentido às nossas ações, refletir sobre o impacto individual e coletivo no planeta. Muitas vezes é dito às crianças: “Feche a torneira!”, “Separe o lixo!”. Para além de realizar essas ações cotidianamente, refletir sobre o porquê realizá-las é tão necessário quanto.
Outra coisa: brincar com a natureza aparece como último conselho, mas, por aqui, ele sempre será muito valoroso! Acreditamos na potência desta relação para aproximar vínculos e gerar muitas boas ações permeadas pelo cuidado.
Como pode ser revolucionário deixar nossos bebês, crianças e jovens livres para se desenvolverem de acordo com seu potencial e assumirem as responsabilidades dentro do contexto de sua maturidade?
como pode ser revolucionário olharmos para eles com leveza e apreciação e lidarmos com a ansiedade provocada por obrigações idealizadas para que se moldem aos ditames da sociedade?
E se dermos oportunidades para que elas imaginem mundos muito diferentes deste que lhes oferecemos? E se os encorajarmos a viver as soluções que imaginam?
E se educarmos as crianças para que se desenvolvam de forma genuína, cuidando para que suas singularidades e potencialidades encontrem espaço de expressão e apreciação desde pequenos? Não estaria mais em nossas mãos esses gestos de transformação da sociedade?
Daquilo que você faz, o que diz verdadeiramente sobre você?
O quanto você consegue identificar de comportamentos aprendidos de forma mecânica e que segue fazendo mas que não fazem sentido? Somos capazes de refletir suficientemente para encontrar nosso ser essencial e sabermos criar esse campo livre na educação de nossos filhos e alunos?
Quem pode nos ensinar a encontrar nossa alma? Quem pode nos dizer quem somos?
Ah, vocês já sabem a resposta: aqueles que estão na Terra antes de nós, que nos observam generosamente e que estão incessantemente nos enviando mensagens que não sabemos ler. Na verdade, não queremos ler. Aprendemos essa leitura se nos detivermos, com calma, à observação atenta dos movimentos vivos de todos os seres que nos cercam. Observar profundamente a ponto de perceber e sentir o movimento da vida pulsando em cada ser, nos organismos vivos.
Mas agora esse organismo maior, o planeta como um todo, também está nos enviando mensagens bem claras.
Que leituras estamos sendo capazes de fazer do uivo dos ventos, da floração das árvores, das variações climáticas diárias, da forma das nuvens, das texturas e temperaturas do mundo que nos cerca? Do sabor dos alimentos e dos cantos dos pássaros?
São leituras que não temos aprendido na escola, infelizmente. Ou ainda. Mas que são leituras que somos capazes de fazer, nascemos sabendo, mas, para nos conformarmos ao nosso sistema social, acabamos bloqueando essas capacidades.
Agora que queremos saber como construir uma sociedade saudável, coerente, empática, podemos buscar essa nossa capacidade de escuta profunda, para ouvir o que os seres mais que humanos estão nos dizendo, assim como os que estão se tornando humanos, as nossas crianças e jovens.
Quanto mais humanos, mais capazes de ouvir os sinais da integralidade do mundo que se metamorfoseia desde sempre, sem cessar, e de cuja dinâmica nunca deixamos de pertencer.
É hora de deixarmos de fingir que não temos nada a ver com essa dinâmica viva e assumirmos nosso posicionamento de pessoas terrestres em vias de se tornarem plenamente humanas.
Foto (destaque): Erika Giraud/Unsplash
OUTRAS OPCOES DE TITULO:
– Ideias e reflexões para neutralizar a ansiedade das crianças no contexto das mudanças climáticas (muito longo!)
– 10 ideias para neutralizar a ansiedade das crianças no contexto das mudanças climáticas
– Como lidar com as crianças no contexto das mudanças climáticas?
– 10 ideias para lidar com as crianças no contexto das mudanças climáticas