
Por Oswaldo Braga de Souza*
Sob pressão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), de ruralistas e bolsonaristas, o plenário da Casa aprovou, na noite de ontem (21), por 54 votos a 13, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que implode o sistema de licenciamento ambiental no país.
Agora, a proposta volta ao plenário da Câmara, onde os deputados terão a palavra final sobre o assunto, mas decidindo apenas se as alterações feitas pelos senadores permanecem ou não.
Apenas o PT orientou voto contrário. O PDT, o PSB e outros partidos da base governista liberaram suas bancadas. Todos os demais partidos orientaram favoravelmente (veja como votou cada senador).
Se for convertido em lei, o PL será o maior retrocesso ambiental desde a Constituição, na avaliação de ambientalistas e especialistas. O texto prevê a isenção de licenças para alguns empreendimentos e setores econômicos, como a agropecuária; confere a estados e municípios o poder de conceder mais dispensas; e generaliza a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle de órgão ambiental.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem decisões contra esses dispositivos, mas isso foi ignorado pela maioria dos senadores. Há risco, portanto, de uma eventual nova lei ser questionada na Corte.
O parecer aprovado agora é fruto do consenso entre os relatores na Comissão de Meio Ambiente, Confúcio Moura (MDB-RO), e na Comissão de Agricultura (CRA) e no plenário do Senado, Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra de Agricultura do governo de Jair Bolsonaro.
O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a costurar um acordo para adiar a análise do PL, prevista para o início do mês. Wagner e Fabiano Contarato (PT-ES), presidente da CMA, chamaram a atenção para as inconstitucionalidades do projeto. Ambos votaram contra. Nesta semana, no entanto, não se mexeram para evitar ou postergar a votação em plenário.
‘Licenciamento express’
Davi Alcolumbre empenhou-se pessoalmente na aprovação do projeto nos últimos meses. Ele e o Planalto também pressionavam a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede-SP), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pela liberação da exploração de petróleo pela Petrobrás na Foz do Amazonas.
A medida beneficiará o Amapá, estado do parlamentar. Coincidentemente, na segunda-feira (19) o Ibama autorizou o prosseguimento dos procedimentos para que a atividade possa acontecer.
De última hora, o presidente do Senado ainda emplacou emenda que abre caminho para simplificar e acelerar o licenciamento para a mineração, a exploração de petróleo e gás, atividades de alto impacto ambiental.
Acatada por Tereza Cristina, a proposta cria uma Licença Ambiental Especial (LAE) para “atividades ou empreendimento estratégicos”, assim definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa “seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente“.
A redação diz que o rol dessas atividades será estabelecido por decreto posterior. Com a medida, qualquer órgão licenciador poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas apenas por si próprio.
“Esse novo modelo será vulnerável a pressões políticas e pode ter impactos negativos significativos, inclusive em relação às obras previstas no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC)”, alerta Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
“[O PL] representa a desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país. Além disso, afronta diretamente a Constituição”, afirmou o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em nota.
“A proposta terá impacto negativo para a gestão socioambiental, além de provocar, possivelmente, altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e oneroso”, segue o texto.
“Liderado por David Alcolumbre, o Senado cravou nesta quarta-feira a implosão do licenciamento ambiental no país”, reforça Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima (OC).
“Contribuíram para o resultado da votação a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que defendem o meio ambiente só no discurso e a lentidão e fraqueza do governo federal em suas reações no Legislativo”, avalia.
Discurso ruralista
Davi Alcolumbre defendeu o projeto de forma taxativa. “Fico profundamente satisfeito com a aprovação de uma legislação moderna, mais clara e mais justa para os processos de licenciamento ambiental”, afirmou.
Ele sintetizou o discurso ruralista de ataque aos ambientalistas, de que o projeto vai desburocratizar as licenças, destravar investimentos e obras. “Muitos preferem ver o Brasil paralisado, com mais de 5 mil obras travadas, refém da burocracia e de posições ideológicas que não enxergam a realidade de quem precisa de pontes, de estradas, de energia, de infraestrutura para viver com o mínimo de dignidade”, completou.

Tereza Cristina (PP-MS) e Davi Alcolumbre (União-AP)
Foto: Andressa Anholete / Agência Senado
Como os demais defensores do PL, Alcolumbre não apresentou uma fonte para o dado de 5 mil obras paradas por causa do licenciamento no país.
“A proposta não enfraquece o licenciamento ambiental, muito pelo contrário”, alegou Tereza Cristina. Ela voltou a negar que a aprovação de seu parecer vai provocar desmatamento.
Análise publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA) nesta semana, no entanto, mostra que a aprovação do projeto coloca em risco mais de 3 mil áreas protegidas, como Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, e pode significar o desmatamento de uma extensão do tamanho do Paraná.
“Precisamos de um texto, claro, que desburocratize, que dê segurança ao empreendedor, mas que não abandone os princípios fundamentais da proteção ambiental e da justiça socioambiental no nosso país”, contrapôs a senadora Leila Barros (PDT-DF).
“A questão do meio ambiente, muitas vezes, dentro desta Casa, é tratada como um preconceito, como algo que não é tratado com a devida responsabilidade”, criticou ela.
Tereza Cristina insistiu que o STF rejeitou leis estaduais que estabeleceram a LAC para empreendimentos e atividades econômicas com médio porte e potencial poluidor (e não apenas para os de pequeno porte e potencial) pela ausência de uma legislação nacional sobre o assunto.
“O que o STF definiu é que não é cabível licenciamento simplificado e autolicenciamento para empreendimentos e atividades de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental, por observância do princípio da prevenção e ao dever de proteção ambiental”, rebate Alice Correia.
“Isso significa que não é possível que empreendimentos que causem esse grau de dano ambiental possam ter seu licenciamento feito sem a devida avaliação dos órgãos ambientais competentes. A decisão independe, portanto, do ente federado que legisla”, acrescenta a especialista.
Mata Atlântica
Na votação da CMA, um dia antes, Moura também acatou de última hora uma emenda do senador Jayme Campos (União-MT) que abre caminho para o corte de vegetação na Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do país. A proposta acaba com a necessidade de autorização para o desmatamento em alguns casos.
“O projeto retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 12% restantes da cobertura original da Mata Atlântica”, adverte Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
“Essas são justamente as matas maduras responsáveis por serviços ambientais essenciais para segurança hídrica, climática, para saúde e bem estar da sociedade, impactando a vida de mais de 70% da população brasileira que vive e depende do bioma Mata Atlântica”, continua. Ribeiro considera que a emenda é um “jabuti”, ou seja, um dispositivo inserido numa proposta legislativa que não tem relação com seu tema principal.
Quais os principais pontos do novo relatório do PL do Licenciamento e suas consequências?
Licença especial
A proposta estabelece um rito simplificado para “atividades ou empreendimento estratégicos” definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa “seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”. O texto diz que o rol dessas atividades será definido por decreto posterior. Com a medida, qualquer autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela própria.
Autolicenciamento
A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que a autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas também para os de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental.
Dispensa de licenças
A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Estados e municípios
A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
Áreas protegidas
Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam consideradas para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não seriam levadas em consideração para impactos de licenciamento, pois não contam com seus territórios titulados. Cerca de 40% dos territórios indígenas podem ser afetados.
Condicionantes
O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
Renovação automática
O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
Bancos
O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.
* Texto originalmente publicado no site do Instituto Socioambiental (ISA) em 22/5/2025
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Foto: Andressa Anholete / Agência Senado