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Mais de US$ 2 trilhões gastos com armas ‘poderiam ter sido investidos no combate à fome e às mudanças climáticas”, diz Lula na COP28

Como era de se esperar, o presidente Lula fez um discurso contundente na COP28 – Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU, que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes. No entanto, foi impossível não identificar algumas incongruências como no tema dos combustíveis fósseis, o “calcanhar de Aquiles” do Brasil e desta COP.

Após citar a ativista queniana Wangari Maathai, primeira mulher negra a receber o prêmio Nobel da Paz (2004) – “A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço” –, declarou que sem cooperação será difícil combater a crise climática. 

“O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos”, de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas, do auxílio financeiro aos países pobres que não chega [ontem, primeiro dia de COP, foi aprovado fundo climático de perdas e danos, como contamos aqui], de discursos eloquentes e vazios. Precisamos de atitudes concretas!”. 

E ainda destacou que “os governos não podem fugir às suas responsabilidades”, que “nenhum país resolverá seus problemas sozinho” e que “todos somos obrigados a agir em conjunto para além das nossas fronteiras”.

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Se comprometeu dizendo que “o Brasil está disposto a liderar pelo exemplo. “Ajustamos nossas metas climáticas, que são agora mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos. Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030”.

Citando as previsões do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, lembrou que “2023 já é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos”. E que “a humanidade sofre com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais extremas e frequentes”.

E citou o Brasil: “No Norte, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história; no Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte”. E arrematou: “A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes”.

Destacou um dos principais temas que pautam seu governo, dizendo que ‘não é possível enfrentar as mudanças climáticas sem combater a desigualdade’, e acrescentou: “A conta da mudança climática não é a mesma para todos, e chegou primeiro para as populações mais pobres”.

“Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?” questionou. Para responder, rechaçou as potências mundiais: gastaram mais de US$ 2 trilhões em armas este ano! Mas esse montante poderia ter sido investido “no combate à fome e no enfrentamento à mudança climática”.

E foi além: “O não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime. É preciso resgatar a crença no multilateralismo”. Indignado com a fragilidade da organização internacional que realiza a COP28, se indignou: 

“É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto ou os Acordos de Paris não sejam implementados”. 

E declarou de forma veemente que “é hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”. 

O assunto foi comentado por António Guterres, secretário-geral da ONU, na abertura da conferência.Ele declarou que não será possível salvar o planeta das altas temperaturas “com uma mangueira de incêndio de combustíveis fósseis”. E completou: “Só será possível parar (as altas temperaturas) se pararmos de queimar todos os combustíveis fósseis. Não reduzirmos. Não diminuirmos”.

E aqui está a questão mais complicada desta conferência climática.

Ambientalistas até admitem um plano de redução gradual do uso dessa fonte de energia suja. Mas é bom lembrar que, em 2021, a Agência Internacional de Energia reconheceu que o uso do petróleo deve entrar em queda a partir de 2050 e, diante dessa perspectiva, nenhum novo projeto de extração de combustíveis fósseis deveria ser aprovado.

No entanto, o governo brasileiro ainda se mostra interessado em explorar novas áreas, como a da bacia da Foz do Amazonas. Mesmo após a negativa do Ibama, apoiada pela ministra Marina Silva, ao licenciamento da Petrobras para atuar nessa região, em agosto deste ano Lula chegou a dizer, em coletiva de imprensa: “vocês podem continuar sonhando” . 

Ontem, 30/11, no Catar – onde fechou acordos comerciais -, o presidente declarou que estes envolvem petróleo. No mesmo dia, a OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados) confirmou a entrada do Brasil no grupo. O convite foi feito ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. 

Os líderes da OPEP+ defendem o uso de combustíveis fósseis, claro, mas admitem que isso seja feito em menor escala. De todo modo, a adesão do Brasil ao grupo não é uma boa notícia para um país que pretendo ser exemplo para o mundo na crise climática.   

Não combina com um líder que diz que a transição para uma economia de baixo carbono deve ser feita “de forma urgente e justa”.

De olho na conferência do clima que será realizada em Belém, em 2025, antes de terminar seu discurso, Lula convidou os líderes presentes a trabalharem “de forma construtiva, com todos os países, para pavimentar o caminho entre esta COP28 à COP30, que sediaremos no coração da Amazônia”.  

E finalizou citando o Papa Francisco: “Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade. Todos almejamos tornar o mundo capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma minoria privilegiada. E, como nos convida o Papa Francisco na Encíclica “Todos Irmãos” precisamos conviver na fraternidade”. 

O discurso de Lula, na íntegra

Foto: Ricardo Stuckert/PR

“Uma mulher africana, a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz, sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza. Disse ela: “A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço”.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alertou que temos somente até o final desta década para evitar que a temperatura global ultrapasse um grau e meio acima dos níveis pré-industriais. 

2023 já é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos. A humanidade sofre com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais extremas e frequentes. 

No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte. 

A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração.

O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas.  Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega (foi definido ontem). De discursos eloquentes e vazios.  

Precisamos de atitudes concretas!

Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta? 

Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática.

Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo criançaz e mulheres famintas? 

A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres.

O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial.

Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias. 

A injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem. O mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça.

Não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades.

Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente torna-se incapaz de pensar no amanhã. Reduzir vulnerabilidades socioeconômicas significa construir resiliência frente a eventos extremos. 

Significa também ter condições de redirecionar esforços para a luta contra o aquecimento global. 

Em 2009, quando participei da COP15, em Copenhague, a arquitetura da Convenção do Clima estava à beira do colapso. 

As negociações fracassaram e foi preciso um grande esforço para recuperar a confiança e chegar ao Acordo de Paris, em 2015. 

Ao retornar à presidência do Brasil, constato que estamos, hoje, em situação semelhante. 

O não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime. 

É preciso resgatar a crença no multilateralismo. 

É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra.

É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados. Governantes não podem se eximir de suas responsabilidades.

Nenhum país resolverá seus problemas sozinho. Estamos todos obrigados a atuar juntos além de nossas fronteiras.

O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos. Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030.

Formulamos um plano de transformação ecológica, para promover a industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia. 

Forjamos uma visão comum com os países amazônicos e criamos pontes com outros países detentores de florestas tropicais. O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis. 

É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. 

Temos de fazê-lo de forma urgente e justa. 

Vamos trabalhar de forma construtiva, com todos os países, para pavimentar o caminho entre esta COP 28 e a COP30, que sediaremos no coração da Amazônia. 

Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade. 

Todos almejamos tornar o mundo capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma minoria privilegiada. 

Como nos convida o Papa Francisco na Encíclica “Todos Irmãos”, precisamos conviver na fraternidade”.

Foto (destaque): Ricardo Stuckert/PR

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