Com cerca de 1 metro de comprimento, da ponta do bico até a ponta da cauda, as araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus) são a maior espécie no mundo da família Psittacidae. Mas ao longo dos últimos 30 anos, estudos de campo e análises de filhotes em ninhos da ave no Pantanal e no Cerrado confirmaram a existência de alguns indivíduos anões.
Em artigo científico* publicado no final do ano passado na revista Nature, que tem como autora principal a bióloga Neiva Guedes, fundadora e presidente do Instituto Arara Azul e pesquisadora da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), os cientistas brasileiros revelam os resultados obtidos com o levantamento feito sobre o modo de reprodução, comportamento e crescimento da espécie. O acompanhamento foi realizado com aproximadamente 400 filhotes de Anodorhynchus hyacinthinus, em 473 ninhos naturais e 415 artificiais.
Entre os principais achados está a ocorrência das araras anãs, que são até 70% menores do que as demais aves que apresentam o tamanho considerado como média para a espécie. Foram analisadas três medições biométricas: massa corporal, comprimento total e comprimento da cauda.
“Fizemos um estudo de longo prazo e, só por isso, conseguimos identificar que, na natureza, de vez em quando nascem algumas araras anãs. Embora sejam menores, elas conseguem ter uma vida normal, ou seja, nascem, crescem e se reproduzem”, explica Neiva.
O estudo demonstrou que as alterações de tamanho acontecem em sua maioria da primeira e segunda ninhadas, tanto em machos como em fêmeas. Ao longo de 30 anos, 31 araras anãs foram encontradas pelos cientistas.
Os especialistas destacam que as aves anãs permanecem pequenas em tamanho mesmo depois de emplumadas e são facilmente identificadas como adultas.
Todavia, não se sabe exatamente porque esses indivíduos são menores. Entre as suspeitas estão que seu desenvolvimento pode ser afetado pelo desmatamento da região onde vivem, a incidência de incêndios florestais no Pantanal ou o impacto das mudanças climáticas.
Os pesquisadores descrevem que alguns desses componentes impactam o crescimento e a abundância da palmeira acuri (Scheelea phalerata), uma das principais fontes de alimento da arara-azul, que come os frutos da árvore.
“A arara-azul é uma espécie dependente dos pais e permanece no ninho por aproximadamente três meses e meio. Nesse período, inúmeros fatores podem influenciar no crescimento, incluindo parâmetros ambientais (por exemplo, temperatura e precipitação), qualidade e disponibilidade de alimentos, diferenças entre os sexos, efeitos na taxa de eclosão, tamanho da ninhada, doenças e infestações por ectoparasitas. Como resultado, esses fatores geram variações intraespecíficas que podem levar a diferenças significativas na taxa de crescimento, que por sua vez, podem favorecer processos adaptativos, como diminuição da competição entre filhotes da mesma ninhada, ou negativos, como redução da fertilidade”, discutem os cientistas.
Araras-azuis se alimentando do fruto da palmeira acuri
(Foto: reprodução Facebook Instituto Arara Azul)
Arara-azul: na lista de extinção novamente
No final da década de 80, a população de araras-azuis era estimada em 1,5 mil indivíduos e a espécie estava ameaçada de extinção. Graças principalmente ao trabalho do Instituto Arara Azul, o número dessas aves chegou a 6,5 mil.
Infelizmente, no ano passado, elas voltaram à lista de espécies ameaçadas do Brasil, menos de uma década após serem retiradas. Especialistas em conservação atribuem a queda na população à perda de habitat devido aos incêndios no Pantanal e ao desmatamento contínuo na Amazônia e no Cerrado.
Das 86 espécies de araras brasileiras conhecidas, 17 estão ameaçadas em nível nacional, duas estão extintas e 25 estão ameaçadas em nível global.
Filhote de arara-azul em seu primeiro voo
(Foto: Bruno Carvalho/ divulgação Instituto Arara Azul)
*Além de Neiva Guedes, o estudo também foi desenvolvido pelos pesquisadores Maria Cecília Barbosa Toledo, Fernanda Mussi Fontoura, Grace Ferreira da Silva e Reginaldo José Donatelli. A pesquisa teve apoio da Fundação Toyota, Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, WWF, Zoo Zurich-WCS e Parrots International.
Leia também:
Biólogos conseguem registrar o momento único do primeiro voo de um filhote de arara-azul
A arara-azul e seu papel-chave na dispersão de sementes de 18 espécies de plantas no Brasil
Brasil é o segundo país com mais espécies de aves ameaçadas no mundo, revela novo e alarmante relatório global
Bióloga Neiva Guedes, a guardiã das araras-azuis, ganha homenagem da Turma da Mônica
Em artigo internacional, pesquisadoras brasileiras alertam sobre morte de araras-azuis envenenadas com pesticidas
Foto de abertura: Lucas Rocha/divulgação Instituto Arara Azul