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“Fomos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Pagaremos agora pelo seu impacto?”, questiona Mia Mottley

“Fomos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Pagaremos agora pelo seu impacto?", questiona Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados

Durante séculos as chamadas grandes economias mundiais usaram e abusaram dos recursos naturais do planeta para promoverem seu desenvolvimento. Trabalho escravo, minérios, madeira e outros bens vindos de terras distantes foram o que impulsionaram o crescimento dos até então “grandes impérios”. Muitos anos mais tarde, a ciência nos mostra que essa exploração sem freios deixou um impacto na Terra: as emissões de gases de efeito estufa provenientes das atividades humanas têm elevado a temperatura global a níveis sem precedentes e aumentado a frequência e a intensidade dos extremos climáticos, como enchentes, furacões, secas e incêndios florestais.

A ironia é que são exatamente as nações que foram exploradas e só agora começam a trilhar um possível caminho rumo a um crescimento econômico mais sustentável é que se tornaram as mais vulneráveis às mudanças climáticas.

“Fomos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Devemos agora enfrentar um risco duplo por ter que pagar o custo como resultado desses gases de efeito estufa da revolução industrial?”, questionou Mia Mottley, primeira-ministra da ilha caribenha de Barbados, em seu discurso na segunda-feira (07/11), na Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas (COP27), em Sharm el-Sheikh, no Egito.

Mottley ressaltou a responsabilidade de líderes do Hemisfério Norte em agir, todavia, segundo ela, falta vontade política para tal. Ela mencionou uma “inércia”, assim como se viu no passado imperialista.

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“Estamos no país que construiu pirâmides, sabemos o que é acabar com a escravidão da nossa civilização, sabemos o que é poder encontrar uma vacina dentro de dois anos quando uma pandemia nos atinge, sabemos o que é colocar um homem na lua e agora colocamos o Rover em Marte”, disse ela. “Sabemos o que é, mas a simples vontade política necessária não apenas para vir aqui e fazer promessas, mas para cumpri-las e fazer uma diferença real na vida das pessoas que temos a responsabilidade de servir, parece ainda não existir”.

A primeira-ministra relembrou catástrofes ocorridas nos últimos meses, todas associadas com a crise climática, como as enchentes que mataram milhares de pessoas no Paquistão, o furacão que devastou uma cidade costeira da Flórida, o verão com temperaturas recordes na Europa e tempestades que destruíram recentemente ilhas vizinhas do Caribe.

“Precisamos ter uma abordagem diferente, para permitir doações de reconstrução financiadas pelos países mais ricos para aqueles que sofrem com desastres naturais. A menos que isso aconteça, veremos um aumento de refugiados climáticos”, alertou. “Sabemos que até 2050, os 21 milhões de refugiados climáticos do mundo hoje se tornarão 1 bilhão”.

Mottley citou ainda a responsabilidade de corporações do setor privado em contribuírem com a situação atual, sobretudo aquelas que possuem impacto direto nas emissões de carbono.

“As empresas de petróleo e gás, e aquelas que as facilitam, precisam ser convocadas para uma convocação especial entre agora e a COP28. Como essas companhias ganham US$ 200 bilhões em lucros nos últimos três meses e não esperam contribuir com pelo menos 10 centavos de cada dólar de lucro para um fundo de perdas e danos? Isso é o que nosso povo espera”, disse.

Já há algum tempo Mottley tem chamado a atenção global por sua fala contundente. Apesar de representar um pequeno país, com uma população que beira 300 mil pessoas, a nação que se tornou independente do Reino Unido há 55 anos, também anunciou que quer cortar totalmente os laços de submissão à coroa britânica e instaurar um sistema republicano de governo.

Barbados foi uma das primeiras colônias inglesas no Caribe, que mantinha ali plantações de cana-de-açúcar, cultivadas por escravos trazidos da África.

Muito tem se criticado que uma mulher nunca foi indicada como secretária-geral das Nações Unidas, cargo ocupado atualmente pelo português António Guterres. Há especulações que alguns nomes têm sido considerados para o próximo mandato e entre eles está o de Mia Mottley.

Abaixo o discurso completo de Mottley na COP27:

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Foto de abertura: Flickr UN Climate Change/Creative Commons

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