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Na ONU, organizações denunciam medidas do governo e do Congresso Nacional que ameaçam os povos indígenas

Na ONU, organizações denunciam medidas do governo e do Congresso Nacional, que ameaçam os povos indígenas

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) se uniram para denunciar o governo brasileiro e o Congresso Nacional por ataques aos direitos dos povos indígenas no Brasil.

E, assim, ontem, 14/7, fizeram uma declaração conjunta durante a 14ª sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas da ONU (EMRIP), que, devido à pandemia, foi realizada em formato virtual.

Um exemplo desses ataques é o Projeto de Lei (PL) 490/2007, o maldito PL 490, ressuscitado por parlamentares comprometidos com interesses econômicos e aprovado em 23/6, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputadosdepois de alguns adiamentos a pedido da oposição, que reivindica sua exclusão da pauta.

Isso aconteceu no mês passado, quando Brasília cerca de 1.200 indígenas de todas as regiões do país ocuparam um terreno próximo ao Teatro Nacional, com seu Acampamento Levante da Terra (falamos dele, aqui no site: no início do encontro, em 8 de junho, eram 700 indígenas).

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Na prática e em resumo, o PL 490 inviabiliza demarcações de terras indígenas e promove a tese do marco temporal, que reconhece apenas as terras ocupadas por esses povos a partir da data da promulgação da Constituição, sem levar em conta que muitos foram expulsos de seus territórios. Uma grande injustiça, portanto.

Autodeterminação e direitos

O encontro na ONU teve por objetivo ouvir os povos indígenas e suas organizações a cerca da autodeterminação desses povos e o direito das crianças indígenas. O EMRIP é um mecanismo único: todos os seus membros são indígenas.

“É um mecanismo muito importante para a comunidade indígena mundial, liderado pelos povos indígenas”, explica Paulo Lugon Arantes, assessor internacional do Cimi.

Na ONU, as duas organizações também questionaram a postura do governo brasileiro ao defender uma normativa imposta pelo governo brasileiro e amplamente questionada por organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e, até, pelo Ministério Público Federal (MPF) por enfraquecer os direitos constitucionais indígenas.

Trata-se da Instrução Normativa Conjunta nº 1, de 22/2/2021, sobre a qual comento mais adiante.

No tempo estipulado à Apib e ao Cimi, Arantes falou em nome das organizações, destacando “a gravidade do marco temporal e dos mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro que violam o direito à livre determinação dos povos originários“, como contou o Cimi em seu site.

Entre esses projetos, o PL 490 foi classificado como uma das principais ameaças aos direitos indígenas hoje.

“O marco temporal é desastroso porque deixará uma marca incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais”, destacou o assessor Internacional do Cimi.

As organizações também denunciaram a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro, levando a Conselheira Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, Wairimu Nderitu, a manifestar grande e inédita preocupação com a situação povos indígenas em nosso país, como destacou Arantes:

“O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo”.

“Na região das Américas, estou particularmente preocupada com a situação dos povos indígenas. No Brasil, Equador e outros países, eu peço aos governos para proteger comunidades em risco e garantir justiça para crimes cometidos”, alertou Nderitu no início de julho.

O que declarou o governo

Na sua vez de se pronunciar, o governo brasileiro defendeu a Instrução Normativa Conjunta 01/2021, publicada em fevereiro pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

O representante do Itamaraty declarou que a normativa garante, aos povos indígenas, “autonomia para definir seus próprios procedimentos em relação ao licenciamento ambiental de projetos econômicos dentro de suas terras, quando o empreendedor é uma organização indígena, dentro dos limites da legislação nacional”.

Disse mais: “Povos indígenas podem escolher desenvolver atividades geradoras de lucro em suas terras. Tais iniciativas de fortalecimento econômico contam com total apoio do governo federal”, destacando, ainda, “a produção sustentável de grãos”, que é realizada apenas em três terras indígenas no Centro Oeste do país – cooptadas pela cegueira do desenvolvimento econômico -, que seguem o modelo produtivo do agronegócio, com monocultivos, uso de sementes transgênicas e agrotóxicos.

O representante do Brasil, no entanto, ignorou o fato de que milhares de comunidades e famílias indígenas produzem os mais variados alimentos de forma autônoma, orgânica e coletiva. E que não precisam de autorização para explorar seus territórios porque isso já é garantido pela Constituição. Como outro detalhe: sabem lidar com a terra, de forma a não devastá-la.

Por isso, Arantes – em nome da Apib e do Cimi – questionou a posição defendida pelo governo brasileiro:

“Rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do Ibama e da Funai é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil”, introduziu.

“Essa regulamentação não flexibiliza, mas enfraquece o licenciamento ambiental no Brasil. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia. Essa normativa cria um procedimento de licença ambiental que nega o Consentimento Livre Prévio e Informado aos povos indígenas do Brasil”.

De acordo com o site do Cimi, a IN 01/2021 permite que ‘organizações mistas’ de indígenas e não indígenas possam explorar economicamente as terras tradicionais, o que é vedado pela Constituição Federal. A participação de indígenas nestas organizações – que não necessariamente são representativas do povo ou da comunidade que vive naquele território – é utilizada pelo governo federal para justificar a medida.

Violação da Constituição Federal

No artigo A nova Instrução Normativa do genocídio e da destruição das florestas, Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul, alerta: “Basta que garimpeiros, madeireiros e fazendeiros aliciem alguns indígenas, convencendo-os a criar uma associação mista e, a partir de então, não haverá nenhum tipo de contenção ou limite”.

Quando a IN 01/2021 foi publicada no Diário Oficial, a organização divulgou nota, na qual destacou mais uma questão perigosa para esses povos: “Esse mecanismo levará ao acirramento de conflitos, colocando a vida dos indígenas em sério risco”.

Para a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), essa instrução normativa “dá amparo legal para a invasão, nesses territórios, de estradas, fazendas, hidrelétricas, monoculturas e outros projetos que colocam em extremo risco os recursos naturais, a biodiversidade, a segurança e os modos de vida próprios dos povos indígenas”.

O MPF sentencia que a normativa conjunta da Funai e do Ibama viola a Constituição Federal e afronta os direitos constitucionais dos povos originários.

Ao final de sua fala, a Apib e o Cimi solicitaram que, “em seu trabalho de assessoria ao Estado brasileiro, o mecanismo de peritos da ONU leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe”.

Direito de resposta’ negado

No final da declaração das duas organizações, por Arantes, o representante do governo brasileiro pediu direito de resposta (ou tréplica) devido ao fato de o país ter sido citado. Mas o pedido foi negado pela secretaria do EMRIP porque não existe direito de resposta frente ao mecanismo.

“Os integrantes do EMRIP são os únicos membros do mecanismo e todos os demais são observadores”, explicou. O governo brasileiro retrucou: “Essa prática não encoraja a participação de Estados-membros nas sessões do mecanismo e é autoritária”.

Não contente, o representante do Itamaraty tentou rebater os argumentos da Apib e do Cimi por meio de mensagens de texto.

Arantes explica: “Estados nacionais, ONGs, todos os demais são observadores, por isso não existe direito de resposta. O Brasil foi a única delegação que fez essa reivindicação. Outras delegações de países que participavam do espaço receberam críticas, mas deixaram os povos indígenas falar”.

A seguir, leia a íntegra da declaração conjunta da Apib e do Cimi, na ONU.

Declaração conjunta

14ª Sessão do Mecanismo de Peritos sobre Direitos dos Povos Indígenas
Consulta Regional, 14 de julho de 2021

Declaração Conjunta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Agradecemos ao Mecanismo pelo estudo sobre os direitos dos povos indígenas e o direito à sua autodeterminação.

Apoiamos o marco principal do informe, o qual indica que o direito à sua determinação é a base legal para as relações entre povos indígenas e Estados, o que foi amplamente acolhido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. Na verdade, o direito à autodeterminação de povos indígenas têm raízes internacionalistas, com os membros da Escola Peninsular da Paz, no século XVI, antes da hecatombe da colonização das Américas.

Acreditamos que o direito à autodeterminação inscrito no Artigo 3 da Declaração têm uma relação estreita com todos os outros direitos neste instrumento. Neste momento, gostaríamos de focar no direito ao território.

Na experiência brasileira, a Escola Peninsular teve repercussões na Legislação Colonial Portuguesa, principalmente na Teoria do Indigenato, a qual garantia o direito originário dos povos indígenas, embora o poder colonial tenha sido responsável por várias atrocidades contra estes povos.

A teoria do Indigenato seguiu inúmeras Constituições brasileiras. A última Constituição de 1988, ao dedicar um capítulo aos povos indígenas, também reconhece o direito ancestral de seus povos originários ao território que tradicionalmente ocupam.

Porém, a equivocada tese do Marco Temporal discutida no Brasil defende que os direitos originários ao seu território por seu povo estão restritos a data da promulgação da Constituição. Esta tese é debatida no Supremo Tribunal Federal e por meio do Projeto de Lei 490.

O Marco Temporal é nefasto porque deixará um rastro incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram seus territórios demarcados ou que foram expulsos de seus territórios tradicionais.

Mais de 30 outros projetos em tramitação no Congresso brasileiro violam o direito à liberdade de determinação e contrariam a recomendação mencionada no parágrafo 139 do informe.

O presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a assessora da ONU pela prevenção do genocídio incluir o Brasil no Mapa de Atrocidades do Mundo, segundo seu último relatório.

Para concluir, rechaçamos veementemente a intervenção do representante do Brasil quando menciona que a IN 01 do IBAMA e da FUNAI é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil. Essa regulamentação não torna o licenciamento ambiental no Brasil mais flexível, mas o enfraquece. É uma tentativa de contornar as garantias constitucionais, como o usufruto exclusivo dos territórios por seus povos e, consequentemente, sua autodeterminação e autonomia.

Essa norma cria um procedimento de licenciamento ambiental que nega o consentimento livre prévio e informado aos povos indígenas do Brasil.

Solicitamos ao Mecanismo que, em seu trabalho de assessoria ao Estado Brasileiro, leve em consideração esta norma, tendo em conta os graves riscos que ela impõe. Muito obrigado.

Com informações da Apib e do Cimi

Foto: Andressa Zumpano / Divulgação/Articulação das Pastorais do Campo

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