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“Tensões causadas pela pandemia podem alterar o código genético das futuras gerações”, afirma diretor de maior hospital pediátrico do país

"Tensões causadas pela pandemia podem alterar o código genético das futuras gerações", afirma diretor de maior hospital pediátrico do país

*Por Diego Antonelli

A saúde ambiental está diretamente ligada com a saúde do ser humano. Esse é o ponto fundamental defendido por José Álvaro da Silva Carneiro, ambientalista e diretor corporativo do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. A realidade atual, tomada pela pandemia do novo coronavírus, é mais um exemplo de como a falta de cuidado com a biodiversidade representa um risco para o bem-estar da humanidade. Soma-se a isso, o constante uso de contaminantes, o desmatamento e a falta de cuidado com a fauna e a fauna.

Já passou da hora, segundo Carneiro de perceber com clareza que é necessário mudar as nossas atitudes para garantir a perpetuação da vida terrestre.

Para o administrador paranaense, é preciso valorizar a ciência, a produção, a disseminação do conhecimento e a busca por melhores e mais coerentes práticas econômicas.

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Com onze casos de pacientes confirmados com Covid-19 e
outros 36 profissionais que adquiriram a doença até o final de maio, o Hospital Pequeno Príncipe toma todas as medidas necessárias para combater a pandemia.

Neste momento de pandemia, como o maior hospital pediátrico do país tem atuado para que o vírus não atinja as crianças internadas por outros motivos?
Um de nossos orientadores de público, que trabalha na parte externa do hospital, sempre me cumprimenta com o polegar levantado, dizendo “mais um dia!” Neste momento de perplexidade geral, afirmo: nosso legado é o agora.

Como todos, estamos muito preocupados com a situação como um todo e mantendo a lucidez em alerta. Tudo pode mudar rapidamente e precisamos estar preparados. É ótimo poder contar com equipes experientes e engajadas. No outono e no início do inverno, o Hospital Pequeno Príncipe sempre se prepara para a temporada das doenças respiratórias. Ano após ano é assim que é.

Passamos em 2009 pela experiência do H1N1 (Influenza) e isto foi importante como alerta. Desta vez, e para o coronavírus, preparamos uma ala do Hospital com 24 leitos (podendo duplicar em caso extremo) e uma UTI extra com 10 leitos, onde vamos cuidar dos pacientes que confirmem a contaminação pelo vírus. Essas são as condições para acolhimento em isolamento.

Vamos lembrar que continuam nascendo 150 mil bebês por ano no Paraná e muitos irão precisar de atendimento. Nossas crianças que fazem diálise três vezes por semana, ou que vão precisar de uma cirurgia de alta complexidade nos primeiros 30 dias de vida, ou transplantes de emergência, ou os bebês de primeiro inverno (entre outros), precisam contar conosco.

Para protegê-los, estamos nos desdobrando para manter tudo desinfectado e muito higienizado, com muito treinamento específico e muita diligência na gestão de suprimentos e estoques. Temos a tarefa de conseguir disponibilidade e distribuição eficaz dos equipamentos de segurança necessários e atuar fortemente em propiciar suporte e apoio às equipes.

É muito relevante a existência do Instituto de Pesquisas Pelé Pequeno Príncipe e, por causa dele, tivemos muitos avanços em biologia molecular. São nestes momentos difíceis que os progressos científicos têm chance de ganhar visibilidade e reconhecimento.

Ao vermos que o coronavírus veio de um animal silvestre, percebemos que, mais uma vez, o ser humano invadiu um terreno alheio e trouxe dele novas doenças. É possível que esse fato seja um alerta para a sociedade atual? Há uma esperança de que as pessoas se conscientizem mais?
A saúde ambiental tem relação direta com a saúde humana. O combinado da extinção em massa com as alterações climáticas nos remete continuamente a riscos desconhecidos. No específico caso das grandes empresas, a gestão de risco perde espaço para a administração dos custos, e aí temos a Vale, com os episódios de Mariana e Brumadinho, para ilustrar esta afirmação.

Vamos agregar ao raciocínio a contaminação química de nossos solos e água. Muitos dos contaminantes são mutagênicos e isso – novamente – explicita que estamos trocando o princípio da precaução pelo “topa tudo por dinheiro”. E com isso assumindo um absurdo risco.

Este momento de isolamento precisa nos levar a refletir sobre esta situação, perceber com clareza a condição de incerteza, imprevisibilidade e vulnerabilidade das nossas vidas. Aqueles que têm percepção aguda disso, por meio de conhecimento objetivo e aceito pela comunidade científica internacional, precisam, mais do que nunca, influenciar pessoas, grupos setoriais e empresariais e também os governos para uma nova realidade.

As relações sociais e a economia não serão as mesmas depois de passada a pandemia. Tudo irá mudar e muito. Precisamos ressignificar valores e perceber tudo isso como oportunidade. Entendo que a busca pela equidade e por uma nova relação com a biosfera são os principais desafios que temos e com os quais todos deveriam se engajar.

Como sociedade civil, de que forma poderíamos atuar em prol de uma sociedade que seja mais responsável para esta e as futuras gerações?
A lembrança do “Pacto Global” e das metas ali colocadas são um norte muito importante. Nos idos de 1992, na grande conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, surge a “Agenda 21” que apontava para este século. Em algumas rodas de discussão, falávamos muito em dividir um problema e o projeto para resolvê-lo em 100 anos e, aí, implantá-lo na proporção de 1/100 por ano.

Repare que se o Estado do Paraná fizesse um bom projeto para despoluir todo o Alto Iguaçu em um século, e aí partisse para uma lenta, constante e diligente ação de implantação, já teríamos obtido um grande avanço. Mas não fizemos isso e temos até piorado. Vamos precisar ir à luta por nossas convicções, participar mais, nos engajar mais, exigir mais e – muito importante – votar com mais consciência.

A pandemia pode trazer um efeito positivo em avanços de políticas públicas tanto na área de saúde quanto na ambiental?
Precisamos valorizar a ciência, a produção, a disseminação do conhecimento e uma atuação que busque as melhores práticas. Algumas áreas precisarão reconhecimento e a saúde é uma delas. Nisso, nosso SUS (Sistema Único de Saúde) talvez seja o maior sistema de redistribuição de renda do planeta. Com a pandemia e além de sua valorização, o sistema certamente irá incorporar grande avanço nas múltiplas formas de telemedicina, de precisão nos diagnósticos e de avanços nos cuidados intensivos, além da mobilização em emergência.

Da mesma forma, a oportunidade para avançarmos para uma economia de “baixo carbono” focada em equilíbrio ambiental estará posta. Mas essas novidades precisam se juntar com a busca de solução para velhos problemas. Ainda hoje não conseguimos regularizar a situação dos Parques Nacionais e outras Unidades de Conservação no Paraná. Será preciso acordar para a necessidade de promoção de “ecoalfabetização” de crianças e adultos.

Um ambiente equilibrado é um direito de todos e cabe ao estado assegurar as ações para que isso se estabeleça. A atual administração estadual rebaixou o status do tema e o uniu ao turismo. A federal é errática e promove retrocessos. Entendo que o tema ambiental merece mais atenção e projetos objetivos que tenham convergência estre saúde humana e ambiental.

Aproveito e faço uma sugestão: incubar uma Secretária de Meio Ambiente na Secretaria de Saúde por um período de quatro anos. Algumas condições seriam necessárias. A montagem de um sistema hierárquico de conselhos, em todos os municípios, desembocando na reimplantação e dinamização do funcionamento de um Conselho Estadual de Meio Ambiente.

Caso o rumo não mude, o que pode acontecer às futuras gerações do ponto de vista de novas doenças e degradação ambiental?
Desprezar as evidências dos riscos de deterioração ambiental e exclusão social e não os combater é um grave erro. Por mais que a humanidade tenha avançado muito e atingido níveis de conforto jamais imaginados há 70 anos (tendo 1950 como ponto de partida), temos que ter cuidado, pois ainda precisamos mudar muitas coisas.

Passamos da conta no uso dos recursos naturais e estamos em risco por conta do nosso jeito de viver, produzir e consumir. Precisamos pensar primeiro o grande sistema biológico e só depois, o econômico financeiro.

Hoje se sabe que o estresse traz mutações genéticas que serão transmitidas por, pelo menos, cinco gerações. As crianças australianas, portuguesas e amazônicas do interior, que tiveram contato com os grandes incêndios, carregarão consigo consequências que ainda não conhecemos.

Da mesma forma, as famílias mais afetadas por esta pandemia, passarão por tensões que serão absorvidas pelas novas gerações e irão interferir em seu código genético. Cabe a geração que está presente neste 2020 a missão de influenciar para que façamos um projeto de busca de equidade e justiça social e, ao mesmo tempo, correr à procura de uma relação equilibrada com a natureza.

*Este artigo foi publicado originalmente na edição de maio do jornal online e gratuito do Observatório de Justiça e Conservação. Para acessar as demais reportagens clique aqui.

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Foto: domínio público/pixabay

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