Logo que o dia despertou nessa sexta, começava uma nova jornada na vida de Terra Nova, Otinga, Piraporã, #183, Ayara, Poraquequara, Janã, Jaci, Maná, Anibá e Urucará. Eles têm entre 3 e 16 anos, pesam cerca de 120 quilos e medem em média 2 metros de comprimento.
Todos são peixes-bois amazônicos – os quatro primeiros nomes, de machos, e os demais, fêmeas -, que ao longo do último ano viveram num lago, em uma fazenda em Manacapuru, no estado de Amazonas, passando por um processo de readaptação para poderem ser reintroduzidos a seu habitat natural.
Os animais chegaram ali porque foram vítimas da caça ilegal ou da captura acidental, quando ficam presos em redes de pesca. Muitos deles ainda eram filhotes e sem a ajuda dos pais, precisam ser treinados a aprender como se alimentar por conta própria.
“Eles comem por dia o equivalente a cerca de 10% do seu peso e no cativeiro, em Manaus, são alimentados prioritariamente com vegetais cultivados e capim membeca. Na reserva, estes animais terão uma diversidade na dieta de mais de 60 espécies de plantas aquáticas”, explica o biólogo Diogo de Souza, responsável pela reintrodução dos animais.
Depois de serem retirados do lago onde estavam esta manhã, no semicativeiro de Manacapuru, os peixes-bois foram transportados, em um trajeto curto, até barcos, com piscinas de fibras, que os levarão até a várzea da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus, a 173 km de Manaus, onde serão finalmente libertados.
A viagem será longa: 15 horas. Mas durante todo o percurso, os peixes-bois serão monitorados para avaliacão de seu comportamento e de sua frequência respiratória, além de ser feita a troca constante de água das piscinas.
Quando chegarem à reserva de Piagaçu, o processo de devolução à natureza será gradual, planejado para acontecer em dois dias – no sábado e no domingo.
A soltura é a última etapa do programa de reintrodução de peixes-bois do Projeto “Mamíferos Aquáticos da Amazônia”, iniciativa que conta com a parceria de diversas instituições, entre elas, a Wildlife Conservation Society (WCS) Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Museu da Floresta, a Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa), em cooperação com a Universidade de Kyoto (Japão) e o apoio do Aquário de São Paulo.
Desde 2016, já foram reintroduzidos no rio Purus 23 peixes-bois. A última soltura aconteceu em abril de 2018, quando foram levados dez animais, cinco machos e cinco fêmeas, conforme noticiamos aqui, neste outro post.
“Nossa ideia é levar de maneira recorde doze animais de uma só vez. O sucesso das solturas passadas com os animais se readaptando muito bem à natureza, nos permitiu acelerar o processo”, diz Souza.
Após a libertação na água, os peixes-bois continuarão a ser monitorados. Cinco deles receberão cintos transmissores, que mostrarão como estão se comportando de volta à vida selvagem.
Peixe-boi sendo devolvido ao rio
O peixe-boi da Amazônia
Menor dos peixes-bois existentes no mundo, a espécie amazônica (Trichechus inunguis) atinge entre 2,8 a 3 metros e pode pesar até 450 kg. Além disso, é a única que vive em água doce. Alimenta-se basicamente de plantas aquáticas e semi-aquáticas.
Podendo ser encontrado em rios ao longo de toda Bacia Amazônica, o nosso peixe-boi tem algumas características marcantes: uma mancha branca na região ventral (peito) e ausência de unhas nas nadadeiras peitorais, o que torna mais fácil diferenciá-lo das espécies marinhas e africanas.
Extremamente dócil, o peixe-boi da Amazônia pode ser reconhecido
pela mancha branca no peito
Por possuir um couro cinza, extremamente resistente, no passado foi vítima da caça. Também era morto pelas populações ribeirinhas que consumiam sua carne.
Considerado como espécie “vulnerável” pela Lista Vermelha da Conservação Internacional, o que signifca que ele é vulnerável ao risco de extinção, o peixe-boi tem hoje entre suas principais ameaças a destruição e a degradação do habitat natural, além da liberação de mercúrio nos rios e a contaminação da água por agrotóxicos, proveniente de plantações na Amazônia.
“Eles são animais dóceis e com movimentos lentos, por isso acabam sendo alvos para a caça. É muito importante restabelecer a população dessa espécie, que é essencial para o equilibrio dos ecossistemas aquáticos”, destaca Vera da Silva, pesquisadora do Inpa.
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Fotos: divulgação e acervo AMPA