Em junho de 2017, pesquisadores haviam alertado que, à medida que o fluxo da lama de resíduos tóxicos, oriundos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), seguia na direção norte do litoral capixaba, ele representava uma ameaça concreta à vida do Parque Nacional de Abrolhos, a maior formação de recifes de coral e o maior banco de biodiversidade marinha do Atlântico Sul, a mais de 250 km de distância da foz do rio Doce.
Na época, já era percebida a presença de micropartículas de ferro nas amostras de água coletadas em Abrolhos, o que, segundo os pesquisadores relataram então, “poderia ser um sinal de que a lama estava se aproximando”, conforme noticiamos neste outro post.
Pois um estudo divulgado ontem (19/02), pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), confirma a contaminação. Os corais de Abrolhos, na Bahia, sofreram impactos significativos pelos rejeitos da mineradora Samarco – fruto da sociedade de duas gigantes do setor petrolífero – a brasileira Vale (sim, a mesma de Brumadinho) e a anglo-australiana BHP Billiton.
Amostra de coral analisada mostrou presença de metais pesados
Considerado a maior tragédia ambiental da história do país, o acidente, em novembro de 2015, fez com que um mar de lama com rejeitos de metais pesados e elementos químicos destruísse o vilarejo de Bento Rodrigues (matando 19 pessoas) e contaminasse todo o leito do rio Doce, tirando a vida de centenas de animais.
A contaminação da pluma de sedimentos da Samarco no oceano
A pesquisa que comprovou a contaminação dos corais envolveu seis laboratórios da UERJ e também contou com a colaboração da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da PUC-Rio. “A gente já desenvolvia um trabalho em Abrolhos com corais. Então entrei em contato com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (responsável pela administração do parque nacional) e programei uma coleta de duas colônias no arquipélago”, conta Heitor Evangelista, coordenador do trabalho.
“Através de técnicas químicas, constatamos que, no meio do crescimento dos corais, houve um pico enorme de metais pesados, que coincide exatamente com a cronologia da chegada da pluma de sedimentos da Samarco”, explicou.
Infelizmente, segundo o professor o dano é irreparável, devido à extensão atingida. “Nosso papel é saber em que medida aquela área foi impactada. E a partir daí, deflagrar mecanismos de monitoramento para descobrir qual vai ser a resposta biológica diante desse fato. Não há como remediar, mas nós precisamos aprender com esse processo”.
Ainda de acordo com Evangelista, os corais de Abrolhos já vinham sofrendo estresse devido ao aumento da temperatura da água na região, fenômeno que tem entre suas possíveis causas, o aquecimento global. “Agora, precisamos monitorar levando em conta este novo fator (a contaminação pelos metais pesados), para antever o que pode acontecer”.
Durante todo o trabalho de monitoramento da dispersão da lama de resíduos no mar, o professor da UERJ, juntamente com seus alunos, atualizou uma página no Facebook – Abrolhos Sky Watch -, com imagens de satélite que mostravam o percurso da pluma de sedimentos, e assim, a sociedade pudesse ficar informada também sobre o impacto da tragédia.
Agora, o relatório produzido pelos pesquisadores foi encaminhado ao ICMBio e vai integrar os autos da multa ambiental aplicada à Samarco. “Até agora não havia nada provando um sinal claro da pluma da mineradora em Abrolhos. Esse trabalho é conclusivo nesse sentido”, ressalta Evangelista.
O que a pesquisa da equipe da UERJ mostra é que, mais de três anos após o rompimento da barragem de Fundão, o dano ambiental provocado pela mineradora Samarco ainda não foi totalmente mensurado e contido. Parece que durante muitos anos ainda, ecossistemas sofrerão com a negligência da empresa, exatamente como aconteceu em Brumadinho, um segundo acidente, mas que dessa vez, não só impactou o meio ambiente, como tirou a vida de centenas de pessoas.
Leia também:
BHP Billiton, sócia da Vale na mineradora Samarco, é processada na Inglaterra por tragédia do Rio Doce
Manobra jurídica tenta livrar executivos da Samarco da acusação de homicídio no desastre de Mariana
Samarco sabia do risco do colapso da barragem e não fez nada, acusa procurador responsável pela investigação da tragédia
Dois anos depois, minério da Samarco ainda contamina água do Espírito Santo, Bahia e Rio de Janeiro
Quase 270 hectares de vegetação da Mata Atlântica foram destruídos com rompimento de barragem, em Brumadinho
Fotos: Amanda Ercília/Creative Commons/Flickr (abertura) e demais divulgação UERJ