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Cocar de penas? Não, de canudinhos plásticos!

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Certa feita visitava meu amigo Walter Gomes Da Silva, em sua loja Amoa Konoya, em São Paulo. Ali conversamos sobre muitos assuntos ligados a questão indigenista, pra não variar. E, como sempre fazia, observei tudo que havia no ambiente.

Desta vez, o que me chamou a atenção foi um cocar típico dos índios Kaiapó, todo feito de canudinhos plásticos. Sim! Aqueles canudinhos encontrados nos supermercados e nas padarias e que usamos – para evitar o risco de transmissão de doenças – na hora de tomar um bom suco para refrescar.

Achei essa peça muito curiosa e, em minha última viagem à Aldeia Moikarako – tribo Mebengroké Kaiapó -, em agosto deste ano, reparei que, em muitas cabeças, os cocares feitos de penas de araras, papagaios e outras aves desafortunadas por sua beleza haviam dado lugar aos de canudinhos de diversas cores.

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Os Kaiapó geralmente têm grande habilidade para se recriar em qualquer situação adversa. Essa ideia surgiu quando sua aldeia foi incendiada por causa de uma longa seca. A maioria de seus pertences foi queimada pelas chamas. Então, não tiveram duvida: compraram caixas de canudos e ali nascia um novo cocar com a marca da arte Kaiapó.

Penas X Canudos

Pode parecer engraçado alguém criar polêmica por conta do uso de canudinhos. Mas logo após eu ter publicado uma fotografia mostrando o cocar feito de canudos, recebi muitas mensagens criticando os índios por terem feito estes novos cocares assim.

Aí me lembrei que muitas das pessoas que criticaram o uso dos canudos, em momento anterior haviam esbravejado contra o uso das penas e perguntaram se eles matavam os pássaros para fazer seus belos cocares.

Particularmente, acho bem difícil encontrar um substituto para as penas pois elas são fascinantes aos olhos da humanidade. E estão presentes em muitos trajes populares, nas alegorias de carnavais, do Bumba Meu Boi, no Festival de Parintins e em tantas outras festas e folias. Alguns artefatos de penas foram encontrados em múmias andinas de mais de mil anos e as penas ainda mantinham suas cores.

Os canudinhos de plástico podem não ter o mesmo viço e nem o brilho das penas de papagaios, araras e muitas aves canoras que conhecemos, mas certamente vieram para ficar. Já fotografei o mesmo cocar em um período de dois anos e ele continua lá na aldeia Kaiapó, enfeitando cabeças. Veja, abaixo, belíssimos exemplares dos dois materiais.

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Canudos plásticos e penas compartilham harmoniosamente as cabeças desta aldeia Kaiapó

cocar-de-penas-nao-de-canudinhos-plasticos-renato-soares-1As penas são de uma beleza fascinante à qual os canudos plásticos não alcançam

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O talento criativo dos Kaiapó para manipular qualquer material resultou
em belos cocares feitos de canudos plásticos (acima e abaixo)

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cocar-de-penas-nao-de-canudinhos-plasticos-arte-plumaria-kaiapo-renato-soaresA preciosa arte plumária não vai desaparecer

Edição: Mônica Nunes

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Alice Branco Weffor
8 anos atrás

É, em momentos de crise a gente se reinventa. Claro que canudinhos plásticos não têm a mesma simbologia mística das penas, base da razão dos índios fazerem cocares – não só como objeto ornamental, ou, não como ornamental, primeiro. Mas, as cores também ajudam na energia necessária. Claro, canudinhos não são biodegradáveis, vai sobrar canudinho pela floresta, isso não é bom, pois, entrarão na cadeia alimentar, aos pedacinhos, como o plástico no mar.
A gente, branco, acha bonito, é bem feito, colorido. Isso incentiva o índio a fazer, para vender – eles estão comercializando com sua arte, isso é de direito.
Para mim, é triste. Mas, é realidade.

Maria BArcellos
Maria BArcellos
1 ano atrás

Tem me incomodado profundamente a profusão de penas utilizadas ultimamente em cocares imensos, por indígenas. O que vejo, é que em muitos (muitos mesmo) casos, copiam formas de outros povos para aparecerem nas manifestações públicas e causarem impacto. Acho mesmo absurdo, quando se dizem guardiões da biodiversidade, cometerem tamanho paradoxo. Não é o caso de que se alimentam dos pássaros e utilizam as penas depois. Os pássaros são sacrificados para tal finalidade e não merecem. A finalidade dessa imensa utilização tem sido apenas ornamental. O que claramente se vê é que as formas não são as tradicionais do povo da pessoa que está utilizando o cocar. Por outro lado, a cultura se movimenta no tempo (muitas vezes em função das necessidades) e nesses tempos sombrios de mudanças climáticas, com espécies animais desaparecendo em grande progressão, não dá para achar que está correto e nem defender a simbologia mística das penas. É tempo de reflexão profunda sobre a relação com os pássaros, e com os animais de uma forma geral! Eles também querem viver e por mais que embelezem cabeças humanas as penas ficam mais bonitas nos pássaros! Parabéns aos kaiapó pela adaptação! Mas é necessário também pensar no cuidado com o lixo. Os tempo são mesmo sombrios!

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