Todo fim de semana é o mesmo ritual: o relógio desperta cedo, sacola com brinquedos de areia, água, fruta ou pãozinho para o piquenique. E corremos para o Parque do Cordeiro. É o quintal do Joaquim. Quintal dividido com o Guilherme, com a Maria, com o Pedro Miguel e com tantas outras crianças que frequentam o local aos finais de semana. Maria empresta sempre seus baldinhos para quem se esquece de trazer. O Guilherme aprendeu a andar recentemente e corre por todos os cantos do parque. O Pedro Miguel sobe na casinha tão rápido que só damos conta quando o vemos descendo o escorregador.
Se, em algumas escolas, as crianças passam grande parte do tempo separadas por idade, fora delas – em espaços de convivência familiar e pública, como os parques, praças e ruas da cidade -, conhecem a riqueza e os desafios de viver junto com crianças mais velhas e mais novas.
O ser humano aprende na interação com outras pessoas. Quando misturadas, crianças constroem e ressignificam o jeito de ser, fazer, pensar e sentir o mundo, o outro e a si mesmo. Chamamos as expressões e linguagens criadas por meio da interação entre as crianças de culturas infantis. Um grande patrimônio vivo e permanentemente atualizado de brincadeiras, expressões, narrativas e formas de estar no mundo.
As relações intergeracionais potencializam a experiência de aprender sob diferentes perspectivas e colocam em jogo o cuidado, a tolerância, a empatia e a resolução de problemas de forma coletiva e criativa.
Entretanto, para enxergar a potência de aprender na e com a diversidade é preciso trocar algumas lentes. Deixar de lado e relativizar as rígidas etapas e fases do desenvolvimento e atentar-se criticamente às práticas de consumo, que direcionam brinquedos e brincadeiras a fases especificas da vida, categorizando seus produtos e serviços por faixa etária.
Para muitos adultos, sejam eles pais ou educadores, as crianças se desenvolvem melhor quando estão com outras da mesma idade ou de idade próxima; além disso, acreditam que a convivência com mais velhos pode ser um risco à criança pequena, assim como um atraso para os mais velhos. Será?
Separamos alguns exemplos de dentro e fora de escolas para ilustrar os desafios e a riqueza dos encontros entre mais velhos e mais novos.
O Projeto Território do Brincar[1] documentou inúmeros momentos de convivência espontânea entre crianças e jovens de diferentes idades, como mostram as imagens abaixo.
Um registro da troca de saberes na construção do carrinho de boi, feito pelos meninos de
Entre Rios, no Maranhão
Na disputa acirrada pela rabiola, o que vale não é a idade e, sim, a precisa coordenação entre
céu, olhos e mãos
Na educação formal, o Colégio Equipe e a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, reconhecidas pelo Programa Escolas Transformadoras, revelam a beleza e os desafios em quebrar a histórica ideia de seriação de idades e aprendizagens.
Luciana Gamnero, coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Colégio Equipe, afirma que é na convivência interidades que “as diferenças individuais de conhecimento, ritmo e habilidade ficam mais claras para as crianças, já que elas presenciam situações em que esses aspectos não têm relação com a idade, mas com os interesses, gostos, investimentos ou facilidades pessoais”.
Para os educadores da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima o desafio é olhar para cada criança, reconhecendo-as em sua singularidade. Lá as turmas não estão separadas por série. A escola utiliza grandes salões onde três educadores circulam e têm a responsabilidade compartilhada pelos estudantes. As crianças desenvolvem roteiros de estudos e se alternam em momentos individuais e em equipes. O acompanhamento da aprendizagem e o vínculo afetivo com as crianças são assegurados por professores-tutores.
Enquanto a convivência entre crianças de diferentes idades ainda não é uma realidade em mais escolas, famílias moradoras de SP, por exemplo, podem contar com os 100 parques municipais espalhados pela cidade. Neles, o ambiente organizado para atender crianças e jovens de qualquer idade favorece a experiência com a diversidade etária, social, cultural e econômica.
A cidade e seus territórios são espaços privilegiados para a convivência intergeracional. Para isso, é preciso sair de casa.
[1] As imagens deste artigo foram gentilmente cedidas pelo Projeto Território do Brincar. Elas são de autoria da educadora e idealizadora do projeto, Renata Meirelles