Em Cáceres, no Pantanal do Mato Grosso, estão três unidades de conservação federais ameaçadas pelos incêndios que atingem o Pantanal: a Estação Ecológica da Serra das Araras, a Reserva Particular do Patrimônio Natural Jubran e a Estação Ecológica de Taiamã.
No domingo, 13/9, brigadistas do ICMBio (órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente) participavam de uma ação para evitar incêndios numa região próxima à Estação Ecológica de Taiamã. Um deles, resolveu gravar um vídeo para registrar o momento, mas fez um comentário infeliz:
“Olha aí, os brigadistas, em vez de apagar o fogo ‘está tacando’ fogo. É brincadeira? Olha quem que apaga o fogo no Pantanal? Você viu? Esse é o brigadista, o herói do fogo”.
Em seguida, divulgou o vídeo em suas redes sociais. Em pouco tempo, as imagens se espalharam “como fogo” pelo Whatsapp e caíram “como uma bomba” no Facebook.
No entanto, ao contrário do que poderiam sugerir as imagens e o comentário, os brigadistas não tinham intenção de provocar um incêndio. Eles adotaram uma técnica conhecida como Queima de Expansão ou Fogo de Expansão, que utiliza o fogo para evitar que os incêndios se alastrem. Isso foi esclarecido pelo ICMBio, em nota, que confirmou a veracidade do vídeo, refutando as acusações.
Parece loucura, mas essa é uma técnica muito eficiente, dominada pelos povos originários, como os Indígenas brasileiros ou os aborígenes na Austrália. Mas tal tradição foi se perdendo com a colonização. Alexandre Pereira, analista ambiental do Ibama/PrevFogo (Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) disse, à reportagem de Época, que o Ibama vem tentando resgatar esse conhecimento tradicional justamente porque é eficaz.
A Agência Lupa, de checagem de notícias, analisou a notícia a partir de um post divulgado no Facebook – que tinha mais de 20 mil visualizações e divulgava o vídeo do brigadista com a seguinte frase:”Quem é pra apagar, ateia fogo. Bom dia!” -, classificando-o como FALSO. Usou, como base, a nota do ICMBio e informações sobre a técnica citada.
Mal-entendido
Num cenário de tristeza e revolta com a destruição do Pantanal – segundo a ONG SOS Pantanal, 19% do bioma foi destruído pelo fogo! -, o vídeo provocou os ânimos e gerou “diversos mal-entendidos sobre as ações do ICMBio”.
Ainda mais porque os brigadistas representam o governo federal e Bolsonaro nega a tragédia no Pantanal e faz declarações constantes contra o meio ambiente.
Somente quem tem conhecimento da técnica entenderia o que aquelas imagens revelam, de fato, e que a narração é uma brincadeira… de mau gosto. Como declarou o ICMBio sobre a fala do brigadista: “trazendo uma versão errônea sobre a prática de que ele participara”.
Pelas redes sociais (como de costume), o anti-ministro Ricardo Salles declarou que o brigadista será exonerado. Sem comentários.
Atear fogo para evitar incêndios
A técnica que visa prevenir ou controlar incêndios consiste em atear fogo em pequenas faixas de terreno para eliminar a vegetação (matéria orgânica), que se configura como um combustível potente que espalha as chamas. A queima cessa ali, minutos depois. E, assim, caso os focos de incêndio cheguem à região, não há mais “combustível” e eles são contidos.
O que os brigadistas fazem é “antecipar” o incêndio consumindo o “combustível”. Assim, quando as chamas chegam na faixa queimada, não tem mais o que queimar. O que sobra é a vegetação mais úmida, que impede que o fogo se propague.
Foi o que aconteceu na Estação Ecológica Taiamã, que é uma das poucas áreas protegidas no Pantanal onde não há incêndios. No fim de semana, em região próxima à reserva, brigadistas identificaram focos ativos de calor, que avançavam com força em direção à parte oeste da estação.
Analisaram as condições do clima – como a direção e a velocidade dos ventos -, que influenciam o comportamento do fogo, o tipo de terreno e o tipo de vegetação (ou seja, “combustível”), que precisaria ser queimada e agiram.
Depois da ação, foi tirada uma foto de helicóptero que revela a divisão entre a área queimada e a que ficou protegida do fogo pela ação dos brigadistas. “A técnica foi extremamente eficaz e eficiente”, disse Pereira, da PrevFogo.
A Queima de Expansão “mata” o incêndio que avança e se transforma numa defesa contra ele.
Vídeo com outra narração, esclarece
Se você divulgou o vídeo polêmico (com a frase infeliz do brigadista), o melhor a fazer é deletá-lo de sua timeline ou explicar que eles não estão colocando fogo na mata. Ou, ainda, divulgar o vídeo, que reproduzimos no final deste post (publicado em 15/9 no YouTube), com a narração do analista ambiental do ICMBio, Bruno Cambraia, que participou da mesma ação e esclarece a história usando as mesmas imagens.
Cambraia explica que eles escolheram “uma área úmida como ponto de ancoragem e aproveitamos um vento sul que começou a soprar na data de ontem, possibilitando a realização dessa atividade”. E declara que a ação “teve sucesso. E hoje de manhã já verificamos que não havia fogo ativo no local. Isso garantiu, inclusive, a proteção da Estação Ecológica de Taiamã que, até o momento, não foi afetada por incêndio”.
Antes de divulgar qualquer material na internet, verifique sua veracidade.
Quer que desenhe?
Tá desenhado! Para esclarecer como funciona essa técnica e tentar evitar que as mentiras sobre o trabalho dos brigadistas do ICMBio no Pantanal se alastre ainda mais, os biólogos e divulgadores científicos Hugo Fernandes e Gabriel Aguiar se uniram e criaram cards muito bacanas, que reproduzo aqui. Eles foram publicados em seus perfis no Instagram: @hugofernandesbio e @gabrielbiologia, que vale muito seguir.
Antes, conto um pouquinho sobre os dois.
Hugo é doutor em zoologia com pós-doutorado em ecologia, e leciona na Universidade Estadual do Ceará. Há cerca de um mês integra a equipe que criou a Brigada Alto Pantanal, iniciativa que pretende montar brigadas anti-incêndio permanentes nesse bioma (sobre a qual estou escrevendo).
Gabriel é mestrando em ecologia e ativista ambiental, um dos defensores das Dunas de Sabiaguaba, que a prefeitura de Fortaleza quer “entregar” para a uma construtora (contei essa história, aqui no site). Ambos moram em Fortaleza.
Agora, assista ao vídeo com a explicação do brigadista Bruno Cambraia: