Diante de uma caixa de som, num barco de mergulho, as pesquisadoras estão emocionadas. Algumas até choram. Para a maioria, é a primeira oportunidade de ouvir o canto das baleias ao vivo. “É muito lindo, eu queria muito (ouvir), é como se estivesse perto delas”, diz a bióloga Hew Barreto, do VIVA – Instituto Verde Azul.
E ela está perto realmente. A poucos metros de distância, um grupo de, ao menos, sete baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) borrifam, saltam e mostram a cauda. Possivelmente, são machos competindo por uma fêmea. A cada cauda que aponta na superfície do mar, mais euforia. “Caudal é como um gol”, define uma das pesquisadoras.
Ao longo da viagem de três dias para celebrar os dez anos da ONG, as cientistas avistaram 38 baleias – muitas, eram fêmeas acompanhadas de filhotes.
Os dados coletados abastecem a comunidade internacional via internet. A cauda é como se fosse a digital das baleias. Já são mais de cem mil indivíduos identificados no mundo pelo site Happy Whale. “Isso ajuda a conhecer cada vez mais as espécies, saber de quanto em quanto tempo aquele baleia volta pra cá, se reproduz, para onde ela vai”, explica Marina Leite, também bióloga do VIVA.
Abrolhos e a força feminina
O destino da viagem é Abrolhos, em Caravelas, no sul da Bahia, berço que remete aos primórdios do instituto. A bordo, 15 mulheres – biólogas marinhas e voluntárias do projeto como uma pedagoga e uma advogada.
A escolha do parque marinho não é à toa. Trinta mil baleias vão para a região por ano para reprodução. Uma alegria para quem chegou a ver a caça desses animais no Brasil – proibida a partir de 1985. Mia Morete, a fundadora do VIVA, tem longa trajetória na defesa e pesquisa de cetáceos. Foi ela quem fez o monitoramento de baleias em Abrolhos pela primeira vez, e anos depois, criou o instituto. Desde então, apoia com bolsas de estudo mulheres jovens cientistas.
Testemunha dessa história é Maria Bernadete Silva Barbosa, a Berna, a primeira brasileira a receber o prêmio como uma das melhores guarda-parques do mundo, há 36 anos no Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. “Não imaginava que a Mia faria tanta coisa, ela incentiva as meninas a não desistir dos seus sonhos. Isso é muito legal, criou uma força por aqui”, lembra.
O Verde Azul tem base em Ilhabela, em São Paulo. Faz o monitoramento e a pesquisa de cetáceos e promove educação ambiental em todas as escolas municipais de São Sebastião: são 6 mil estudantes e cerca de 400 educadores impactados pelo projeto por ano.
Em uma década, as pesquisadoras avistaram doze espécies diferentes de baleias e golfinhos e documentaram até orca no litoral paulista.
“O que gostaria é sensibilizar para a importância do oceano, por isso que investimos forte na educação e queremos ampliar esse trabalho voluntário para outras regiões, outras cidades. Só pela educação é possível conservar!”, diz Mia.
E para dar o exemplo, nem na viagem de aniversário faltou mão na massa. As mulheres convidadas para a expedição fizeram uma ação de limpeza nas praias da ilha Santa Bárbara, a maior do complexo de Abrolhos. Pode parecer esquisito fazer limpeza em praias onde não vai ninguém, mesmo assim, foram coletados cerca de 35 quilos (34,415 kg) de resíduos de toda parte do mundo levados pelas correntes marítimas.
“A gente sabe que 80% do resíduo que tá no mar hoje perdido vem de fontes terrestres, então, com certeza, uma das melhores estratégias é interceptar (lixo) ainda em terra, porque uma vez que ele cai no mar, não tem mais endereço, a gente vai achar aqui lixo estrangeiro, de outros estados,” explica a bióloga Monique Tayla.
Segundo ela, as estratégias para evitar esse tipo de problema são várias e começam com a identificação dos resíduos encontrados. “Depois de identificar as marcas, a gente pode levar para essas empresas a informação mostrando que elas estão recorrentes num local tão inóspito quanto esse”.
O ofício de ver baleias todo dia
Proteger baleias não tem a ver apenas com a vida animal. Está relacionado também à sobrevivência humana, a ter, por exemplo, um bom ar para respirar. Baleias são consideradas gigantes pulmões do nosso planeta e absorvem mil vezes mais CO2 que árvores, de acordo com relatório do Fundo Monetário Internacional, de 2019, que chama a atenção para a importância dos cetáceos na batalha contra o aquecimento global.
E em Ilhabela, as pesquisadoras lutam para alertar sobre problemas recorrentes que envolvem baleias e golfinhos:
- a interação dos animais marinhos com cinco trilhões de pedaços de plásticos flutuando no mar,
- atropelamentos (sim, várias baleias se machucam com embarcações em alta velocidade que não desviam dos animais),
- captura acidental (são 300 mil baleias e golfinhos que morrem no mundo por ano enroscados em petrechos de pesca),
- turismo desordenado
- e a própria caça em outros países, em nome de uma cultura ultrapassada.
São situações muitas vezes documentadas, por duas pesquisadoras que se revezam em uma estrutura construída a 110 metros de altura do nível do mar, na praia de Borrifos. Duas biólogas do VIVA não tiram os olhos do mar todos os dias. Esse é o trabalho. Elas usam o teodolito – equipamento topográfico – que aproxima e posiciona exatamente onde está o animal. E reportam como ele se comporta, e eventuais interações que tem.
O monitoramento constrói uma base de dados que colabora na construção de políticas públicas de preservação. Assim, já foi possível, por exemplo, evitar testes com bombas, em Alcatrazes, próximo à Ilhabela.
Há ainda propostas como a redução da velocidade das 18 mil embarcações que passam na região em determinadas épocas do ano para evitar acidentes com baleias e golfinhos.
E diante de um mar de desafios, talvez o segredo seja o que se viu no barco em Abrolhos. Bastava uma nova baleia aparecer que a euforia volta como se elas nunca tivessem visto aquele espetáculo. O repetido encantamento de estreia que impulsiona o trabalho a continuar.
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Foto de abertura: VIVA Instituto Verde Azul (baleia batizada de Cecília pelo VIVA no catálogo internacional. Aparentemente ela amamentava o filhote)