A bem da verdade não se trata de uma espécie nativa: o melãozinho, melão-de-são-caetano ou melão-de-cobra (Momordica charantia) foi trazido da África pelos escravos como alimento (fruto verde), cicatrizante (folhas) e para banhos de cunho religioso (folhas e flores). Mas a África tampouco é sua região de origem: a planta vem mesmo do outro lado do mundo, do leste da Índia e sul da China, onde também é consumida como alimento. Lá na África, como aqui no Brasil, instalou-se sem cerimônia essa trepadeira de florezinhas amarelas, da mesma família do melão, da melancia, das abóboras e do pepino (Cucurbitaceae). E hoje ela cresce espontaneamente, apoiada em cercas ou muros, espalhada sobre os entulhos acumulados em quintais ou terrenos baldios, e enroscada em pés de fruta, nas zonas urbanas ou rurais.
O melãozinho é rico em vitaminas A, B1 e B2, além de ser campeão em vitamina C, que pode chegar à alta concentração de 100 mg por 100 g de fruto. Também tem bastante cálcio e magnésio. O fruto pode ser consumido ao natural, mas o sabor é amargo. Em conserva no vinagre, como picles, o amargor é menor. As folhas secas podem ser armazenadas por um bom tempo para emprego em chás.
O uso medicinal popular aos poucos se ampliou e chamou a atenção dos cientistas. Diversas pesquisas foram realizadas ou estão em andamento, algumas com resultados interessantes, como a atividade dos extratos no tratamento auxiliar de leucemia e diversos tipos de câncer considerados agressivos. Aparentemente o melãozinho interfere no metabolismo de alimentação por glicose das células cancerosas e induz à redução dos tumores. É algo como cortar o alimento dessas células enquanto elas também são atacadas pela quimioterapia.
Aqui no Brasil, uma equipe das universidades estadual e federal do Ceará (UECE e UFCE) confirmou a atividade de extratos de folhas de melãozinho na proteção do fígado contra lesões causadas pelo etanol. Os pesquisadores associam essa atividade hepatoprotetora às propriedades antioxidantes da planta. Os chás ainda são reputados no controle auxiliar da glicose em casos de diabetes mellitus tipo II.
Na linha veterinária, os extratos do melãozinho se provaram eficazes no combate a ferimentos cutâneos em coelhos, conforme um experimento conduzido na UECE. Em outro trabalho da mesma universidade, da veterinária Luziana Tavares Braga, o extrato etanólico também levou à redução de lesões circulares, com queda de pelos, provocadas pelo fungo Microsporum canis, em cães, gatos, coelhos, cabras e cobaias (transmissível para o homem). O extrato foi considerado um imunomodulador pela pesquisadora, em sua dissertação de mestrado. Ou seja, trata-se de um composto capaz de alterar a resposta imune dos animais, neste caso estimulando o sistema imunológico a reagir contra a doença (dermatofitose).
Na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), outra equipe de pesquisadores testou um extrato hidroalcoólico das folhas de melãozinho contra os caramujos hospedeiros da esquistossomose (Schistosoma mansoni), obtendo 85% de mortalidade na concentração de 100 ppm. O resultado é considerado muito promissor, visto que a doença atinge mais de 5 milhões de pessoas em 19 estados brasileiros e os químicos moluscicidas são poluentes (lembrando que eles são aplicados nos corpos d’água onde vivem os caramujos).
A lista de qualidades da espécie vai embora, alongada pela boca do povo. Talvez as pesquisas verifiquem que não é para tanto. Mas o que tem comprovação já não é pouco, nem irrelevante. Dá até para desculpar o melãozinho por ter “invadido” o Brasil, do Nordeste ao Sul.
Fotos: Liana John (frutos de melãozinho, ao alto, e folhas e flor, acima)