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Turismo de vilarejo: uma janela para o futuro

Junto aos campos rupestres da Serra do Espinhaço, o vilarejo desponta integrado ao Pico do Itambé – marco referencial do sertão mineiro. São dois mil metros de altitude irrompendo pradarias recortadas por trilhas abertas para a prática do ecoturismo. De repente, uma igreja pequerrucha dá o sinal na estrada. A construção modesta, isolada do casario, é a porta de entrada de Capivari, povoado pertencente ao distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, município do Serro. O arraial é pioneiro no desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária (TCB), importante fonte de renda para os seus moradores.

O modelo de gestão se difere do convencional por incentivar a autonomia da comunidade na formulação de planos estratégicos durante a execução do projeto. Os habitantes, que abrem as suas casas para os turistas, são os responsáveis pelo sucesso do empreendimento, pautado em valores essenciais como a simplicidade e o contato direto com as pessoas e a natureza. Entre os benefícios da iniciativa estão o pagamento imediato dos proventos ao proprietário e a valorização do roteiro, destacado pela vivência mais autêntica oferecida aos viajantes.

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O maciço rochoso do Espinhaço é abrigo de um ecossistema reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como patrimônio da biosfera. A diversidade da fauna e flora endêmicas atrai adeptos da vida ao ar livre o ano inteiro. Montanhas, cachoeiras e campinas cobertas por sempre-vivas, quaresmeiras e bromélias, espécies típicas do Cerrado, desenham um cenário convidativo, ideal para quem quer fugir do estresse dos grandes centros urbanos. Na região marcada historicamente pelo garimpo, pela extração de flores e pelo tropeirismo, a acolhida do povo hospitaleiro é o ingrediente a mais, que conquista os visitantes. Na beirada do fogão a lenha, na varanda das casas, na porteira da horta cultivada no quintal, todo o canto é lugar para esticar a boa prosa. Os costumes e o jeito de ser tradicional dos rincões realçam a experiência dos viajantes.

Em uma alameda larga de Capivari, a última casa do lado direito pertence a Genésio da Cunha (no foto ao lado com a esposa e as filhas), um dos representantes da comunidade. O homem alto, de olhar macio, recebe turistas desde o início do projeto, que mudou a vida de sua família. “Lá por 2000, eu estava muito apertado. Trabalhava o mês todo e não arranjava um dinheiro. Tinha que comprar fiado porque não tinha pra pagar. Eu ficava muito triste aqui com a minha esposa”, diz. Cunha é casado com Maria Aparecida do Nascimento. O casal tem três filhas: Taís, Tatiele e Taciane. “Aí, eu conheci o Marcus (Pavani, idealizador da economia solidária no lugar) e ele começou a conversar comigo. – “Ó Genésio, eu vou trazer umas pessoas aqui pra sua casa.” Na minha casa não tinha quarto, banheiro, nada. Eu falava: – “Mas como é que eu recebo”? Ele dizia: “Você arruma as coisas devagar”. Trouxe as pessoas, que pagavam direitinho. Aos poucos, fui ajeitando a casa”, relata.

Hoje, a pousada domiciliar de Cunha conta com acomodações aconchegantes, construídas exclusivamente para os hóspedes. “Depois de uns anos, eu comecei a fazer travessia com o Marcus. Virei guia de grupos. Eu senti firmeza na empresa, no jeito deles tratarem a gente. Ele passou a vir com as pessoas pra subir no Pico”, conta. O turismo trouxe uma nova perspectiva para os habitantes do povoado. “A gente aprende muito com quem chega. Ouço o pessoal que vem aqui em casa. Eles têm ideias, são solidários. Quando a gente tá com dificuldade, tem hora que não é só o dinheiro não. Às vezes, uma palavra amiga ajuda demais. Se a pessoa tá ali descalculada, não tá sabendo o que faz, e chega alguém com aquele carinho, levanta a autoestima. ‘Nós ficamos muito felizes em escutar e temos tempo pra pensar em outras alternativas”, afirma.

Situado no perímetro que se estende de Diamantina ao Serro, Capivari se transformou em vilarejo modelo para o segmento. Uma das chaves para o desenvolvimento do TBC no Alto Jequitinhonha é a tradição oral do povo, particularidade que fortalece os laços e encanta o forasteiro. A troca entre pais, filhos e amigos em rodas de causos e viola integra o turista rapidamente aos hábitos locais. Na roça, as conversas são sempre regadas pelo inseparável café ou pela cachaça artesanal, produzida nas cercanias de Milho Verde, distrito que fica a 15 quilômetros de Capivari. Quitutes caseiros como o pão de queijo e as broas de milho acompanham a bebericagem. A gastronomia local é outro destaque do roteiro. Todas as refeições – feitas a partir de receitas típicas – são oferecidas pelas famílias. Não há restaurantes convencionais no lugarejo.

Sobre a terra de natureza suntuosa, a experiência com base na troca de informações entre visitantes e moradores é um exemplo de conquista que merece atenção. Trata-se de uma prática que agrega valor ao conceito de ecoturismo. O instrumento de mudança tem na fórmula a simplicidade, fator que amplia a perspectiva de crescimento mútuo, uma vez que aproxima as pessoas, preserva as tradições e impulsiona a economia regional.

             A única igreja das redondezas indica a chegada ao local

Fotos: Tom Alves

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