“Sonia Guajajara é pioneira dos direitos indígenas e uma guardiã imprescindível para a Amazônia. Seu esforço de décadas para proteger a floresta tropical personifica a liderança ambiental em sua melhor forma e é uma inspiração para defensores do meio ambiente em todos os lugares”, declarou Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre a primeira ministra dos Povos Indígenas do Brasil.
Ela está entre os seis escolhidos pelo órgão para receber a maior honraria ambiental da ONU este ano: o prêmio Campeões da Terra, lançado em 2005, que, desde então, soma 116 laureados, entre líderes mundiais (27), ativistas e inventores geniais (70), além de grupos e organizações (19).
“Há apenas alguns anos, ninguém poderia imaginar uma ministra indígena no Brasil. Minha nomeação permite que os povos indígenas sonhem,” declarou Sonia ao PNUMA durante entrevista em seu escritório, em Brasília. “Agora podemos falar por nós mesmos e nos representar. Entendemos que chegou a hora de marcar posição e fincar o pé”.
Sua notável jornada de líder ativista a ministra tem sido um marco pelos direitos dos povos indígenas e pela proteção da natureza. Ela ampliou a voz de seus parentes e lutou pela formulação de políticas em busca da conquista de direitos, de territórios e de futuro.
“Quando nossos direitos estão em risco, a humanidade também está”, sentencia Sonia Guajajara
A trajetória de Sonia Guajajara é marcada por pioneirismos. Esteve à frente da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (organização que reúne as associações indígenas regionais), por três mandatos (2008 a 2021), até se candidatar ao cargo de deputada federal nas eleições de 2022.
Foi uma das duas mulheres indígenas eleitas para atuar na Câmara dos Deputados. A outra foi sua amiga e companheira de luta Célia Guajajara, por Minas Gerais, com quem lançou a Bancada do Cocar no Congresso Nacional.
Mas Sonia frequentou a Casa por pouquíssimos dias. Logo foi convidada pelo presidente Lula para assumir o novo Ministério dos Povos Indígenas, tomando posse em 11 de janeiro de 2023.
Vale destacar que, cinco anos antes, foi a primeira indígena a compor uma chapa presidencial – ao lado de Guilherme Boulos (atual deputado federal) -, como candidata à vice-presidência. Este foi mais um passo importante em sua trajetória política.
Com sua nomeação como ministra ampliou a representação dos povos indígenas na política brasileira, ajudando a impulsionar a homologação e a demarcação de terras (em dois anos, foram reconhecidos 13 territórios). Também se uniu a lideranças indígenas mundiais para ecoar, ainda mais, a voz dos povos originários em grandes conferências da ONU como as do clima e da biodiversidade.
De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, mais de 520 territórios indígenas são oficialmente reconhecidos, com quase 270 outros em diferentes estágios do processo de demarcação. As terras indígenas cobrem 14% do território brasileiro.
Em abril deste ano, para um público de 1.400 pessoas na Universidade de Oxford, em Londres, ela declarou: “Um mundo em emergência precisa reconhecer o papel dos povos e dos conhecimentos tradicionais para conter a crise climática. Nós, povos indígenas, somos apenas 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade no planeta”.
Sonia gostaria que o processo de demarcação fosse acelerado, mas, em entrevista ao PNUMA, contou que enfrenta a oposição de legisladores que apoiam interesses comerciais e consideram as áreas indígenas protegidas “improdutivas e não lucrativas”. “Precisamos ser mais valorizados como povos indígenas. Quando nossos direitos estão em risco, não é apenas a biodiversidade e o meio ambiente que estão ameaçados, mas também a humanidade“.
Ela disse também que, nos cargos que ocupou e ocupa, tem procurado não apenas aumentar a conscientização sobre as questões indígenas e influenciar políticas, mas também criar alianças e treinar novos líderes indígenas. “Agora, as pessoas me veem não apenas como uma ministra dos povos indígenas do Brasil, mas como uma ministra dos povos indígenas do mundo”.
Não é à toa que o prêmio do PNUMA reconheceu Sonia Guajajara como Liderança Política, uma das quatro categorias nas quais foram classificados os homenageados (as demais são Inspiração e Ação, Visão Empreendedora e Ciência e Inovação).
Assista ao depoimento de Sonia Guajajara ao PNUMA e, em seguida, conheça os outros cinco Campeões da Terra.
Os outros ‘Campeões da Terra’
Além de Sonia Guajajara, outros quatro ativistas e uma empresa foram homenageados: a pescadora e advogada californiana Amy Bowers Cordalis; o defensor ambiental romeno Gabriel Paun; o cientista chinês Lu Qi; o ecologista indiano Madhav Gadgil e a SEKEM, empresa fundada por Ibrahim Abouleish – cujo filho Helmy deu continuidade ao seu legado – que tem driblado a degradação e a desertificação e promovido, ao mesmo tempo, o desenvolvimento sustentável. Conheça todos a partir de trecho dos perfis publicados no site do PNUMA, que reproduzimos a seguir.
Advogada e membro da tribo indígena Yurok da Califórnia, nos Estados Unidos, Amy Cordalis, passou décadas lutando para restaurar o fluxo natural do rio Klamath.
O Klamath, que atravessa os estados do Oregon e da Califórnia, já foi o terceiro maior curso d’água produtor de salmão no oeste dos Estados Unidos. Contudo, quatro represas hidrelétricas – construídas entre 1911 e 1962 – sufocaram o fluxo do rio, dizimando as populações locais de salmão. O peixe é uma espécie-chave e vital para o modo de vida dos Yurok.
Em outubro, no entanto, Cordalis e os Yurok comemoraram quando as equipes destruíram a última das quatro represas do Klamath. A demolição foi o resultado de uma decisão histórica de 2022, na qual os órgãos reguladores federais autorizaram a remoção das represas e a restauração do rio.
A decisão marcou o ponto culminante de décadas de defesa, protestos e ações legais dos Yurok. Cordalis desempenhou papel fundamental nesse esforço. Ela liderou a petição aos reguladores e ajudou a construir um acordo negociado com a Califórnia, o Oregon e o proprietário das represas que resultou na desativação das estruturas.
“Pensei que seríamos a geração que testemunharia o colapso e a morte completa do rio”, conta ela. “Mas agora seremos a geração que verá o renascimento e a restauração do nosso ecossistema, da nossa cultura e da nossa força vital”.
Por seu compromisso com os direitos indígenas e a gestão ambiental, Cordalis foi nomeada na categoria Inspiração e Ação do prêmio.
“Os povos indígenas estão na linha de frente da conservação global. Capacitá-los pode ajudar a promover ecossistemas saudáveis para todos”, explica Inger Andersen, do PNUMA. “O ativismo incansável de Amy Bowers Cordalis e a mobilização da comunidade levaram a uma vitória decisiva para a saúde do ecossistema e a gestão ambiental. Isso pode inspirar ativistas e defensores dos direitos indígenas em todos os lugares”.
Gabriel Paun é fundador da ONG Agent Green, com a qual, desde 2009, tem ajudado a salvar milhares de hectares de natureza na Cordilheira dos Cárpatos, uma barreira de montanhas que se estende por 1.500 km desde a República Tcheca, passando pela Eslováquia, Polônia, até chegar na Romênia e virar colinas na Ucrânia. Trata-se de um dos últimos remanescentes das florestas antigas da Europa.
A região sofre com a destruição e a extração ilegal de madeira empreendidas por um “grupo de madeireiros desonestos” que Gabriel chama de máfia florestal. Não é pra menos.
Gabriel já foi agredido, perseguido e ameaçado de morte diversas vezes – até uma recompensa foi oferecida por sua cabeça! – devido ao trabalho de documentação do desmatamento dessa área vital para o ecossistema, que abriga uma biodiversidade única, como lobos e linces.
“Não estou lutando apenas pelas árvores, mas por todo o ecossistema florestal, incluindo as milhares de espécies que vivem abaixo e acima do solo”, disse ele ao PNUMA. “Florestas primárias e antigas são de suma importância. Tenho todos os motivos para dedicar minha vida e carreira a elas”.
Por seus esforços na defesa do meio ambiente diante do grave perigo, Paun foi nomeado na categoria Inspiração e Ação, como Amy.
“À medida que os ecossistemas em todo o mundo são degradados e destruídos, os defensores do meio ambiente são os mais verdadeiros aliados da natureza. No entanto, eles continuam a sofrer ataques físicos, campanhas de difamação e outras dificuldades”, alerta Inger Andersen, do órgão da ONU. ”As ações corajosas e impactantes de Gabriel Paun as tornam uma inspiração para ativistas e defensores em todo o mundo que estão buscando proteger florestas e ecossistemas da destruição”.
Entre as dunas de areia ondulantes e os pilares de pedra irregulares do Deserto de Ulan Buh, na China, centenas de cientistas se reúnem no Centro Experimental de Silvicultura do Deserto, localizado na cidade de Bayannur, na região da Mongólia Interior. Eles analisam dados e preparam mudas resistentes à seca sob a orientação atenta de Lu Qi, cientista-chefe da Academia Chinesa de Silvicultura. Seu objetivo é combater a desertificação e cultivar um oásis verde em uma das paisagens mais inóspitas do país.
O Ulan Buh é um dos 12 grandes desertos da China e faz parte de um ecossistema desértico que cobre mais de um quinto de suas terras. Há milênios, o país enfrenta a desertificação e esse processo tem se intensificado devido às mudanças climáticas. As areias avançam e ameaçam terras agrícolas e vilarejos e causam prejuízos de mais de US$ 9 bilhões por ano.
A China, no entanto, tem uma solução aparentemente simples: plantar e manter faixas de florestas para bloquear a expansão do deserto. O sucesso, no entanto, depende de pesquisas rigorosas sobre escassez de água, avanços tecnológicos e, até mesmo, cooperação multilateral.
Lu é especialista em todos esses desafios. Agora, com 61 anos, está direcionando essa experiência para revitalizar o deserto. “A importante força motriz do combate à desertificação não é apenas proteger a natureza, mas também proteger nosso próprio ambiente de vida”, explicou ele ao PNUMA.
“A desertificação e a seca estão devastando o planeta e o bem-estar humano”, diz Inger Andersen, diretora-executiva do PNUMA. “Mas, ao unir ciência e política, Lu Qi mostrou que é possível combater a degradação da terra, ajudar as comunidades a se adaptarem às mudanças climáticas e criar um futuro melhor para milhões de pessoas”.
Por seus esforços no combate à desertificação – unindo ciência e engajamento multilateral -, Lu foi nomeado Campeão da Terra de 2024 na categoria Ciência e Inovação.
O ecologista indiano Madhav Gadgil aprendeu desde pequeno a importância de respeitar os direitos dos menos privilegiados. Uma das primeiras lembranças mais formativas de Gadgil foi acompanhar seu pai – um economista e estadista – em uma visita a um projeto hidrelétrico no estado de Maharashtra, na Índia. O desmatamento era desenfreado nas áreas vizinhas e o pai de Gadgil sempre questionava as compensações que a Índia estava fazendo.
“Meu pai me disse: ‘Precisamos dessa eletricidade e precisamos que a Índia progrida industrialmente. Mas deveríamos pagar o preço, que é a destruição do meio ambiente e o sofrimento da população local?”, lembra Gadgil. “Essa empatia pelas pessoas, juntamente com o amor pela natureza, foi imbuída em mim desde muito jovem”.
Essas experiências moldaram a abordagem de Gadgil à ecologia. Em uma carreira científica que se estendeu por seis décadas – levando-o dos corredores da Universidade de Harvard aos altos escalões do governo da Índia – Gadgil sempre se considerou um “cientista do povo”.
Sua pesquisa ajudou a proteger pessoas marginalizadas, a promover a conservação de ecossistemas orientada pela comunidade – de florestas a áreas úmidas – e a influenciar a formulação de políticas no mais alto nível.
Dos sete livros e pelo menos 225 artigos científicos que escreveu, o trabalho de referência de Gadgil, apelidado de Relatório Gadgil , exigiu a proteção da frágil cadeia de montanhas Ghats Ocidental da Índia em face das crescentes ameaças da indústria e da crise climática.
Por suas vastas contribuições, Gadgil foi nomeado na categoria Conquista de Vida.
“A ciência pode nos ajudar a encontrar soluções para a perda devastadora da natureza que nosso mundo está sofrendo. Madhav Gadgil tem demonstrado isso há décadas”, conta Andersen, do PNUMA. “Seu trabalho promoveu a conservação e, ao mesmo tempo, demonstrou um profundo respeito pelas pessoas e pelo conhecimento da comunidade, trazendo à tona soluções duradouras para alguns dos desafios ambientais mais urgentes da Índia”.
A história da SEKEM começa no deserto egípcio com uma tenda, um trator e um piano. Em 1977, o fundador da organização de desenvolvimento, Ibrahim Abouleish, retornou ao Egito depois de 20 anos trabalhando no exterior com química e farmacologia.
Naquela época, o Egito estava enfrentando um dilema. Precisava alimentar uma população em rápido crescimento, mas seu setor agrícola era subdesenvolvido, as terras agrícolas estavam sendo perdidas para o deserto e o uso excessivo de pesticidas e fertilizantes químicos estava envenenando os solos.
Assim, em uma área intocada do deserto a nordeste do Cairo, Abouleish montou uma tenda e fundou a SEKEM. Batizada com o nome de um hieróglifo que significa “vitalidade do sol”, a organização logo se tornou um centro de agricultura biodinâmica, uma forma de agricultura orgânica que enfatiza a harmonia entre a natureza, o desenvolvimento humano e a espiritualidade.
Os dois primeiros investimentos de Abouleish foram um trator e – para surpresa dos pequenos agricultores locais – um piano. Seu filho, Helmy Abouleish, atual diretor-executivo da SEKEM, diz que o piano simbolizava a importância das “emoções e sentimentos” na reconexão da humanidade com a natureza. Os dois dirigiram a SEKEM juntos até a morte de Ibrahim em 2017.
“Para meu pai, sempre se tratou de construir uma relação com o deserto, onde, a partir de basicamente nada, você cria um organismo”, contou Helmy com um sorriso durante entrevista ao PNUMA.
Agora, 47 anos depois de sua fundação, a SEKEM se transformou em uma organização de desenvolvimento multifacetada que está ajudando a combater a desertificação, a construir sistemas alimentares resilientes, a combater a pobreza rural e a enfrentar a crise climática. Até o final do ano, a empresa terá ajudado 15 mil agricultores a mudar para a agricultura biodinâmica desde 2022, estendendo a prática por cerca de 19 mil hectares de terras agrícolas.
A reabilitação de terras degradadas e desertos pela SEKEM em ecossistemas funcionais e produtivos oferece um alívio muito necessário para ecossistemas em ameaçados, segundo especialistas. Globalmente, 12 milhões de hectares de terra capazes de produzir 20 milhões de toneladas de grãos são perdidos anualmente devido à seca e à desertificação.
Por seus esforços para lidar com a degradação e a desertificação da terra e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento sustentável, a SEKEM foi nomeada na categoria Visão Empreendedora.
“Com muita frequência, a maneira como a humanidade produz alimentos é simplesmente insustentável. Isso ameaça tanto o mundo natural quanto nossa capacidade de nos alimentarmos a longo prazo”, explica Inger Andersen, do órgão da ONU. “A SEKEM mostra que é possível fazer com que os sistemas alimentares funcionem para as pessoas e para o planeta, o que é vital para superar crises ambientais como a desertificação e restaurar o equilíbrio da humanidade com a natureza”.
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Foto (destaque): Camila Moraes / PNUMA
Com informações do PNUMA