Um conjunto de 31 redes e organizações da sociedade civil divulgou um manifesto criticando propostas que vêm sendo feitas na campanha à Presidência contra o meio ambiente . O texto condena, por exemplo, as ideias de retirar o Brasil do tratado internacional de mudanças climáticas, o Acordo de Paris, e de fundir do Ministério de Meio Ambiente (MMA) ao de Agricultura.
Além de organizações específicas, o texto é assinado por redes que congregam centenas de outras organizações, como a Rede Mata Atlântica (RMA), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Observatório do Clima.
As instituições que assinam o documento consideram que a extinção ou enfraquecimento dos órgãos ambientais pode provocar a explosão das taxas de desmatamento e colocar “em risco quatro décadas de avanços na proteção do meio ambiente”. Lembram ainda que, conforme os cientistas, caso a derrubada da floresta ultrapasse 25% (hoje ela está em 19%), a Amazônia pode se transformar numa savana, o que colocaria em risco o regime de chuvas de grande parte do país.
As organizações reforçam que a saída do Brasil do acordo de clima pode prejudicar o comércio e a imagem internacionais do país tendo em vista as crescentes exigências do mercado quanto à sustentabilidade.
O texto condena ainda as propostas de enfraquecer ou mesmo acabar com o licenciamento ambiental; facilitar o uso de agrotóxicos; abrir as áreas protegidas a atividades de alto impacto ambiental; e a defesa do “fim do ativismo” no país.
“Meio ambiente é coisa séria. Diz respeito à nossa qualidade de vida e ao mundo que deixaremos para nossos filhos, seja qual for a nossa forma de pensar, agir e lutar. A sua proteção constitui direito fundamental de toda a sociedade brasileira, configurando-se como pauta apartidária. O próximo Presidente da República tem o dever de reconhecer e se comprometer com a proteção das conquistas ambientais da sociedade. É preciso caminhar em direção à Constituição Cidadã; não se afastar dela”, alerta o manifesto.
O documento está sendo divulgado pouco depois de uma manifestação realizada em frente à sede do MMA, em Brasília, também contra a extinção e fragilização dos órgãos ambientais. Além de ONGs, a mobilização incluiu as associações de servidores do ministério e de órgãos a ele subordinados.
Leia abaixo o manifesto na íntegra:
Desvalorizar o meio ambiente é um risco para todo brasileiro
Patrimônio e direito de toda a sociedade, cabe a ela não abrir mão de seu capital natural.
Estamos a poucos dias do segundo turno das eleições. O momento é desafiador para os brasileiros e para o Brasil. Chegou a hora de se unir a favor da proteção do meio ambiente, direito e patrimônio de toda a sociedade brasileira.
O Brasil detém a maior biodiversidade do mundo e belas paisagens naturais que atraem anualmente milhares de turistas. O futuro e o desenvolvimento do País também dependem da boa gestão do seu capital natural. Aqui está a maior área de floresta tropical contínua do planeta, que ajuda a regular o clima, produzir água, estocar carbono nas árvores, manter solos férteis para a agricultura, reduzir o risco de desastres naturais, dentre tantos outros serviços. O país não pode abrir mão da proteção conferida ao meio ambiente pela Carta Cidadã de 1988.
A economia brasileira, hoje em grande medida conectada aos mercados globais, depende do equilíbrio entre produção e proteção ambiental para prosperar. Retrocessos na agenda ambiental do País podem representar riscos enormes à reputação das empresas e produtores brasileiros, colocando o Brasil na contramão do movimento global de transição para a economia de baixa carbono.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seus órgãos têm papel central na implementação das políticas ambientais, que não se resumem àquelas afetas ao setor agropecuário, englobando, entre outros, a preservação dos biomas brasileiros, a proteção da biodiversidade e o combate à biopirataria, o combate ao desmatamento ilegal e outros crimes ambientais. Além disso, define e efetiva áreas protegidas, controla os variados tipos de poluição e de resíduos sólidos, gerencia os recursos hídricos, analisa a sustentabilidade de empreendimentos de impacto ambiental e combate às mudanças climáticas.
Eventual extinção do MMA, com a sua incorporação ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e o esvaziamento das funções de seus órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), resultaria em violação sem precedentes a todo o Sistema Nacional do Meio Ambiente, desenvolvido a partir da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981.
A subordinação de tais funções à pasta da agricultura, além de demonstrar franco desconhecimento do tema, geraria conflitos de interesses insuperáveis e colocaria em risco quatro décadas de avanços na proteção do meio ambiente. A eliminação do licenciamento ambiental, um dos principais instrumentos da política ambiental, e a ampliação do uso de agrotóxicos no País, retirando da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do IBAMA a competência de avaliar os impactos à saúde da população e ao meio ambiente, expõem toda a sociedade nacional a danos irreversíveis.
O anúncio de uma possível saída do Brasil do Acordo de Paris é inconsequente e demonstra desprezo a um dos mais importantes tratados internacionais de proteção ao meio ambiente, às presentes e futuras gerações, podendo gerar enormes prejuízos diplomáticos e comerciais ao País. Mais de 95% dos cidadãos brasileiros consideram que as mudanças climáticas já afetam o Brasil. Líderes de todo o planeta, a exemplo do Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, alertam que o mundo corre riscos de danos irremediáveis diante das mudanças climáticas, com consequências desastrosas para toda a população mundial e os sistemas naturais que a sustenta.
Na mesma direção, a proposta de abrir Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação à mineração, à agropecuária e demais atividades de impacto desconsidera a sua essencialidade para a sobrevivência física e cultural de povos e comunidades tradicionais e também para o equilíbrio ambiental, visto se tratar das áreas mais preservadas de todo o País.
Defender o fim do ativismo – inclusive do ambiental – representa afronta à Constituição Federal e à democracia, que asseguram livre direito de expressão, de organização, manifestação e mobilização social na defesa de direitos. Isso se torna ainda mais grave em função da posição ocupada pelo Brasil de recordista mundial em assassinatos de defensores do meio ambiente.
Tais medidas, ao arrepio da Constituição, podem fazer explodir o desmatamento na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica e nos demais biomas brasileiros, que já é alto. Se isso acontecer, o País todo vai sofrer, não só porque perderemos irreversivelmente nossas fauna e flora, mas também porque é da floresta conservada que depende o regime de chuvas de todo o continente sulamericano, que viabiliza, por exemplo, a irrigação de plantações agrícolas no Brasil ou que mantém cheios os reservatórios do Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A ciência brasileira nos alerta: se o desmatamento da Amazônia atingir entre 20% e 25% (o desmatamento acumumulado atualmente é de 19%), a floresta entrará em um “ponto de não retorno”, a partir do qual todo o seu equilíbrio será modificado, passando por processo irreversível de savanização, com a perda de seus serviços ambientais. Ademais, é no Cerrado, cujo desmatamento já ultrapassou 50%, que estão as nascentes dos mais importantes rios brasileiros, como o Paraná, o Tocantins e o São Francisco. Para além de todos os riscos ambientais, a adoção das propostas em tela terá impactos negativos nas relações comerciais do Brasil com os demais países do mundo.
Diante da gravidade deste cenário à área socioambiental, as organizações signatárias vêm alertar à sociedade brasileira e à comunidade global sobre os riscos concretos e irreversíveis a que estão expostas.
Meio ambiente é coisa séria. Diz respeito à nossa qualidade de vida e ao mundo que deixaremos para nossos filhos, seja qual for a nossa forma de pensar, agir e lutar. A sua proteção constitui direito fundamental de toda a sociedade brasileira, configurando-se como pauta apartidária. O próximo Presidente da República tem o dever de reconhecer e se comprometer com a proteção das conquistas ambientais da sociedade. É preciso caminhar em direção à Constituição Cidadã; não se afastar dela.
Assinam:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Associação dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Asibama-DF)
Associação Nacional da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Ascema- Nacional)
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Conectas Direitos Humanos
Coordenação das Organizações Indígena da Amazônia Brasileira (Coiab)
Ecologia e Ação (ECOA)
Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo (FREPESP)
Frente por uma Nova Política Energética
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD)
Greenpeace
Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba)
GT Infraestrutura Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé)
Instituto Ethos
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
International Rivers Network (IRN)
Observatório do Clima
Operação Amazônia Nativa (OPAN)
Rede Cerrado Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
Rede Pantanal
SOS Mata Atlântica
Terra de Direitos
WWF-Brasil
#Eleições 2018 #IssoÉAtivismo #Resista
*Texto publicado originalmente em 19/10/2018 no site do Observatório do Clima
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Foto: divulgação