Algumas coisas que a mata não precisa mais encontram serventia na cidade. Alguns resíduos que a roça dispensa, também podem ser aproveitados na cidade. E muitos itens que a própria cidade joga fora ainda são úteis. O reaproveitamento depende de conhecimento e técnica, além das ferramentas certas. No caso do reuso de madeira, é bom acrescentar uma dose de paixão, arte e olho vivo!
Há dez anos, Gustavo Dias, da WooDesign, é um garimpeiro de madeira para reuso. E dos bons! Ele vive vasculhando as matas e as roças da região de Agudos, no interior de São Paulo, onde a família tem uma fazenda (que ele frequenta desde os dois anos de idade e onde montou seu ateliê por quatro anos). Quando topa com pedaços de troncos, galhos ou raízes caídos, semienterrados e, principalmente, secos, ele recolhe. Quanto mais velho e curtido pelo tempo, melhor. Às vezes é preciso cortar, como as galhadas de laranjeiras que secaram em pé, num antigo pomar vizinho. Mas o uso de motosserra é raro, só mesmo para separar a parte da madeira que interessa.
Com uma batida de facão, Gustavo sabe se a madeira é boa ou não e até arrisca identificar a espécie, primeiro confirmada pelo saber empírico de Braz Querenciano, capataz da fazenda e companheiro de andanças, e depois reconfirmada por uma avaliação da casca e das propriedades físicas, em consultas a livros. “Se tem cupim ou está podre, deixo onde encontrei, para os bichos. Se dá para aproveitar, eu coleto. A lista de espécies é grande, já trabalhei com mais de 40 madeiras nativas. E não existe madeira ruim: existe madeira mole, dura, leve, resistente… A madeira é uma matéria-prima muito generosa”, diz Gustavo.
Em geral, a peça na qual cada pedaço de madeira vai se transformar nasce da primeira impressão, eventualmente rascunhada num caderninho. “Não sei projetar, faço um rabisco só para guardar a ideia”, justifica o artista. Ele leva o material bruto para sua marcenaria, em Piracicaba, e então lixa, aplaina, corta, gabarita, mistura a outros materiais (como metal e vidro), encera e trata até concretizar o esboço feito de cabeça. São bancos, luminárias, mesas, mesinhas, gamelas, fruteiras, cabides e até bijuterias (só com as partes de aço e pintura terceirizadas), para aproveitar ao máximo cada pedacinho de madeira.
As peças são únicas. Mesmo aquelas que fazem parte de séries, como as fruteiras-cactus, são diferentes entre si. “É mais um trabalho de escultor, de subtração do que não presta para deixar a essência. Não faço uma peça igual à outra, porque a natureza é assim, uma árvore nunca é exatamente igual à outra”, acrescenta.
Na finalização entram outros produtos da biodiversidade brasileira, como a cera de carnaúba. E outros produtos naturais ou misturados, como óleo de coco, linhaça, óleo bana (mineral). “Se a peça é gourmet, para cozinha, uso o óleo de coco, que protege sem ranço”, revela o designer.
Gustavo Dias não tem preconceito e também garimpa nas caçambas de entulhos de obras. Já encontrou muita madeira de boa qualidade, desprezada em meio aos resíduos, como a peroba com a qual fez o banquinho totó (tem esse nome porque parece um cachorrinho). Aliás, ele tem um carinho especial por banquinhos e sonha ir ao Xingu aprender com os indígenas sobre a ciência dos banquinhos deles, que misturam função, crença e arte. “Quando se consegue juntar essas três coisas, é o melhor produto de design: quem usa cria uma relação afetiva com a peça e não se desfaz dela só porque a moda passou. Então essa pessoa consome menos, tem uma vida mais feliz e isso é melhor para a natureza”.
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Fotos: Gustavo Dias (ao alto, gameleira de caviúna) e Liana John (de cima para baixo: banco com porta-revista, fruteiras-cactus, banquinho totó/banquinho aranha e Gustavo Dias trabalhando)
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