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Raoni e Papa Francisco dão ‘aquele abraço’ no final da viagem do líder indígena pela Europa, que também passou pelo Festival de Cannes

Raoni e papa Francisco

A viagem de Raoni e sua comitiva à Europa teve inúmeras passagens marcantes e registros lindos, como já contei aqui, mas nenhum foi mais tocante do que esse abraço entre o cacique Kayapó e o Papa Francisco, no Vaticano. Desde 12 de maio, Raoni, 87 anos, está em tourné para denunciar as ameaças à Amazônia e aos povos indigenas e pedir apoio financeiro a chefes de Estado para fortalecer a segurança da Terra Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Ele já passou por Paris, Bruxelas, Luxemburgo, Mônaco e Cannes (onde participou do famoso Festival de Cinema, como conto mais adiante, neste post).

O pontífice – que é bastante engajado às questões ecológicas desde a publicação da encíclica Laudato Si, em 2015 – o recebeu em audiência privada na Casa Santa Marta na manhã de hoje, 27/5. O diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti, disse que este encontro reiterou “a atenção pela população e pelo ambiente da área amazônica, e o seu compromisso pela preservação da Casa Comum”.

Acompanhado por Tapi Yawalapiti, um dos líderes indígenas que integra sua comitiva, Raoni contou ao Papa Francisco sobre as ameaças à Amazônia e ao Xingu, provocadas principalmente por madeireiros, mineradoras e o agronegócio. O pontífice, por sua vez, contou que presenciou situação semelhante quando, em janeiro de 2018, visitou Puerto Maldonado, cidade rural no sudeste do Peru, cercada pela floresta amazônica.

Gisotti também destacou que a audiência entre o Papa e Raoni insere-se no contexto da preparação para a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a região Pan-Amazônica. Ela será realizada de 6 a 27 de outubro, no Vaticano, e terá o tema Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e por uma Ecologia Integral”. Seu objetivo é ajudar a buscar soluções para os povos dessa região, que engloba nove países, detêm 34% das florestas primárias, de 30% a 50% da fauna e flora mundiais, é habitada por cerca de 34 milhões de pessoas e abriga 20% da água doce não congelada do mundo.

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A viagem de Raoni coincide e é fruto das tensões provocadas pelo governo Bolsonaro, que ataca os povos indigenas sempre que tem uma oportunidade, ao mesmo tempo que finge se preocupar com eles. Critica o que chama de “indústria” de demarcação de terras, que impediriam projetos de desenvolvimento da Amazônia, e que pretende rever essas demarcações. Também defendeu a ampliação das atividades de mineração e agropecuária em terras indígenas. Em abril, Bolsonaro disse propor a Donald Trump a exploração da região amazônica em parceria com os Estados Unidos. E por aí vai…

Preocupado, de forma legítima, está o papa com as ameaças contra o santuário da biodiversidade, que é a Amazônia, claro que embasado pelo interesse de disseminar sua cultura religiosa, não podemos ignorar, certamente evitando a expansão dos evangélicos que parecem dominar as crenças na região, entre os indigenas já dominados pela cultura do branco.

No tapete vermelho

Depois de visitar o grão-duque em Luxemburgo, o cacique Raoni e sua comitiva – composta por Bemoro Metuktire (seu assessor) e os lideres indigenas Tapi Yawalapiti e Kaiulu Kamayurá – foram à Cannes, na Riviera Francesa, para participar do famoso Festival de Cinema. Sim, aquele onde o cinema brasileiro foi muito bem representado e reconhecido: os brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Bacurau) e Karin Aïnouz (A Vida Invisível de Eurídice Gusmão) foram premiados.

Raoni queria passar por lá para fazer as mesmas denúncias que marcaram todas as suas visitas pela Europa e pedir apoio financeiro para reforçar a segurança da Terra Indígena do Xingu. Claro que encantou os participantes e a plateia do festival com sua presença.

“Não param de destruir o mato. Não é só o índio que vai morrer”, alertou. “Estou muito preocupado. Vocês têm que nos ajudar a criar a cerca. Se destruírem tudo, será difícil respirar. O sol vai ficar mais quente. Os espíritos estão me dizendo. Deus está vendo tudo morto”.

Acompanhado de Kaiulu (blusa amarela, abaixo), Tapi, Bemoro e do escritor e diretor belga Jean-Pierre Dutilleux (na foto acima, no centro; na foto abaixo, no canto direito), ele caminhou pelo tapete vermelho e, em seguida, assistiu a exibição do longa “Sibyl”, da diretora francesa Justine Triet.

Nos anos 70, Dutilleux dirigiu o documentário Raoni sobre o líder indígena, junto com o brasileiro Luiz Carlos Saldanha. Em 1977, o filme foi selecionado para o Festival de Cannes e, em 1979, chegou a concorrer ao Oscar. 

O objetivo da missão de Raoni à Europa – chegou a Paris no dia 12 de maio – é denunciar a violência contra os povos indigenas, o desmatamento da Amazônia e também obter apoio financeiro para a construção de uma cerca verde de bambu em torno da reserva do Xingu, no Mato Grosso, e para a compra de drones e outros equipamentos de segurança para a proteção da reserva.

Em todos os lugares por onde passou, prometeu que vai falar com Bolsonaro quando voltar ao Brasil. “Tenho que explicar direitinho para ele”, disse. “Os fazendeiros estão matando índio, os garimpeiros estão matando meus parentes. Estão acabando com a madeira e o mato vai acabar”. Vamos apoia-lo, mesmo conhecendo bem a índole do famigerado presidente.

Importante levar em consideração que Raoni já está com 87 anos. Não foi à toa que, desta vez, viajou na companhia de duas lideranças indigenas importantes no Xingu – Tapi e Kaiulu -, além de seu assessor, Bemoro. Está começando a “passar o bastão”.

Além disso, esta viagem marca 30 anos da primeira vez que saiu do Brasil para uma tourné com o cantor Sting por 17 países. O músico o ajudou muito a conquistar notoriedade internacional na luta pela proteção dos povos do Xingu. E foi um dos apoiadores desta viagem que pode ser a última missão dessa magnitude. Ainda não sabemos qual o saldo material da viagem, mas a visibilidade obtida por ele e sua comitiva com certeza trouxe e trará lindos frutos. Como o abraço entre os dois, que eu reproduzo, de novo, abaixo.

No Festival de Cinema de Cannes, o cinema brasileiro foi premiadíssimo. ‘Bacurau’, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ganhou o terceiro maior prêmio do júri e ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’, de Karim Aïnouz, venceu na segunda maior mostra paralela intitulada ‘Um Certo Olhar’.

Na premiação, Aïnouz contou sobre a realidade brasileira e disse: “Que o futuro seja melhor do que o presente!”. Vai ser. Na verdade, já começou com estes líderes indigenas que a gente só pode aplaudir e apoiar.

Foto: Vaticano e Reprodução Facebook e Twitter

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