Criado em 2009 e exibido em 2016 numa exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York – que apresentava soluções arquitetônicas para a crise global dos refugiados – o projeto Teeter-Tootter Wall de Ronald Rael, arquiteto, e Virginia San Fratello, designer, só se materializou e foi instalado em 2019, como contamos aqui.
Suas gangorras cor-de-rosa fluorescente foram instaladas pelos dois acadêmicos (Rael, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Virginia, da San José University, em São José, Califórnia), em parceria com o coletivo artístico Chopeke, em trechos da cerca que divide o México e os Estados Unidos: como na divisa entre El Paso, no Texas, e Ciudad Juárez (de onde é o coletivo). Esta fronteira é um dos lugares mais tensos do planeta.
A instalação durou cerca de 40 minutos, mas cumpriu o objetivo dos ativistas: promover a interação entre as pessoas dos dois lados e ganhar a internet, ampliando a discussão sobre migração.
Esta semana, foram anunciados os vencedores do prestigioso prêmio Design of the Year 2020 (Beazley), do The Design Museum, de Londres, que apresenta projetos de “design para um mundo em mudança”. E o Teeter-Tootter Wall foi o grande vencedor: venceu a categoria Transporte e foi escolhido como o melhor pelo júri, que reconheceu que o projeto não é apenas “simbolicamente importante”, mas destaca “a possibilidade de paz”.
Para o jornal britânico The Guardian, os premiados ativistas disseram que esperam que o projeto ajude as pessoas a reavaliar a eficácia das fronteiras e incentive o diálogo em vez da divisão.
“Acho que está cada vez mais claro, com os recentes acontecimentos em nosso país, que não precisamos construir muros, precisamos construir pontes”, enfatizou Virginia.
Para Rael, “as paredes não impedem as pessoas de entrarem em nosso Capitólio. As paredes não impedem que os vírus se movam. Temos que pensar em como podemos estar conectados e juntos sem nos machucar”.
E por que os designers escolheram o cor-de-rosa fluorescente para pintar as gangorras? O arquiteto explica que eles se inspiraram nos memoriais do feminicídio em Ciudad Juarez, que homenageiam as mulheres assassinadas na cidade. E que a obra também foi influenciada por cartunistas políticos que falaram sobre a questão da fronteira “de uma forma muito franca, mas com humor”.
O muro não é só legado de Trump!
O “muro da fronteira” foi vinculado ao ex-presidente Donald Trump devido às suas atitudes e declarações desumanas contra os refugiados e seu empenho em manter os imigrantes longe dos americanos. Ele ordenou separar as crianças de seus pais, inclusive!
Mas Rael e Virgínia lembram que, tanto George W Bush quanto Barack Obama, são responsáveis por grandes trechos dessa barreira e que têm, em seu currículo, a deportação de milhares de pessoas.
“Trump disse que iria construir um muro entre México e Estados Unidos como se fosse um salvador, mas, na verdade dois terços dele já estavam construídos”.
Em uma de suas últimas viagens como presidente, Trump visitou o trecho do muro da fronteira no Vale do Rio Grande, no Texas, e se gabou por ter cumprido a promessa de construir um “grande e belo muro”.
A priori, o ex-presidente (que felicidade escrever assim: ex!) foi responsável por mais de 450 milhas de muro. Mas, segundo dados do órgão US Customs and Border Protection dos Estados Unidos (Alfândega e Proteção de Fronteiras), grande parte da construção substituiu as grades que já estavam lá, como uma reforma. Trump é, na verdade, responsável por cerca de 80 milhas.
Uma das primeiras decisões do presidente eleito, Joe Biden, que tomou posse esta semana – como contamos aqui -, foi derrubar os decretos que proibiam a entrada de cidadãos de diversos países muçulmanos e acabar com o financiamento para a construção de um muro (substituindo a grade) na divisa com o México.
A migração para os Estados Unidos é um tema bastante delicado. Tomara que Biden saiba lidar com ele com humanidade e justiça.
A migração – provocada também pelas mudanças climáticas – faz e fará cada vez mais parte da realidade do planeta. Precisamos aprender a lidar com ela e a receber esses povos com mais compaixão: com firmeza – afinal, cada país tem suas leis -, mas sem perder a ternura, jamais.
E se a ficção se confirmar, quem pode precisar de abrigo é quem tem rechaçado seus vizinhos por anos, como mostrou o filme Um Dia Depois de Amanhã, de 2004, no qual o ator Denis Quaid fez o papel de um climatologista.
A imagem do coronavírus, uma escola para fugir de despejos e os tijolos dos manifestos de Hong Kong entre os vencedores
A edição de 2020 da competição Design of The Year, do The Design Museum, teve mais de 70 inscritos, entre eles o cenário do filme ‘Parasita’, de Lee Ha Jun, o filme sul-coreano vencedor do Oscar, e o colete à prova de balas e facadas criado pelo street artist Banksy (abaixo) e usado pelo rapper britânico Stormzy durante o Festival de Glastonbury, em 2019, que ficaram de fora.
‘A exposição deste ano explora os principais momentos do design de janeiro de 2019 até o momento em que a atenção global mudou no final de janeiro de 2020, quando a pandemia COVID-19 tomou conta – os projetos selecionados respondem a questões urgentes de desigualdade e saúde, e possibilidades de design e tecnologia”, declarou Tim Marlow, diretor do The Design Museum, ao site Art Review.
Além do Teeter-Totter Wall, outros seis projetos foram contemplados nas categorias Arquitetura, Digital, Moda, Gráficos, Produto e Escolha do Público. Vejamos…
Modskool: uma escola para fugir de despejos
Na categoria Arquitetura, venceu o Modskool, do Social Design Collaborative, que é um projeto modular para a construção de uma escola de baixo custo, que pode ser levantada em poucos dias e desmontada em poucas horas. Ele foi criado como resposta aos repetidos despejos enfrentados por favelas.
A escola modular foi inicialmente construída como uma escola de ponte para os filhos de agricultores ao longo do rio Yamuna, em Delhi, na Índia, que teve que ser transferida para o sul ao longo do rio Hindon. Atualmente, funciona como uma escola intermediária para filhos de agricultores em Kulesra, na Grande Noida. Veja, aqui, a fase 1 e a fase 2 do projeto sensacional.
O hino-protesto ‘Um estuprador em seu caminho’
Na categoria Digital, ganhou a performance Un Violador en tu Camino (Um estuprador em seu caminho) do Colectivo Las Tesis radicado em Valparaíso, no Chile.
Esse coletivo feminista e multidisciplinar – criado por três jovens de 31 anos – atua com artes cênicas, design, moda e figurino, história e música e ficou conhecido, em março de 2018, pelo hino de protesto Un Violador en tu Camino que tomou as ruas de diversas cidades pelo mundo em 2019.
Por conta dessa atuação, elas foram indicadas para o Prêmio Nobel da Paz do mesmo ano.
Telfar: bolsa vegana, anti-gênero e acessível
Na categoria Moda, venceu a bolsa Telfar, produzida com couro vegano, design sem gênero e preço baixo, disponível em uma grande variedade de cores e em três tamanhos. De acordo com os jurados, ela redefiniu o que significa luxo: “deve ser prático e financeiramente acessível”.
Foi chamada de “o acessório da década” pela revista Dazed e tornou-se muito popular e cobiçada quando recebeu o prêmio CFDA/Vogue Fashion Fund, em 2017. A empresa teve que repor o estoque e criar novas cores, que se esgotaram, online, em minutos, segundo o The Design Museum.
A representação em 3D do Sars-Cov-2
Na categoria Gráficos, venceu a imagem do novo coronavírus – identificado como Coronavírus 2 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV-2) -, que causa a doença COVID-19, e que você já deve ter visto por aí. Ela foi projetada por Alissa Eckert (MSMI) e Dan Higgins (MAMS).
O desenho foi encomendado aos dois designers pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), organização de saúde dos Estados Unidos, que abriu seu centro de operações de emergência para o surto em janeiro de 2020.
A intenção com esta representação foi ajudar a aumentar a consciência pública sobre a pandemia. A imagem mostra o vírus quando visto através de um microscópio: uma esfera cinza salpicada com pontas vermelhas brilhantes que criam a aparência de coroa do vírus.
O júri declarou que Alissa e Dan usaram iluminação, textura, contraste e cor para “dar ao vírus uma forma bonita, mas ameaçadora”, perfeita para a compreensão de seu perigo.
Impossible Burger 2.0: o vegano que os carnívoros amam
Na categoria Produto, o escolhido foi o Impossible Burger 2.0, criado pela Impossible Food. É “mais sustentável do que seu antecessor”, lançado em 2016, e também “mais saboroso, suculento e – fundamentalmente – mais carnudo”.
Com um detalhe: não é feito de carne e, sim, de proteínas vegetais – portanto, perfeito para veganos! -, mas tem sido muito apreciado pelos carnívoros.
Qual a razão? O The Design Museum conta: “tem certificação kosher e halal, não tem glúten e é fortificado com tanto ferro e proteína quanto uma porção comparável de carne moída”. Por isso, conquistou “milhares de restaurantes e está entrando em supermercados em todo o mundo”.
‘Brick Arches’: os tijolos que ‘infernizaram a polícia de Hong Kong
O público escolheu as pequenas estruturas feitas de tijolos comuns e montadas no formato de dólmens utilizadas por manifestantes do movimento pró-democracia de Hong Kong como barreiras para reduzir a velocidade dos veículos da polícia, durante os protestos de 2019.
Ao ser atingido por uma roda, o bloco superior cai deixando os dois tijolos restantes que, juntos. formam um contraforte que impede a roda de avançar. Mais fáceis de fazer e dificílimos de limpar do que bloqueios usados em estradas comuns, os tijolos se espalharam pelas vias da cidade quando os protestos aumentaram.
Os arcos foram chamados localmente de ‘mini-Stonehenges’ ou ‘brick battlegrounds’ (campos de batalha de tijolos, em tradução livre).
Diante destes projetos, não há dúvida de que o design e a tecnologia podem transformar o mundo, para melhor. Muito inspiradores, todos os projetos.
Fotos: Divulgação/The Design Museum
Fontes: The Design Museum, The Guardian, Art Review