Durante uma de suas aulas de Biologia sobre impactos ambientais para alunos do Ensino Médio, o professor gaúcho Enrico Blota citou alguns fatores que contribuem para o aumento de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera e consequentemente, o aquecimento global. Ele mencionou, por exemplo, como são necessários 15 mil litros de água para a produção de apenas 1 kg de carne e ainda, como as vacas liberam gás metano – um processo natural, mas como atualmente o rebanho mundial é gigantesco para atender a crescente demanda pelo produto, a emissão desse gás atingiu níveis nunca antes registrados.
Tudo o que Blota ensinou para os alunos da Escola Mario Quintana, em Pelotas, no Rio Grande do Sul, são fatos comprovados pela ciência. E não há nada de novo aí. Há décadas cientistas ressaltam que é preciso reduzir o consumo de carne.
O que Blota nunca iria imaginar é que, após 22 anos de magistério, ele estaria envolvido numa polêmica enorme por levar para a sala de aula informações verídicas e muito importantes sobre as mudanças climáticas.
O fato é que, enquanto estava dando sua aula, sem perceber, algum aluno tirou fotos do quadro com o conteúdo, que acabou circulando entre pais de estudantes. Blota acredita que a controvérsia surgiu porque havia em sala filhos de pecuaristas e proprietários rurais da região, mas que em nenhum momento, no ambiente escolar, eles tentaram conversar com o professor sobre o tema.
Foto feita por algum aluno na sala de aula
Já na noite do domingo, 24/04, um dos fundadores da Escola Mario Quintana, Carlos Valério, divulgou o post abaixo no perfil do Instagram da instituição, no qual chama o conteúdo de “grave equívoco” e “desprovido de fundamentação teórica, técnica e científica:
Logo após a divulgação da nota acima, vários internautas e familiares de alunos postaram comentários. A grande maioria deles se mostrou a favor do professor, assim como da ciência e da verdade -, mas muitos defenderam a posição da escola, acusaram Blota de “militante” e até, fizeram ameaças de violência física contra o profissional.
Quando o assunto começou a tomar proporções muito grandes, a Escola Mario Quintana decidiu retirar o post do ar, mas não divulgou nenhuma nota pública sobre o ocorrido. Apenas afirmou à imprensa local, que Carlos Valério não fazia parte da direção da instituição.
O Conexão Planeta entrou em contato com a escola nesta sexta-feira, 29/04, por diversas vezes, mas não teve retorno. Fomos informados que a pessoa responsável para responder nossos questionamentos não tinha chegado ainda e que estaria com problemas de saúde.
Blota está em casa, sob licença médica. “A repercussão me causou certo transtorno e indignação, pois não podemos deixar de ensinar fatos que são abordados no mundo, ainda mais sobre um assunto tão importante como os impactos ambientais. No exercício e liberdade da cátedra que nos é dado, temos a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como fatos científicos. Não é à toa que a biologia é uma ciência exata”, diz.
O professor deve voltar para a escola na semana que vem. O Sindicato dos Professores (Sinpro-RS) está acompanhando o caso.
“Não sou um ativista ambiental e, tampouco, tenho partido político ou defendo algum político. Sou um professor de biologia apartidário, mas ao lado da ciência pró ambiente e sempre ao lado do crescimento da humanidade com menor impactos ao planeta. Acredito que a consciência ambiental deva figurar não somente em coletivos, mas também nas esferas do microcosmos, afinal cada de um de nós deixaremos nossas pegadas ecológicas no planeta. Se esse planeta acabasse hoje, apenas deixaríamos átomos como lembrança molecular para que esse local siga evoluindo, ou seja, as pessoas não são nada junto ao todo que existe”, reforça Blota.
Comentário fala em “agenda ambientalmente contra o agronegócio”
Ataques dos setores ruralistas
Várias entidades locais decidiram tornar público seu repúdio contra a aula do professor da Mario Quintana. Em nota divulgada pela internet, o presidente da Associação Rural de Pelotas, Augusto Rassier, afirmou que os exemplos do professor de biologia são produtos da “desinformação” e que não devem estar presentes em nenhuma escola.
“Salientamos que o estímulo à diminuição no consumo de carne e arroz proposto pelo professor da Escola Mário Quintana consiste em produção de desinformação, que vem ancorada por ideologias que não devem passar pela porta de entrada de qualquer instituição de ensino”, escreveu Rassier.
Já o presidente do Sindicato Rural de Pelotas, Fernando Rechsteiner, disse que Blota teria colocado “a produção pecuária e orizícola como vilãs do meio ambiente”.
“Fica claro a opinião puramente ideológica, desprovida de fundamentação técnica, incompatível, a meu ver, com uma instituição de ensino”, criticou Rechsteiner.
Blota ressalta que nunca tentou demonizar o agronegócio e sabe da importância desse setor para a economia do país e sobretudo, do Rio Grande do Sul. “Obviamente, não iremos acabar com o consumo de arroz e de carne ou até mesmo não andarmos de aviões ou de carros. O fato acontecido poderia ser comparado com um acionista de uma fabricante automobilística se pronunciando contra uma escola devido ao professor ter dito que a queima de combustíveis fósseis libera poluentes cancerígenos e de impactos ao ambiente”.
Imagens: arquivo pessoal Enrico Blota/reprodução redes sociais