*Por Fernanda Wenzel
Tucunaré, pirapucu, trairão e mandubé estão entre os peixes mais consumidos pelas comunidades ribeirinhas e indígenas do Amapá. Graças ao garimpo, também estão entre os mais perigosos para a saúde. No pirapucu (Boulengerella cuvieri), foram detectadas quantidades de mercúrio quatro vezes maiores do que o limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As informações constam em um estudo publicado em julho na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública.
Os pesquisadores analisaram 428 amostras de peixes capturados entre 2017 e 2018 em cinco rios do Amapá. Os pontos de coleta ficam próximos de potenciais áreas de garimpo, onde o mercúrio é comumente usado para separar o ouro das rochas e da areia. O resultado é que todas as amostras de peixe apresentaram níveis detectáveis de mercúrio. Em 28,7% delas, a quantidade ultrapassava o limite da OMS.
O estudo — uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz, o WWF-Brasil, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) — revela os riscos a que estão submetidas as populações indígenas e ribeirinhas do estado, especialmente as crianças.
Para recolher as amostras de peixe, a equipe viajou por rios
de difícil acesso, como trechos do Oiapoque e do Araguari
“Estudos mostram que se a criança é exposta ao mercúrio ainda na barriga da mãe, ela pode ter prejuízos no coeficiente de inteligência que vão se arrastar por toda a vida. Ela vai ter dificuldade na escola, vai ter menos chances de conseguir um bom emprego e renda. Isso acaba perpetuando o ciclo de desigualdade e de pobreza”, afirma Paulo Basta, médico e pesquisador da Fiocruz. Nos casos mais graves, o bebê pode nascer com malformações.
Nos adultos, Basta explica que a contaminação pode levar a problemas motores, como dificuldade para caminhar e tremores nas mãos, alterações na audição e visão e até demência.
Segundo Décio Yokota, coordenador executivo adjunto do Iepé, indígenas de pelo menos quatro territórios se alimentam dos peixes que vivem na área do estudo: Wajãpi, Uaçá, Juminã e Galibi. Para estas populações, o peixe é a principal fonte de proteína e também o principal vetor de contaminação por mercúrio, devido à sua característica de bioacumulação.
“O peixinho come a alga, daí um peixe maior come milhões de peixinhos, que é comido por outro peixe ainda maior. Por isso os peixes mais contaminados são geralmente os topos de cadeia, que neste processo acumulam uma quantidade muito grande de mercúrio”, explica Yokota.
Isso explica a razão pela qual os peixes carnívoros apresentaram os maiores níveis de contaminação — 77,6% deles tinham mais mercúrio que o permitido pela OMS. “Se você comer esses peixes contaminados todos os dias, a cada nova alimentação você está reforçando a sua dose de contaminação”, destaca Basta.
Entre os peixes onívoros (que se alimentam de carne e plantas) essa proporção cai para 20%, despencando para 2,4% entre os herbívoros, que se alimentam apenas de plantas. Por isso, os pesquisadores aconselham que as pessoas comam no máximo 200 gramas de peixes carnívoros por semana. No caso do mandubé, pirapucu, tucunaré e trairão, o consumo deve ser restrito a uma vez por mês.
Tucunaré coletado durante a pesquisa: peixes carnívoros,
no topo da cadeia, são os que acumulam maior concentração de mercúrio
Uma orientação difícil de ser seguida por quem raramente tem acesso a outras fontes de proteína, reconhece Yokota. “O ideal seria eliminar o garimpo. Não podendo fazer isso, a gente precisa pensar em uma modificação da alimentação. Mas não podemos recomendar a pessoas que não têm outra fonte de proteína que não comam peixes. Por isso sugerimos que tentem priorizar os consumo de peixes herbívoros, que têm um grau de contaminação muito menor”.
Segundo estudo de 2014, o garimpo é a principal causa de desmatamento no Escudo das Guianas, uma área de 2,5 milhões de km2 que inclui parte do Amapá e do Pará, além da Guiana Francesa, Suriname, Guiana e parte da Venezuela. Um problema histórico que vem se agravando nos últimos anos, segundo Marcelo Oliveira, especialista em conservação da WWF Brasil.
“O que a gente ouve dos gestores das Unidades de Conservação do Amapá é que a fiscalização não tem sido efetiva, e a sinalização política federal é terrível. Se você analisar a Amazônia como um todo, [o garimpo] só vem aumentando”, afirma.
Para Oliveira, é urgente que se produzam estudos sobre o impacto da contaminação do mercúrio nos povos da Amazônia. “Sabemos que as pessoas estão contaminadas em várias regiões, como nos Yanomami, nos Munduruku… mas quais são os efeitos? Não tem investimento para se trabalhar nos efeitos da contaminação nas populações”, lamenta.
A fim de suprir esta falta de informação, ainda neste ano as mesmas instituições de pesquisa devem realizar estudos para avaliar o impacto do mercúrio sobre a saúde dos indígenas Munduruku, no Pará, e sobre as famílias ribeirinhas do Amapá.
Os pesquisadores recolheram 428 peixes de 18 locais diferentes.
Eles foram capturados por pescadores locais contratados para o estudo
*Texto publicado originalmente em 17/08/20 no site do Mongabay Brasil
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Fotos: Acervo do Iepé
Se há mercúrio na água, há mercúrio nos peixes que bebem do veneno dela e vão alimentar humanos. Esse problema de mercúrio no garimpo é uma desgraça tão antiga quando andar pra frente e parece ter o dedo do demonio nessa prática danosa, de pessoas sem noção buscando riquezas sem se dar conta de que verdadeira riqueza é a natureza destruída impunemente pelos carrascos dela, em nome da ambição, do egoismo e de políticas publicas coniventes e/ou tolerantes porque convenientes aos seus interesses mesquinhos e escusos. Tá mais do que na cara o efeito destrutivo do garimpo nas áreas carecas da floresta e na poluição das águas, mas faltam medidas enérgicas, inadiáveis, punitivas e eficazes
que, se não foram tomadas até hoje, é porque existe interesse pesado nessa praga que se espalha para destruir e matar, não em nome de Deus, não em nome de Deus.
Prezado Editor, Bom Dia!
Fico extremamente estarrecido em verificar que os mecanismos de fiscalização do Estado do Amapá, não funcionam em favor dos indígenas e ribeirinhos que fazem uso de peixes contaminados com mercúrio.
É claro e evidente que a extração de mineradoras no Estado visa dar grande lucro para as Empresas Mineradoras, devendo estas serem em condição permanente, receber fiscalização dos órgãos de controle e vigilância ambiental – para que a população que faz uso dos peixes como alimentos, não sejam contaminadas pelo mercúrio utilizado nos garimpos.
Assim, cabe ao Ministério Público do Estado do Amapá, Secretaria de Meio Ambiente, Academias e Órgãos de defesa das áreas protegidas dos cursos d’água – Bacias Hidrográficas, firmarem acordo de proteção das espécies aquáticas dos cursos d’água existentes – principalmente nas regiões de garimpo e extração de minério, sem que a população indígena e ribeirinhos, paguem com a vida, pelo consumo de peixes com alto índices de mercúrio.
Outra ação importante, é que seja desenvolvido projetos com os grupos indígenas e ribeirinhos afetados, com criatório das espécies afetadas pelo mercúrio na região, onde deve ser ter um alto valor de indenização por parte dos extratores – garimpeiros – a ser aplicado em favor dos indígenas e ribeirinhos como compensação ambiental pelos danos e impactos provocados.
Certo de que todas as providências sejam tomadas em favor da sustentabilidade nas regiões de garimpo e extração de minério, estou a disposição.
Att.,
Prof. Davi Silva Fagundes
Brasília – Distrito Fderal