Por Clara Roman*
“Desmatar é fácil, o difícil é fazer a floresta crescer de novo”, diz Artemizia Moita. A bióloga se define como predestinada – devido ao nome vegetal, por assim dizer. No fim de novembro, ela conduziu a equipe do Instituto Socioambiental (ISA) e parceiros pelo mundo da restauração florestal na Fazenda Santa Cândida, da Agropecuária Fazenda Brasil, em Barra do Garças (MT).
Plantar florestas vai ser uma das tarefas essenciais para o Brasil cumprir suas metas de reduzir 50% das emissões até 2030 e zerá-las até 2050, segundo compromisso estabelecido na Conferência do Clima da ONU em 2021 (COP-26).
Em seu discurso de posse, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou a restauração florestal como uma alternativa econômica sustentável e potente. “O Brasil tem a meta de recuperar 12 milhões de hectares de áreas degradadas, com potencial de gerar 260 mil empregos”, declarou.
Fazer uma floresta crescer onde antes havia pasto ou monocultura, porém, não é uma tarefa simples, ao contrário do que possa sugerir o senso comum. São várias técnicas possíveis e cada uma delas exige um aprimoramento minucioso.
Moita trabalha com isso há 23 anos e, depois de testar muitas delas, se decidiu pela semeadura direta, ou a muvuca de sementes, técnica que o ISA ajudou a aprimorar, executar e para a qual fornece assistência técnica para plantios da região do Xingu e Araguaia, no Mato Grosso.
Estamos em um dos celeiros da Fazenda Santa Cândida e Moita sobe numa boleia presa na traseira de um trator. A carga: mais de dois mil quilos de sementes florestais e adubação verde de 87 espécies diferentes. Estão com ela três trabalhadores da fazenda designados para a missão.
Orientados por ela, todos começam a abrir os sacos e despejar o conteúdo sobre o chão da carroceria. “Eu recomendo que todos tirem as botas e fiquem de meia, senão entra semente por todo o lado”, ela lembra.
As sementes aladas, como os ipês e carobas, só devem ser despejadas pouco antes do plantio para que não saiam voando pelo caminho. Depois de jogar todo o conteúdo dos sacos, Moita pega uma pá e começa a misturar as sementes, seguida por seus assistentes, que usam as mãos.
As várias espécies tem que estar todas bem misturadas. Cada uma delas tem uma função diferente, e um momento certo para despontar. Primeiro, são as sementes da adubação verde: o feijão de porco, a crotalaria, o feijão-guandu.
Dessas sementes, vão crescer arbustos baixos, que fazem sombra na área. É a melhor maneira de matar a braquiária, uma espécie de capim, e outras gramíneas, bem como de nitrogenar o solo naturalmente, abrindo espaço para as espécies pioneiras – como mamoninha, carvoreiro e lobeira.
Depois de seis anos, as pioneiras vão dar lugar para as primeiras espécies nativas, ou espécies-clímax, como o jatobá, os ipês ou a copaíba, que formam a floresta consolidada.
Por isso, a quantidade de sementes de cada espécie envolve um cálculo apurado, que foi sendo aprimorado nos últimos anos. A quantidade de sementes totais, adubação verde e nativas, por exemplo, foi diminuindo ao longo dos anos, de 150 kg para 70 kg de sementes por hectare.
“O misturado tá bom quando aparece o feijão, o branquinho”, Moita orienta. Quando a mistura fica boa, todos se sentam sobre a grossa camada de sementes. O trator onde está presa a boleia começa a andar em direção à área do plantio.
Moita trabalha no setor de sustentabilidade do grupo Agropecuária Fazenda Brasil (AFB). Quando uma nova fazenda é comprada, ela e sua equipe identificam áreas que, por causa da legislação ou porque não são produtivas, podem ser restauradas e tornar-se floresta outra vez.
“Comprou, resolve o problema ambiental que tem nela”, afirma. Um dos casos mais comuns é a recuperação de nascentes. Um solo degradado, sem floresta, pode acabar com uma nascente. Quando você planta uma floresta, aos poucos, essa nascente vai voltando a minar água e cumprir sua função ecológica.
O Instituto Socioambiental (ISA) fornece assessoria para mais 30 plantios no Mato Grosso, Pará e São Paulo, entre fazendas, assentamentos, terras indígenas e unidades de conservação. Ao todo, já foram 4 mil hectares convertidos em floresta.
Desde 2006, quando esse trabalho começou, foram muitos aprendizados. Cada proprietário rural tem o seu tempo para compreender a restauração ecológica e seus benefícios, que vão além do cumprimento da legislação ambiental. Quanto mais engajados os atores da restauração, melhores são os resultados alcançados.
Floresta Madura
“O que é uma floresta madura? Difícil falarmos o tempo exato que podemos considerá-la madura, se é com com 10 anos, 100 anos, mil anos. É importante que ela se estabeleça e comece a cumprir a parte ecológica dela”, explica Guilherme Pompiano, da equipe de restauração florestal do ISA.
Na própria Fazenda Santa Cândida, depois de um ano, já começou a aparecer onça, capivara, jacaré e tamanduá. É a floresta começar a voltar que os animais voltam junto.
O trator arrastando a carreta de sementes chega à área do plantio. São 32 hectares que antes serviam como área de pastagem. O solo foi preparado com várias gradagens, para inibir o crescimento do pasto por um mês. É o tempo da adubação verde despontar e impedir que as gramíneas voltem a invadir. O grupo se dividiu em dois: uma parte da expedição vai fazer o plantio a pé, a outra no trator.
Os que vão trabalhar a pé se posicionam em uma linha, com sacolinhas cheias de sementes. A cada passo, distribuem um punhado de sementes variadas, simulando uma plantadeira.
O grupo de Moita segue para o outro lado na boleia. Dois de cada lado e um nos fundos, saem jogando punhados de sementes no solo enquanto o trator vai andando de um lado para o outro. A ideia é distribuir toda a carga de sementes ao longo de 32 hectares, cuidando para nenhuma área ter muito mais sementes que a outra.
Ao fim do dia de trabalho, as sementes foram espalhadas. Agora, é deixar a natureza agir: o plantio é sempre feito em época de chuvas (outubro-dezembro), para garantir o estabelecimento da futura floresta. Moita acompanhará o crescimento e o desenvolvimento daquela área mas, na maior parte das vezes, a natureza faz seu trabalho sozinha.
“Na minha carreira, eu já fiz muito plantio com muda. Mas hoje abandonei completamente a muda e só trabalho com a semeadura direta, com a muvuca. Para plantio em escala, é o melhor custo-benefício”.
Depois do plantio, Moita nos mostra áreas em diferentes estágios de desenvolvimento. A partir de um ano, a adubação verde já está bem consolidada. Entre os arbustos, já é possível ver espécies pioneiras e até pequenas mudas de nativas que ficaram centenas de anos no local.
Na área que tem cerca de quatro anos, as pioneiras já estão crescendo. Ainda tem capim, mas o crescimento das pioneiras logo fará sombra o suficiente para acabar com ele. Em casos mais graves, que o capim é muito resistente, Moita solta alguns bois na área – nessa fase, pode ser uma técnica para acabar com o capim.
A partir dos 6 anos, o solo já se consolida como o de uma floresta: sem capim, coberto de folhas e material orgânico. Entre as pioneiras, as nativas secundárias e clímax já estão crescendo, como o pé de buriti da foto abaixo.
Moita nos conduz então para uma floresta consolidada: as pioneiras estão morrendo com o crescimento das nativas, e as espécies-clímax já estão em equilíbrio, resgatando paisagens naturais dessa região de transição entre o Cerrado e a Amazônia. O fluxo natural de dispersão de sementes e enriquecimento florestal já acontece, assim como serviços ambientais ligados à floresta, como evaporação/transpiração, enriquecimento do solo e habitat para espécies nativas.
De onde vem tanta semente?
Plantios como o de Moita e tantos outros que acontecem no Mato Grosso só são possíveis graças à Associação Rede de Sementes do Xingu. A Rede forneceu as mais de 2 toneladas de sementes utilizadas no plantio da Fazenda Santa Cândida e faz o mesmo para todos os outros plantios apoiados pelo ISA. Uma coisa não funciona sem a outra.
Para ter floresta, é indispensável o trabalho dos mais de 600 coletores de sementes em todo o Mato Grosso que, ao longo dos 16 anos da rede, já coletaram 325 toneladas de sementes.
A coleta de sementes, além de ser a base para milhares de hectares de florestas, é uma alternativa de renda para dezenas de famílias urbanas e rurais. É o caso de Vera Alves da Silva Oliveira, de 52 anos.
Depois de muitos anos trabalhando como empregada doméstica, Vera mudou de profissão: com os ganhos obtidos na coleta e venda das sementes, conseguiu ter casa própria, carro e moto.
Sua filha, Milene Alves, 24, seguiu seus passos como coletora. E, com o interesse despertado pela Rede, decidiu estudar biologia na graduação e no mestrado.
A seguir, assista ao vídeo sobre a comemoração dos 15 anos da Rede de Sementes do Xingu: “Somos uma muvuca de gente juntando muvucas de sementes para reflorestar a Amazônia e o Cerrado no Brasil. A Rede de Sementes do Xingu faz floresta e faz comunidade. Cultivando afetos, diversidade e conhecimento”.
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*Este texto foi originalmente publicado no site do Instituto Socioambiental (ISA) em 30/1/2023 e adaptado por Mônica Nunes para publicação, aqui, no Conexão Planeta
Fotos (montagem): Manoela Meyer/ISA