Enxergo as árvores como seres espetaculares e essenciais pela grande rede de conexões que mantêm com a vida, seja de maneira ecológica ou ecossistêmica, seja em termos de valores culturais, históricos, simbólicos e tradicionais. Além desses valores e da importância essencial que, muitas vezes, é pouco percebida ou pouco consciente para as pessoas, há o valor mais direto e mensurável ligado aos recursos oferecidos por elas e que são modificados e transformados pelo ser humano para atender suas necessidades. Falo, aqui, de elementos como o papel, as frutas, a madeira, a casca, as fibras, as resinas, os óleos, os pigmentos e de diversas substâncias químicas, entre outros.
O valor das árvores nunca deveria ser reduzido ao fornecimento de produtos, recursos ou matéria-prima. Uma árvore frutífera não é só provedora de frutos, assim como uma árvore que fornece látex também não pode ser vista somente como fornecedora de borracha. Mas, infelizmente, essa é a principal função que a maioria das pessoas percebe nestes seres vivos e nas paisagens à sua volta. Quanto e o que pode ser extraído das árvores e dos locais onde estão? Quanto minério dessa terra, quanto leite da vaca, quanta celulose por hectare, quanta energia com o represamento do rio, quantas frutas por ano e, assim, de maneira contínua.
Mas ainda bem que a agroecologia e permacultura têm oferecido maneiras mais equilibradas e cuidadosas de nos relacionarmos com a paisagem e as ofertas da natureza. Assim como a economia e a produção locais respeitam a sazonalidade das frutas nos mercados, por exemplo.
De certa maneira, trabalhar com o resgate da conexão do leite da caixinha com a vaca, dos ovos com a galinha e das frutas e do papel com as árvores – para citar exemplos mais diretos -, tem sido uma das formas mais eficazes para desenvolver valores e a percepção de como nossa vida é a natureza. Estabelecer esse vínculo e a consciência da origem é um salto para melhorarmos nosso relacionamento com ela.
Sonho que, um dia, muitas pessoas, principalmente as que vivem em grandes cidades e perderam essa conexão de maneira mais intensa, vivam a sensação plena de ser e estar com a natureza e as árvores, de reconhecer facilmente aquela que oferece a fruta favorita, mesmo quando está sem frutas, ou de agradecer a árvore que forneceu a substância química para o medicamento que salvou sua vida.
Então, fiz uma pequena e saborosa seleção de árvores que oferecem recursos bastante conhecidos para ajudar a estimular o reconhecimento desses seres tão inspiradores:
Cacaueiro (Theobroma cacao)
Árvore nativa das florestas úmidas da América do Sul, incluindo o Brasil, com presença tanto na região amazônica como na Mata Atlântica, a exemplo da Bahia. Provavelmente a grande maioria das pessoas já experimentou seu recurso mais popular – as sementes do cacau, conhecidas como chocolate após torradas, moídas e processadas com açúcar, leite e outras coisinhas mais. Esta árvore, que pode viver cerca de 80 anos, aos quatro anos já começa a produzir seus primeiros frutos, carregados de sementes que portam quantidades significativas de cafeína e o alcaloide teobromina. O gênero Theobroma significa “alimento dos deuses” e, segundo registros, era utilizada em celebrações astecas, mas também em pratos do dia-a-dia com seu sabor amargo, porém muito saboroso.
Caminhando pela cidade de São Paulo, pelas ruas e calçadas, já encontrei árvores de cacau. Com frutos, mas também sem eles. Apreciar as flores que brotam como pingentes, ligados aos troncos, é precioso. Suas folhas jovens possuem coloração alaranjada e são muito macias e delicadas. E veja só que interessante: em 2004, pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da Malásia publicaram artigo, na revista “Food Chemistry”, avaliando o potencial antioxidante das folhas de cacau e identificando similaridade com as folhas de chá verde. Então, agora, faço uma pergunta para os chocólotras de plantão: quem já encontrou sua árvore favorita pela cidade?
Seringueira (Hevea brasiliensis)
Da seiva espessa chamada látex, extraída desta árvore, são produzidos inúmeros produtos essenciais à vida moderna. A camisinha – ou “preservativo” -, por seu papel relevante na saúde pública mundial, já seria motivo suficiente para que agradecêssemos a existência das seringueiras, dos seringueiros e sua história. Utilizada desde tempos remotos por astecas e maias, a borracha vegetal é um marco social, histórico e econômico na sociedade moderna. Sementes da árvore nativa da região amazônica foram contrabandeadas, no final do século XIX, para gerar cerca de três mil mudas no Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra. Estas mudas, germinadas em território inglês, foram levadas para Sri Lanka, Indonésia e Cingapura, expandindo ainda mais a produção mundial desse insumo tão nobre.
Também, aqui em São Paulo, que não é a região de ocorrência natural da espécie, no inverno de 2010, encontrei exemplares de seringueira no canteiro central da Avenida Faria Lima. Eles estavam frutificando na ocasião. No Brasil, atualmente, existem centros produtores de látex na Bahia e no interior do estado de São Paulo.
Buriti (Mauritia flexuosa)
Para honrar uma família botânica valiosa para a flora brasileira – as palmeiras ou Arecaceae – escolhi um exemplar muito especial. Palmeiras são diferentes de árvores – não produzem madeira -, mas não por isso são plantas menos importantes. Pelo contrário: possuem “1001 utilidades”. Presente nas veredas do Cerrado – pois aprecia viver em solo encharcado -, no Pantanal e no bioma amazônico, a palmeira buriti é uma joia para se apreciar.
Seus frutos são consumidos de todo jeito: ao natural ou desidratados e na produção de sorvetes. As fibras de suas folhas e estipe (caule das palmeiras) servem para produzir móveis, estruturas de casas, coberturas e artesanato. A polpa e o óleo extraídos do fruto possuem grande concentração de vitaminas A, B e C. São usados como vermífugo e cicatrizante e estão presentes na composição de produtos cosméticos, que cada vez mais valorizam a nossa flora.
Quando penso no buriti, gosto de lembrar especialmente dos irmãos que conheci no Jalapão e que fazem uma linda música com a viola produzida com a estrutura central da folha dessa palmeira. Encerro esse post com o vídeo de uma de suas apresentações para que você possa apreciar seu talento com a canção “Tradição do Jalapão, Violinha de Vereda”.
Fotos: Flora brasiliensis, Juliana Gatti, Wikimedia Commons
Ótimo trabalho. Gostei muito.
Eu tenho o livro sobre árvores brasileiras. É sensacional e é bom conhecer essas maravilhas.