
Diz-se que houve um tempo em que os colibris seriam metade ave e metade mosca. Lendas sobre estes minúsculos seres alados surgiram de muitos povos, mas essencialmente das Américas, de onde eles são originários. Demoramos mais de uma década para encontrar o mais famoso de todos os colibris, o beija-flor-vermelho.
Em 2015 estivemos no Lajedo dos Beija Flores, em Boa Nova, na Bahia. Recém-adquirido pelo casal Ester Ramirez e Marcos Holanda, infelizmente era a época de migração e não tivemos chance de avistá-lo. Passado um bom tempo, em nova expedição encontramos o vermelho no Lajedo dos Cactos, em Jequié, guiados por Sidiney Vitorino, nascido e criado nos caminhos catingueiros dessa região.
Sidiney nos levou, veloz em sua moto, já que o tempo de luz para fotografar estava bem no limite. Os colibris surgem ao mesmo tempo em que as flores do cacto-cabeça-de-frade abrem, às 4 horas da tarde, pontualmente, todos os dias. A estrada de chão, podia ser boa para a moto, mas fez a nossa Toyoca chacoalhar um bocado até parar bem ao lado do lajedo. Tremíamos de emoção e locomoção.
Chegamos faltando alguns minutinhos para as 4 horas. Já apareciam os primeiros beija-flores, mas o vermelho ainda não. Haja coração!
Lendas sobre os colibris
Eurico Santos, em sua coleção de livros Zoologia Brasílica, descreve “o ciclo das lendas dos beija-flores inicia-se pela própria biologia deles, Niremberg dizia que os beija-flores eram metade ave e metade moscas e que se originavam duma mosca, e Clusius cita o relatório dum provincial dos jesuítas que pretendia ter testemunhado essa metamorfose.”
Continua: “É de crer que se trate do padre Simão de Vasconcelos, que escreveu: ‘Esta avezinha, suposto que fomente seus ovos, e deles nasce, é coisa certa que é produzida de borboletas. Sou testemunha, que vi com meus olhos, uma delas, meia ave e meia borboleta, ir-se aperfeiçoando debaixo da folha de uma latada até tomar vigor e voar’.”
“Se esse padre não foi o mais clássico de todos os mentirosos, foi o mais mentiroso de todos os clássicos”, afirma Eurico e logo emenda: “… no México, quando chegava o período invernal, os colibris se penduravam pelo bico, ao tronco das árvores, e entravam numa espécie de sono do qual só despertavam no início da boa estação.”
É certo que os beija-flores hibernam e disso temos prova. Numa noite em que a temperatura despencou na Reserva Rio das Furnas, em Alfredo Wagner (SC), um beija-flor-de-garganta-branca pousou no varal e permaneceu balançando suavemente até o dia seguinte.
Em várias lendas mexicanas, o colibri aparece como símbolo de ressurreição. Esses seres minúsculos e traquinas também povoam as lendas dos povos Guarani.
A matança em moda no século XIX
Grande mestre e ornitólogo, Helmut Sick, registrou em sua obra-prima Ornitologia Brasileira: “Os beija-flores eram, como outras aves multicolores e garças, procuradíssimos no século XIX para abastecer a indústria de modas, ligada aos mercados europeus e norte-americanos. Em 1847, S. A. Bille, comandante da corveta dinamarquesa Galathea, na sua viagem de pesquisas ao redor do mundo, teve a sua atenção despertada para a loja de Mme. Finot, modista francesa, que se especializara em confeccionar adornos para vestidos e chapéus de peles de beija-flor; Bille chegou a formular um dos primeiros protestos contra a destruição da fauna brasileira!”
“O mais apreciado era o beija-flor-cabeça-de-fogo (Chrysolampis mosquitus). Um colecionador chegou a fornecer diariamente 40 beija-flores (…) Num leilão em Londres foram vendidas 37.603 peles procedentes do Brasil e outras partes da América do Sul e Trinidad. (…) Em um único manto de senhora foram utilizados em 1905 oito mil beija-flores.” Esse povo tem muito pecado pra pagar, hein?
Finalmente, o encontro com o beija-flor-vermelho
Após minutos infindáveis as manchas vermelhas apareceram. Vinham aos montes, por todo lado. Varavam nossas vistas num balé estupendo, entre zumbidos frenéticos de asas e coreografias encantadoras.
Nessa hora é preciso muita concentração, porque é fácil esquecer do equipamento, da fotografia, dos ajustes e ficar delirando com a cena sem saber aonde ir, onde mirar, de que lado parar de tanto encanto.
Rabo-de-olho dando voltas e com as orelhas em pé, vivíamos no centro de um balé estupendo sobre o lajedo ainda quente, com o sol a se pôr, deslumbrante. Pura poética porreta.
Passada a pasmaceira, o jeito era sentar, mirar um cacto pelo visor da câmera e clicar, clicar, clicar. Até não poder mais.

O vermelho tem 9 cm e é uma das espécies mais famosas de beija-flor, com a maior extensão de penas iridescentes. Durante o cortejo, abre a cauda que brilha como ouro. Ocorre da Colômbia e Venezuela à Bolívia e no Brasil central até o Nordeste, Bahia, Minas e Espírito Santo.

Ameaçado de extinção, precisa de atenção, principalmente pelo avanço imobiliário que destrói tudo, inclusive os lajedos onde vivem os deliciosos cabeças-de-frade.

Por fim, dormimos ali mesmo na Toyoca e presenciamos outro festival, o das estrelas, e sonhamos com milhares de beija-flores de volta à vida em cada brilho no céu.

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Fotos: Renato Rizzaro