Texto atualizado em 26/6/2020 devido à frente fria, que interferiu na trajetória da nuvem
Desde que chegou à província de Santa Fé, na Argentina, a nuvem de gafanhotos está sendo monitorada por técnicos do governo. Em dois dias chegou a Corrientes, depois de atravessar o Rio Paraná. E, por conta dos fortes ventos, o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agro-Alimentar (Senasa) prevê que ela deve chegar à província de Entre Rios, ao sul.
Na noite de segunda-feira, 21/6, o governo argentino emitiu alerta de perigo para regiões que fazem fronteira com o Rio Grande do Sul, deixando produtores gaúchos e catarinenses bastante preocupados. As previsões apontavam que o enxame seguiria para o Uruguai. Nesse mesmo dia, estava a cerca de 250 quilômetros da fronteira com o Brasil, e, na quarta, chegou mais próximo, mas a frente fria – que trouxe chuva e neutralizou os ventos – parece ter segurado os insetos na Argentina.
O boletim divulgado pelo governo argentino na quarta, 24/6, indicava que não havia precisão na localização da nuvem, devido ao dia nublado e as temperaturas mais baixas”.
O governo do Rio Grande do Sul segue monitorando o avanço da nuvem, que permanece na fronteira oeste do Estado. Esse controle é feito com base na troca de informações constantes com os técnicos da Senasa, os técnicos brasileiros que atuam na fronteira, a rede de escritórios do Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de MG, que ajuda na vigilância) e os produtores da região.
Tereza Cristina, ministra da Agricultura, assinou portaria (publicada ontem, 25/6) declarando estado de emergência fitossanitária nas áreas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina próximas à fronteira.
Se a nuvem seguir curso em direção ao Brasil, “deverão ser estabelecidos protocolos e, se necessário, permitir o uso de produtos químicos e agrotóxicos no controle da praga. Produtos que hoje não estariam permitidos, mas que com a emergência é possível”, declarou o chefe da divisão de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) no RS, Jairo Carbonari, ao G1.
Trajetória inicial dos gafanhotos
A nuvem teve origem no Paraguai e desde a semana passada vem atravessando a Argentina. Mas o Ministério da Agricultura relata também que, em maio, um grupo de gafanhotos foi identificado na província de Formosa, onde destruiu lavouras de milho.
Vale destacar que as principais regiões atingidas – Santa Fé, Formosa e Chaco – produzem cana-de-açúcar e mandioca e apresentam condição climática extremamente favorável aos insetos.
A Senasa e as autoridades de cada província afetada monitoram a trajetória dos gafanhotos e os danos causados – inclusive com a ajuda de usuários das redes sociais -, mas nada efetivo pode ser feito para proteger as plantações e pastagens de sua ameaça. Por outro lado, o órgão argentino garante que eles não causam nenhuma lesão ou doença aos seres humanos.
Mudanças climáticas e agrotóxicos
Para se ter ideia da dimensão avassaladora desse fenômeno, em apenas um dia, a nuvem – que deve ter cerca de 40 milhões de insetos – se movimentou por quase 100 quilômetros, impulsionada pelas altas temperaturas e por ventos fortes.
O engenheiro agrônomo argentino, Héctor Medina, disse à agência Reuters que, juntos, em apenas um dia, os gafanhotos podem devastar pastos que atenderiam 2 mil bovinos e lavouras que alimentariam 350 mil pessoas.
E qual o motivo para a formação da nuvem de gafanhotos? Isso acontece com o aumento exagerado na quantidade desses insetos em uma região, causado pelas alterações climáticas. Alguma dúvida?
Outro fator apontado por especialistas é o desaparecimento de predadores dos gafanhotos – sapos, aves, bactérias e fungos -, afetados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
Para o entomologista e pesquisador da Embrapa Soja, de Londrina (PR), Adeney de Freitas Bueno, o clima quente e seco, associado ao desequilíbrio ambiental provocado pelo uso excessivo e incorreto de agrotóxicos nas lavouras, estimula o aumento das populações de gafanhotos.
“Há fungos, por exemplo, que são responsáveis por causarem doenças que matam os percevejos e gafanhotos. E, quando você usa incorretamente os agrotóxicos, destrói todos os microrganismos que seriam importantes para controlar, naturalmente, o crescimento da população de insetos”, explicou ao G1.
E fez uma comparação simples para facilitar o entendimento: “É como o nosso organismo. Se você tomar muito antibiótico, destrói bactérias que são importantes para o nosso organismo”.
Em excesso numa determinada região, não há comida suficiente para todos e, na falta de alimento, os famintos gafanhotos – que já são gregários -, se unem num grupo gigante para procurá-lo.
Ondas de infestação pelo mundo
Desde 1997, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) monitora enxames de gafanhotos. São muitos os registros de infestação. A seguir, estão alguns dos mais intensos, inclusive no Brasil. Este ano, a chegada dos gafanhotos são ainda mais trágicas porque se somam à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
Em 2004, o Cairo, capital do Egito, foi atingido por uma nuvem de gafanhotos que chegou a cobrir a visão das Pirâmides de Gizé. No mesmo ano, as Ilhas Canárias, a oeste do Marrocos, também foram alvo de nuvens com cerca de 100 milhões de insetos. E, antes de lá chegarem, já havia passado pela Mauritânia, por Mali e Níger, no norte da África. Chipre, no Mediterrâneo, também entrou no mapa dessa infestação.
Em 2006, Cancún, no México, recebeu um enxame de gafanhotos que arrasaram plantações pouco depois de o país ser atingido pelo furacão Wilma.
Em 2017, o Brasil registrou um surto de gafanhotos em vários municípios do Pará. Eles atacaram lavouras de mandioca, o que resultou em grandes prejuízos econômicos, além de riscos ao meio ambiente e à saúde de seus moradores devido ao uso de inseticidas.
Este ano, em janeiro, lavouras da Etiópia, Quênia e Somália, na África, foram destruídas pelos gafanhotos, afetando ainda mais a vida das 19 milhões de pessoas que vivem nessas regiões, já bastante castigadas pelas secas prolongadas. Foi uma das mais infestações de gafanhotos do deserto (Schistocerca gregaria) dos últimos 25 anos.
Em abril, foi registrada nova onda de infestação na África, desta vez Tanzânia, Uganda e Sudão do Sul e também, Irã e Yemen, colocando em risco a segurança alimentar de 20 milhões de pessoas, de acordo com a FAO.
Em maio, Índia e Paquistão foram atingidos pela praga. De acordo com a FAO, apesar das operações de controle, as fortes chuvas criaram as condições ideais para a reprodução do gafanhoto em vários países. E a previsão da FAO, na época, era ainda mais pessimista. Não só porque os filhotes se tornariam adultos vorazes em junho – nesta época, os agricultores iniciam suas colheitas -, mas também devido aos efeitos da pandemia.
“Os gafanhotos, combinados com os impactos da COVID-19, podem ter consequências catastróficas nos meios de subsistência e segurança alimentar”, afirmou QU Dongyu, diretor geral da organização.
A seguir, veja alguns vídeos com registros impressionantes das infestações na Argentina:
Fontes: Senasa, FAO, G1
Foto de destaque: Divulgação/Governo da Província de Córdoba / Foto do ataque dos gafanhotos: reprodução de vídeo