Em São Paulo – a cidade mais rica do país e a 17ª do mundo – metade dos moradores está submetida a algum grau de insegurança alimentar e nutricional. Dessas, 1,4 milhão de pessoas passam fome. É o que revela o 1º Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo (download gratuito), lançado hoje (20), que traz os primeiros resultados, com dados inéditos, sobre o acesso dos paulistanos à alimentação.
Números alarmantes
Segundo o levantamento, das 12,5%, que vivem em situação grave – não comem -, 72% residem em áreas periféricas: a zona leste concentra o maior número, seguida pela zona sul. Importante destacar que este montante é três vezes maior do que a média brasileira.
“Nós suspeitávamos que a média de insegurança alimentar de São Paulo seria maior do que a média nacional, mas surpreendeu o quão maior é essa diferença. O senso comum nos leva a achar que a fome está no campo, mas a representação mais fiel da fome é majoritariamente urbana”, disse José Raimundo Sousa, um dos coordenadores da pesquisa.
1,5 milhão (13,5%) de pessoas vive em insegurança alimentar moderada e cerca de 2,8 milhões de pessoas (24,5%) em insegurança alimentar leve (ou seja, não tem certeza se terá acesso a alimentos num futuro próximo).
O inquérito ainda destaca que mais de 5,8 milhões de pessoas tiveram que adotar alterações drásticas na alimentação: reduzir a variedade, diminuir porções, pular refeições ou até passar um dia inteiro sem comer.
A historiadora Adriana Salay, que estuda a fome no Brasil sob a perspectiva da falta de acesso a renda, comentou sobre o relatório, hoje, em seu Instagram e chamou a atenção para a situação das crianças:
“Veja este dado que horrível! 60% das casas onde vivem menores de cinco anos, estão em algum grau de insegurança alimentar. Isso significa que, em cada 10 crianças da cidade de São Paulo, seis estão comendo de forma inadequada”. Salay comanda o projeto Quebrada Alimentada, iniciativa que oferece alimentos e refeições à base de orgânicos em São Paulo.
Desigualdades
O estudo também revelou que a desigualdade de gênero e raça se reflete na insegurança alimentar. Lares chefiados por mulheres são 1,8 vez mais propensos a esse tipo de insegurança do que os chefiados por homens. E, se a responsável pelo lar é uma mulher negra, esse número aumenta duas vezes.
Em 70% das casas em que a insegurança alimentar é grave – ou seja, os moradores passam fome – a renda familiar é de até meio salário-mínimo ou R$ 701.
Outro dado importante a destacar é que, numa cidade em que o custo de vida é altíssimo, o acesso ao Bolsa Família (programa do governo federal reativado em 2023) não é suficiente para que todos os membros de uma família se alimentem, e bem. É necessário atualizar esse e outros programas sociais de acordo com os custos de cada região do país ou estado.
O inquérito também revela que 40,4% das pessoas que passam fome renunciaram a se alimentar para se locomover (pagar transporte). E 38,6% contaram que, para poderem se alimentar (ou a seus filhos), tiveram que fazer algo de que não se orgulham ou sentem vergonha e tristeza.
A pesquisa
Na apresentação, o estudo declara que os primeiros resultados deste Inquérito “trazem elementos para que possamos nos contrapor às representações da fome como um fenômeno pontual, restrito, transitório ou atípico”. E completa: “Ao mesmo tempo, ele serve de referência para a ação de todos aqueles que estão comprometidos com a superação da crise alimentar e com a erradicação da fome e de todas as formas de insegurança alimentar”.
O levantamento é resultado da parceria entre o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo (Comusan-SP), o Observatório de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de São Paulo (Obsan-PA) e pesquisadores das universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC). E sua realização foi possível graças à uma emenda parlamentar solicitada pela Bancada Feminista do PSOL.
Em nove áreas do município, foram realizadas 3,3 mil entrevistas – entre os meses de maio e julho deste ano – por pesquisadores do instituto Vox Populi.
Os entrevistados responderam a perguntas elaboradas a partir da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que é a principal referência de mensuração da fome no país. E a pesquisa utiliza amostragem baseada nos resultados do Censo de 2022.
Esta é a primeira vez que um levantamento como esse é realizado na capital paulista, mas é a segunda iniciativa no país em nível municipal.
A primeira foi em maio deste ano, no Rio de Janeiro, como resultado de parceria entre a Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria no Município do Rio de Janeiro da Câmara Municipal e o Instituto de Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os dados estão publicados no Mapa da Fome e revelam que quase um milhão de cariocas passam fome. Uma lástima!
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Foto: Lula Marques/divulgacão PT