Na última sexta-feira (26/04), um manifesto internacional, assinado por 602 cientistas das mais renomadas universidades e instituições europeias, ligadas ao meio ambiente e às ciências, e duas organizações indígenas brasileiras, foi publicado na revista Science pedindo para que os países da Comunidade Europeia condicionem os acordos comerciais com o Brasil à conservação ambiental.
“Nós solicitamos que a União Europeia condicione as negociações comerciais com o Brasil a: (i) manter a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; (ii) melhorar os procedimentos para rastrear commodities associadas ao desmatamento e conflitos de direitos indígenas; e (iii) consultar e obter o consentimento dos Povos Indígenas e das comunidades locais para definir critérios estritamente sociais e ambientais para as commodities negociadas.
A União Europeia foi fundada sobre os princípios do respeito pelos direitos humanos e pela dignidade humana. Hoje, tem a oportunidade de ser um líder global no apoio a esses princípios e a um clima habitável, fazendo da sustentabilidade a pedra angular de suas negociações comerciais com o Brasil”.
Segundo os cientistas, o alerta está sendo feito justamente no momento em que o governo brasileiro fecha novos acordos com os países da Comunidade Europeia, seu segundo maior parceiro comercial.
Os especialistas ressaltam que o Brasil possui a maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, e ainda, é habitat de uma das mais ricas biodiversidades da Terra. Por isso mesmo, tem responsabilidade moral em proteger toda essa riqueza natural.
Os signatários do manifesto decidiram publicá-lo porque estão preocupados (assim como grande parte da sociedade civil e das organizações ambientais brasileiras) sobre as medidas tomadas pelo novo governo. Já durante a campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro tinha adiantado que pretendia enfraquecer os órgãos de proteção ambiental e até, tirar o Brasil do Acordo de Paris.
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro manteve suas promessas. Com o apoio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, acontece um desmonte alarmante dos órgãos e departamentos do governo da área ambiental, enquanto a bancada ruralista se fortalece e há uma liberação desenfreada para o uso de novos agrotóxicos no país (leia mais aqui).
Enquanto isso, o desmatamento no Brasil, que já vinha em uma curva crescente na última década, continua sem freio. Um estudo divulgado na semana passada, com dados da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, pelo Global Forest Watch, uma iniciativa do World Resources Institute (WRI), revelou que o planeta perdeu 12 milhões de hectares de florestas tropicais em 2018. E o Brasil foi o país que mais desmatou.
A destruição em solo brasileiro chegou a mais de 1,3 milhão de hectares. A grande maioria dela aconteceu na Amazônia.
“As florestas, áreas úmidas e savanas do Brasil são cruciais para uma grande diversidade de povos indígenas, a estabilidade de nosso clima global e a conservação da biodiversidade. Ao trabalhar para desmantelar as políticas contra o desmatamento, a nova administração do Brasil ameaça os direitos indígenas e as áreas naturais que eles protegem”, dizem os cientistas europeus na carta.
“A União Europeia gastou mais de 3 bilhões de euros em
importações brasileiras de ferro em 2017, apesar dos padrões de segurança
perigosos e do desmatamento extensivo gerado pela mineração. Somente em 2011, foram
importadas carne bovina e ração associadas a mais de 1 mil km2 de
desmatamento brasileiro (equivalente a mais de 300 campos de futebol por dia). Por
conseguinte, a Unidade Europeia necessita urgentemente reforçar os esforços em
prol do comércio sustentável e defender os seus compromissos em relação aos
direitos humanos, proteção ambiental e atenuação das alterações climáticas.
Parar o desmatamento faz sentido econômico, já que as florestas intactas são
críticas para manter os padrões de chuva dos quais a agricultura brasileira
depende. A restauração de terras degradadas e a melhoria dos rendimentos
poderiam atender à crescente demanda agrícola por pelo menos duas décadas, sem
a necessidade de maior desmatamento”, afirmam.
O governo brasileiro respondeu à carta com críticas. Em entrevista à GloboNews, Ricardo Salles afirmou que “o manifesto não tem credibilidade e que trata-se de uma discussão comercial disfarçada”.
O ministro do Meio Ambiente repetiu ainda o discurso (praticamente um “mantra” do governo Bolsonaro) de que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.
“Há uma guerra comercial da agricultura brasileira, do agronegócio brasileiro, com os países europeus e com os Estados Unidos, enfim, com mercado internacional, para fornecer para a China, para fornecer em outros lugares. Então, tudo é pretexto para atrapalhar o agronegócio brasileiro. O Brasil é o país que mais preserva no mundo. Só de área de reserva legal em propriedades privadas, o Brasil tem o território da Itália, da Espanha e de Portugal juntos. Isso só de reserva legal. Sem contar unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas de preservação”, disse Salles.
Rebatendo o documento internacional, o ministério das Relações Exteriores veio à público também. Afirmou “que 66% do território brasileiro são dedicados à proteção e à preservação da vegetação nativa”.
“Eventuais medidas comerciais adotadas por qualquer governo estrangeiro contra as exportações agrícolas brasileiras, baseadas em diagnósticos infundados como esse seriam inaceitáveis”, ameaçou o ministro Ernesto Araújo, o mesmo que acredita que as mudanças climáticas são “conspiração marxista”.
Há motivos de sobra para todos nós (e o mundo) estarmos preocupados com a preservação das florestas e da biodiversidade brasileiras. Alguns deles? Veja as matérias abaixo.
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Foto: Thiago Foresti/reprodução Science