Ainda faltam dois votos, mas, ontem, 12 de junho, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal votou contra o Decreto Nº 9.759/2019, que Bolsonaro assinou em abril para extinguir os conselhos participativos a partir de 28 de junho. Foram nove os ministros que suspenderam a medida. O julgamento pode ser retomado ainda hoje
Celso de Mello, Carmem Lúcia, Rosa Weber, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso compreendem que o presidente não pode extinguir qualquer conselho: criado ou não por lei. Os outros quatro ministros – o relator Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux – votaram com ressalvas: Bolsonaro nao pode extinguir apenas os conselhos criados por lei.
Seja lá qual for a posição vencedora – faltam os votos de Dias Toffoli, que pediu mais tempo para analisar o caso, e de Gilmar Mendes -, o decreto está suspenso.
O que disse cada ministro
A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, destacou que a extinção dos conselhos foi feita sem nenhum critério e, ao que parece, com total falta de conhecimento do governo sobre o tema. “Se são 300, 2 mil ou 100, o governo parece não saber e, indistintamente, elimina a todos e depois pede que os mortos ressuscitem”. E acrescentou: “O propósito de desburocratização é válido e necessário, mas, ao mesmo tempo, é preciso compatibilizar com a Constituição”.
Já o ministro Marco Aurelio de Mello, relator da ação apresentada pelo PT, explicou que o presidente não pode extinguir conselhos da administração instituídos por lei e aprovados pelo Congresso Nacional, com exceção daqueles criados por decreto ou atos normativos inferiores. “É nítida a tentativa empreendida pelo chefe do executivo de escantear o Legislativo de tal processo”, disse o magistrado.
Mello ainda acrescentou outras considerações para justificar seu voto: “Ante o cenário descrito, a conclusão constitucionalmente mais adequada em sede precária e efêmera consiste em suspender, até o exame definitivo da controvérsia, a extinção por ato unilateral editado pelo chefe do Executivo de órgão colegiado que, contando com acento legal em lei, viabilize a participação popular na condução das políticas públicas mesmo quando ausente, não importa, ausente na lei, expresse indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”. Para ele, os fins não justificam os meios. Por isso, “a louvável preocupação com a racionalização do funcionamento da máquina pública e a economia dos recursos públicos não legitima atropelos, atalhos à margem do figurino legal. Concedo a liminar limitada a afastar atos do Poder Executivo central que impliquem a fulminar órgão público decorrente de lei em sentido formal e material”.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes votou por suspender parte do decreto de Bolsonaro referente à extinção dos colegiados previstos em lei, mas salientou que, por outro lado, o presidente da República pode fechar estruturas criadas por decreto e normativos inferiores. “Não é razoável, por ferimento à alternância do poder e até da soberania popular, que de quatro em quatro anos escolhe outro chefe do Executivo, obrigar o Chefe do Executivo a manter estrutura infralegal criada por decreto por outro chefe do Executivo”. E acrescentou: “Se sua criação foi por decreto, sua extinção também pode ser por decreto”.
O primeiro ministro a divergir dos anteriores foi Edson Fachin , que votou por impedir a extinção de todos os conselhos, sejam previstos em lei ou instituídos por outros atos. “A extinção de colegiados regularmente instituídos, especialmente, mas não só aqueles instituídos por via legislativa, traz um ônus majorado ao poder executivo por acarretar déficit democrático que ao menos no juízo prefacial não tem eco no programa constitucional”.
A seguir, Fachin recebeu apoio do ministro Luís Roberto Barroso, que afirmou que o presidente da República tem competência para extinguir conselhos, sim, mas não sem indicar quais devem ser extintos. “Acho que o presidente não só pode como deve extinguir conselhos desnecessários, onerosos, inoperantes, ineficazes, mas extinguir todos, inclusive os que têm papel fundamental para atingir os desnecessários é uma medida excessiva e que vulnera esta dimensão a meu ver do mandamento da proporcionalidade”.
Sua posição foi corroborada pela ministra Rosa Weber que disse entender que “o decreto é inconstitucional, pois excede o âmbito do exercício do poder regulamentar atribuído ao chefe do Executivo”. Para ela, a suspensão do decreto de Bolsonaro deve ser integral porque ele não pode extinguir por decreto conselhos que estão pautados por lei, por exemplo. “A existência de entidades colegiadas é necessária, para demonstrar a validade da democracia participativa, presente em vários momentos da Constituição”.
A ministra Cármen Lúcia também apoiou Fachin, Barroso e Weber, dizendo: “Neste caso, não se torna público nem a motivação nem a oportunidade a ser adotada, menos ainda na generalidade, que determina de forma tão elástica e tão abrangente a extinção dos órgãos e a extinção dos colegiados na forma posta no decreto a extinção dos órgãos e a extinção dos colegiados”. E completou: “Numa democracia constitucional, a participação social é fundamento da cidadania e elemento estruturante da tomada de decisões pelos poderes”.
Outro que reforçou a ideia de que o decreto é integralmente inconstitucional foi o ministro Celso de Mello, salientando os princípios da separação de poderes e o da proporcionalidade. “É preciso relembrar, a todo momento, que os poderes do estado são definidos e limitados e decretos presidenciais não podem ser utilizados como substituição da lei formal”.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux apoiaram o ministro Marco Aurélio. Para o primeiro, não há inconstitucionalidade total, então votou para impedir apenas a extinção de conselhos criados por lei. “A discricionariedade do presidente não é tão ampla como se pode imaginar, num primeiro momento. O presidente pode extinguir os conselhos criados por decreto, mas quando se trata de lei, o que foi criado por lei não pode ser extinto por decreto”. Para Fux, hoje há uma plêiade de conselhos que sequer funcionam. É privativo do presidente realocar essas entidades e até evitar uma superposição”.
Agora, vamos aguardar as considerações e os votos de Gilmar Mendes e de Dias Toffoli.
Foto: Nelson Jr/Divulgaçao STF