Hoje, 28 de abril, é um dia histórico para os povos indígenas! Na celebração de encerramento da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL 2023)na Praça da Cidadania, em Brasília, o presidente Lula assinou decretos de homologação para a demarcação de seis terras indígenas, localizadas em seis estados brasileiros: Acre, Alagoas, Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas e Goiás.
Junto com o presidente, no palco, estavam a primeira-dama Janja, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, o senador e porta-voz do governo, Randolfe Rodrigues, o cacique Raoni Kayapó (que presenteou Lula com um cocar) entre outras lideranças, além de cerca de seis mil indígenas que participaram do acampamento a partir de 24/4. O tema deste ano foi: ‘O Futuro Indígena é hoje! Sem demarcação não há Democracia’.

Mais 6.128 Km2 de terras homologadas
Com portarias declaratórias definidas (posse permanente) entre 1996 e 2006 – uma delas há 27 anos!!! -, as terras homologadas hoje abrangem quase todos os biomas, exceto o Pampa. Estão na Amazônia (2: AC e AM), no Cerrado (1: GO), Mata Atlântica (1: RS), Caatinga (1: CE) e se divindindo entre Caatinga e Mata Atlântica (1: AL). São elas:
Terra Indígena Arara do Rio Amônia, no Acre
– Etnia: Arara
– População: 434 pessoas
– Bioma: Amazônia
– Área: 20.534,22 hectares
– Município: Marechal Thaumaturgo (AC)
– Data da portaria declaratório (posse permanente): setembro de 2009.
Terra Indígena Uneiuxi, no Amazonas
– Etnia: Maku Nadēb
– População: 249 pessoas
– Bioma: Amazônia
– Municípios: Santa Isabel do Rio Negro e Japurá (AM)
– Área: 551.983,8 hectares
– Data da portaria declaratória (posse permanente): dezembro de 2006.
Terra Indígena Kariri-Xocó, em Alagoas
– Etnia: Kariri-Xocó
– População: 2,3 mil pessoas
– Biomas: Caatinga e Mata Atlântica
– Municípios: Porto Real do Colégio e São Brás (AL)
– Área: 4.684,89 hectares
– Data da portaria declaratório (posse permanente): dezembro de 2006.
Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, no Ceará
– Etnia: Tremembé
– População: 580 pessoas
– Bioma: Caatinga
– Município: Itapipoca (CE)
– Área: 3.511,4 hectares
– Data da portaria declaratória (posse permanente): agosto de 2015.
Terra Indígena Avá-Canoeiro, em Goiás
– Etnia: Avá-Canoeiro
– População: 9 pessoas
– Bioma: Cerrado
– Municipios: Minaçu e Colinas do Sul (GO)
– Área: 31.427,3 hectares
– Data da portaria declaratória (posse permanente): outubro de 1996.
Terra Indígena Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul
– Etnia: Kaingang
– População: 143 pessoas
– Bioma: Mata Atlântica
– Município: Vicente Durra (RS)
– Área: 711,7 hectares
– Data da portaria declaratória (posse permanentee): dezembro de 2004.
Veja, no mapa abaixo, onde as terras legalizadas estão localizadas (ou na versão interativa do Instituto Socioambiental).
Ao todo, os seis territórios homologados somam 612.853,3 hectares ou 6.128 Km2, uma área maior que a ocupada pelo Distrito Federal (5.802 Km2) e abrangem 3.715 pessoas.
Em janeiro, a ministra Sonia Guajajara declarou que há 14 processos de demarcação de áreas da União prontos para serem homologados pelo governo federal este ano (dado apontado pelo Grupo de Transição de Governo). Agora, faltam 8.
Segundo o ISA, “o país tem 733 TIs em diferentes etapas de reconhecimento na Funai, sendo que 243 aguardavam por sua conclusão. Em termos de extensão, as seis terras homologadas representam pouco mais de 6% da área total pendente de regularização. Com as medidas de hoje, agora são 237 procedimentos inconclusos“.
Os 733 territórios somam 117.377.533 hectares e representam 13,8% da extensão do país. Muito pouco para quem protege 80% da biodiversidade brasileira, não?
Durante seu discurso, logo após a assinatura das demarcações, Lula declarou:
“Quando dizem que vocês ocupam 14% do território nacional, passando a ideia de que é muita terra, temos que responder que, antes dos portugueses, vocês ocupavam 100%!”. E acrescentou que é preciso compreender e respeitar a cultura dos povos indígenas e suas diferentes condições de vida e que “não podem viver numa casinha”, renunciando à sua identidade e a seus costumes.
Conselho, comitê e verba para a Funai
Na cerimônia de hoje, Lula também assinou dois decretos:
– um, para recriar o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), responsável pelas diretrizes políticas das ações governamentais destinadas aos povos indígenas, que será composto por representantes do poder público e de organizações indígenas, e
– outro, para instituir o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), que promove e garante a proteção, recuperação, conservação e o uso sustentável dos recursos naturais nos territórios indígenas.
Com esta iniciativa, o governo federal “assegura a melhoria da qualidade de vida dos indígenas com condições plenas para a reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações, além de garantir a integridade do patrimônio material e imaterial desses povos”, informou em nota.
E mais: Lula e Sonia Guajajara também anunciaram a liberação de R$ 12,3 milhões para a Funai – Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para a aquisição de insumos, ferramentas e equipamentos às casas de farinha, recuperando a capacidade produtiva das comunidades indígenas Yanomami.
“Nós vamos legalizar as terras indígenas”, promete Lula
“Eu quero não deixar nenhuma terra indígena que não seja demarcada neste meu mandato de quatro anos. Esse é um compromisso que eu tenho e que eu fiz com vocês antes da campanha”.
O presidente deu sua palavra e acrescentou: “Não só porque é um direito de vocês, mas porque se a gente quer chegar em 2030 com desmatamento zero na Amazônia, a gente precisa de vocês como guardiões da floresta”.
Ao mesmo tempo, destacou que a demarcação é “um processo um pouco demorado e a nossa querida ministra [Sonia Guajajara] sabe disso. Tem que passar por muitas mãos e a gente vai ter que trabalhar muito para que possa fazer a demarcação do maior número de terras indígenas”.
Sonia explicou: “Ainda estamos na fase de conclusão desses processos. Ao atualizá-los, vimos que ainda faltam comprovações documentais. Apresentamos esses processos para a Casa Civil, que não conseguiu concluí-los [a tempo de serem homologados hoje]”.
Em seguida, a ministra dos Povos Indígenas assegurou que, assim que os membros do recriado Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) se reunirem, definirão uma agenda de trabalho para analisar não só os oito processos que devem ser concluídos este ano, mas outros também.
Demarcação e marco temporal
Durante a celebração no encerramento do ATL, o presidente recebeu a Carta do Acampamento Terra Livre ao presidente Lula (leia na íntegra, abaixo), na qual o movimento indígena destaca a urgência das demarcações que ainda faltam, mas também sua preocupação com a posição da AGU – Advocacia Geral da União a respeito do julgamento sobre demarcações, no Supremo Tribunal Federal desde 2021.
O caso que está sendo julgado no STF desde 2021 é o da Terra Indígena do povo Xokleng, em Santa Catarina, que – por ser considerado como processo de repercussão geral – definirá o futuro das demarcações das terras indígenas no Brasil (como contamos aqui).
E também a aplicação da tese do marco temporal, defendida pelos ruralistas, que alegam que os povos indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras ocupadas antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
No final de seu discurso, Lula revelou sua posição contrária ao marco temporal ao pedir que um participante subisse ao palco com uma faixa que dizia “Juventude Xokleng contra o marco temporal” para que ele pudesse erguê-la também e mostrá-la a todos que o assistiam.
O julgamento foi remarcado e anunciado no Dia dos Povos Indígenas pela ministra Rosa Weber: será retomado em 7 de junho, depois de um ano de seu cancelamento pelo ministro Luiz Fux.
Carta do Acampamento Terra Livre ao presidente Lula
Estimado Presidente Lula,
Nós da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), juntamente com nossas sete organizações regionais de base, representando os mais de 305 Povos e todos os biomas brasileiros, acreditamos que a luta histórica pela demarcação de nossas terras ganha, em 2023, novos capítulos. O Acampamento Terra Livre (ATL) é a maior mobilização dos povos indígenas do mundo. Recebemos aqui cerca de seis mil indígenas de mais de 180 povos para dizer que o Futuro é HOJE e que não existe democracia sem a demarcação das Terras Indígenas.
As principais lideranças globais debatem saídas para enfrentar as mudanças climáticas e nós, povos indígenas, afirmamos: “Não existe solução para a crise climática sem Terras e Povos Indígenas”. A nossa principal força está na união da nossa diversidade de povos e é justamente essa diversidade que garante a preservação dos nossos biomas. Nossas Terras estão na Mata Atlântica, no Cerrado, na Amazônia, nos Pampas, na Caatinga e no Pantanal. Cada área demarcada é um fôlego a mais para o Planeta.
Precisamos enfrentar de frente o racismo ambiental, pois são as populações que protegem e defendem o meio ambiente são as que pagam o preço mais alto da crise climática. Nós povos indígenas não somos responsáveis pela crise climática, mas nos colocamos à frente para defender o planeta e convocamos nossos aliados para partilhar a luta. Por esse motivo, decidimos decretar EMERGÊNCIA CLIMÁTICA durante o 19º Acampamento Terra Livre (ATL), pois somos nós, povos e Terras indígenas, a reserva para a vida no planeta.
Lula, fizemos este convite para que estejas no encerramento da nossa mobilização, pois entendemos que aqui estamos renovando um ciclo de compromissos políticos.
Em 2022, quando o senhor ainda era pré candidato à presidência, pisou neste palco e te entregamos uma carta com cinco pontos prioritários para os Povos Indígenas:
1 – direitos territoriais indígenas – demarcação e proteção aos territórios indígenas
2 – retomada dos espaços de participação e controle social indígenas
3 – reconstrução de políticas e instituições indígenas
4 – interrupção da agenda anti-indígena no congresso federal
5 – compromisso com a agenda ambiental
Falamos neste palco: NUNCA MAIS UM BRASIL SEM NÓS!
O senhor escutou e prometeu a criação do Ministério dos Povos Indígenas e que as demarcações das nossas terras voltassem para a agenda do Governo.
Vivemos e enfrentamos corajosamente um período onde o projeto político do Governo anterior estava baseado na morte e no racismo. Hoje, em quatro meses de Governo Lula, reconhecemos muitos avanços e entendemos que isso é apenas o começo. A criação do Ministério dos Povos Indígenas e dele ser comandado por Sônia Guajajara, reforça a nossa luta por representatividade. A ocupação dos espaços prioritários da política indígena como a Funai, com Joenia Wapichana, e da Sesai, com Weibe Tapeba, demonstram o compromisso político dessa gestão com os povos indígenas.
Portarias e medidas provisórias anti-indígenas publicadas pelo último governo começam a ser revogadas. Projetos de lei criados pelo executivo e que ameaçam a vida dos povos indígenas e foram enviados ao Congresso começam a ser desarticulados.
Queremos reconhecer avanços, mas também queremos apontar preocupações neste momento de renovação de ciclos. Nos preocupa gravemente o posicionamento da Advocacia Geral da União (AGU), com relação às disputas judiciais referentes ao Marco Temporal, que foi anunciado para entrar na pauta de votação do STF dia 7 de junho.
O Julgamento do Marco Temporal vai definir o futuro dos povos indígenas do Brasil.
É preciso que AGU altere sua posição nos autos do processo e reafirme o caráter originário, nato e congênito dos direitos dos povos indígenas. Não aceitamos conciliação alguma com os invasores de quaisquer terras indígenas.
Confiamos que seu Governo assuma e explicite de forma transparente e incontestável a sua rejeição à tese do Marco Temporal.
A retomada da política de demarcação e proteção das terras indígenas, com um cronograma é fundamental. Precisamos pôr um fim aos conflitos e toda violência que nos atinge em decorrência da paralisia dos processos de demarcação.
Certos de seu compromisso com o Brasil; certos de sua ética e caráter forjados na esteira da linha de produção metalúrgica; certos da sua capacidade de governar este país para todos os povos que o ergueram sobre o derramamento de sangue e suor, firmamos aqui este compromisso mútuo de retomar a direção da nossa democracia e demarcar a trilha que nos levará à pátria dos trabalhadores e trabalhadoras, à nação pluriétnica do BEM VIVER.
O Futuro Indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!
Acampamento Terra Livre 2023
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Apoinme – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo
Arpinsudeste – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
ATY GUASU – Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil