No último dia do G20 Social – iniciativa brasileira, que reuniu organizações não-governamentais para discutir temas do G20, que acontece hoje e amanhã no Rio de Janeiro –, no sábado (16), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas) fez um apelo a seis líderes globais por ações urgentes e decisivas contra a crise climática.
O grupo das maiores economias do mundo (G20) representa mais de 80% da riqueza mundial e é responsável por cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa, por isso, a pressão por soluções reais nunca foi tão grande.
Assim, à beira da praia de Botafogo – com o Pão de Açúcar ao fundo -, imagens gigantes dos seis líderes globais mais poluidores do planeta foram enfileiradas com água até o rosto, como se estivessem se afogando. São eles: Joe Biden (EUA), Xi Jinping(China), Ursula von der Leyen (União Europeia), Narendra Modi (Índia), Vladimir Putin (Rússia) e Shigeru Ishiba (Japão).
O protesto simbólico teve como objetivo denunciar a falta de ação dessas nações no enfrentamento da crise climática, evidenciando que esta é, também, “uma crise de liderança e de valores.
Com a manifestação pacífica, a organização ainda destaca a intenção dos países europeus de usarem o G20 para emplacar – na declaração final do encontro – proposta que torna obrigatória a
contribuição financeira de países em desenvolvimento para mitigação e adaptação climática.
Hoje, pelo Acordo de Paris, a obrigação desse financiamento cabe apenas aos países ricos e é a grande questão que tem emperrado as negociações nas Conferências do Clima da ONU, em especial na COP28, realizada no ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes; na reunião preparatória para a COP29, em Bonn, na Alemanha, no meio do ano, e agora na COP29, em Baku, no Azerbaijão, que termina na próxima sexta, 22/11.
Mobilização global pela vida
Na ocasião, a APIB também lançou o movimento A Resposta somos Nós, que marca a mobilização dos povos indígenas rumo à COP30 – 30ª Conferência do Clima da ONU, que acontecerá no Brasil no ano que vem.
A organização exige que a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como política climática e solução efetiva contra a crise que assola o planeta e reivindica papel ativo e de liderança nas decisões globais que afetam o futuro.
“Com o colapso iminente das condições de vida no mundo, ações fortes e efetivas precisam ser tomadas. Não haverá preservação da vida em um planeta em chamas”, destaca a declaração do movimento indígena brasileiro, que você lê, na íntegra, mais adiante.
“A crise climática é também uma crise de liderança e de valores. Nós nunca abdicamos de defender a vida e não vamos nos perder em discussões vazias e compromissos estéreis. Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, nós vamos assumir a liderança para uma mobilização global pela vida no planeta”.
Promessas e fracassos
Segundo estudo recente do Independent High-Level Expert Group on Climate Finance, órgão vinculado à ONU, os países em desenvolvimento precisarão de investimentos de US$ 2,4 trilhões por ano, até 2030 para enfrentar a crise climática.
Esses recursos deveriam ser destinados à restauração e conservação da natureza, àtransição para energia renovável e à adaptação às mudanças climáticas.
Em outubro, a COP16 da Biodiversidade – durante a qual os povos indígenas de todo o mundo reivindicaram a copresidência da COP30 – fracassou. Se comparado com os US$ 7 trilhões em subsídios dados às petroleiras em 2022, o nível de compromisso global com o financiamento climático e de biodiversidade é um escárnio.
“É urgente corrigir essa política que coloca os lucros de grandes empresas acima da proteção das populações. As nações mais ricas precisam assumir sua responsabilidade e financiar soluções climáticas para os povos que, como os indígenas, estão na linha de frente da crise”, declara Dinaman Tuxá, coordenador executivo da APIB.
Quem se recorda da promessa de US$ 1,7 bilhão feita por países como Reino Unido, EUA, Alemanha, Noruega e Países Baixos, para apoiar povos indígenas? Apenas 7% desse valor foi diretamente destinado às organizações indígenas, sem intermediários.
E Kleber Karipuna, também da coordenação executiva da APIB, completa: “O dinheiro existe, mas não está indo para onde deveria. Chega de empurrar o problema para a próxima geração. Precisamos de coragem política, especialmente das nações mais ricas, para eliminar de vez o uso de combustíveis fósseis, acelerar uma transição justa e financiar aqueles que mais têm feito no enfrentamento da crise climática. Nós somos as verdadeiras autoridades climáticas!”. A função de Autoridade Climática Nacional – lançada pelo presidente Lula em setembro– continua vaga.
Siga os líderes
Quem trabalha com temas relacionados à sustentabilidade e mudanças climáticas desde 2011, pelo menos, ao ver a instalação da APIB certamente se lembrou da obra Siga os líderes, do artista espanhol Isaac Cordal.
Sua instalação (foto) mostra figuras de cimento, “dispostas em cenas sombrias de desintegração urbana, que representam empresários sem rosto que comandam nossa ordem global capitalista”, explicou ele na época.
Quando surgiu, a instalação logo viralizou nas redes sociais e foi relacionada às Conferências sobre Mudanças Climáticas da ONU (COPs) devido à demora nas negociações e à projeção de aumento do nível do mar em quase um metro até o final do século. A imagem parece perfeita, como um lembrete de nossa falha coletiva em agir no combate à crise climática.
Mas, na verdade, a intenção de Cordal não foi essa. As imagens que produziu faziam parte de uma campanha eleitoral e integravam uma instalação maior de arte de rua chamada Siga os líderes. “Essas peças refletem nosso próprio declínio”, define Cordal.
“A obra se refere a essa inércia coletiva que nos leva a pensar que nossas pequenas ações não podem mudar nada. Mas acredito que cada pequeno ato pode contribuir para uma grande mudança. Muitas pequenas mudanças podem trazer de volta atitudes sociais que manipulam a inércia global e a transformam em algo mais positivo”.
Essa mensagem é ou não é perfeita para ilustrar nosso tempo de eventos extremos que, antes, eram apenas projeções?
A Resposta somos Nós
A seguir, leia a íntegra do manifesto da APIB. “Nós, povos indígenas brasileiros, diante da gravidade da crise climática, sabemos que o tempo para agir é agora.
Somos testemunhas de quem está incendiando o planeta e o impacto devastador disso nos nossos territórios e nas nossas vidas: seca severa, isolamento forçado, doenças, falta de alimento, invasões, conflitos e mortes.
Com o colapso iminente das condições de vida no mundo, ações fortes e efetivas precisam ser tomadas. Não haverá preservação da vida em um planeta em chamas.
A crise climática é também uma crise de liderança e de valores. Nós nunca abdicamos de defender a vida e não vamos nos perder em discussões vazias e compromissos estéreis.
Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, nós vamos assumir a liderança para uma mobilização global pela vida no planeta.
A COP-30 será no nosso território. Não aceitaremos que as discussões aconteçam sem a devida consulta e participação das nossas vozes e nossa autoridade climática. Nada que ameace o futuro da vida será tolerado.
- Reivindicamos a copresidência da COP-30 no Brasil [reivindicação declarada durante a COP16 da Biodiversidade];
- Demandamos o fim da era dos combustíveis fósseis e uma transição energética justa;
- Reivindicamos o financiamento climático direto para os povos que vivem em harmonia com a Natureza e os mais atingidos pela crise climática;
- Exigimos planos climáticos ambiciosos, especialmente dos países que mais contribuem para as emissões de gases de efeito estufa;
- Demandamos a proteção integral e integrada de todos os biomas: da Amazônia, das florestas, oceanos e solos, os principais sumidouros naturais de carbono do planeta; e
- Demandamos que a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como uma política climática fundamental e vinculada como meta de mitigação na revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil.
Convocamos todos os povos indígenas parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra a se juntarem ao nosso chamado para, coletivamente, segurar o céu.
Se depender de nós, o ceu não irá desabar!
Sempre estivermos aqui.
O levante do céu começa agora.
A resposta somos nós!”.
A seguir ouça Dinaman Tuxá, coordenador executivo da APIB, que declara que vivemos uma crise civilizatória e ambiental, “ocasionada pelas grandes economias globais” e que “os povos indígenas fazem parte da solução, então somos a resposta para emergir nessa luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas”.
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Foto (destaque): APIB/divulgação
Com informações da APIB