Substituir a salada de palmito juçara pela tigela de polpa dos frutos é ir muito além de uma simples opção alimentar saudável. É apostar numa alternativa capaz de fazer frente à superexploração ilegal da palmeira juçara nativa, na Mata Atlântica. Cada palmito retirado é uma palmeira eliminada, pois a planta não sobrevive depois de cortada a ponta. Já a coleta de frutos pode ser feita ano após ano, deixando sempre um pouco para consumo da fauna silvestre. E o consumidor urbano nem precisa sair pelo mato procurando algum pé que tenha escapado aos palmiteiros até ter idade para frutificar: já existe quem comercialize a polpa congelada ou mesmo o potinho pronto para consumo, sobretudo nos estados de Santa Catarina (com o nome de açaí-do-sul) e Rio de Janeiro (Juçaí).
A palmeira juçara (Euterpe edulis) sempre foi muito abundante na Mata Atlântica, amplamente semeada por um grande número de espécies de aves e mamíferos que se alimentam de seus frutos. Mas o corte excessivo tornou a palmeira ameaçada. Na floresta, as mudinhas podem levar de 10 a 12 anos para chegar à maturidade, quando então atingem entre 6 e 10 metros de altura, em média. Diferente de outras espécies de palmeiras das quais se retira o palmito, a juçara não cresce em touceiras, mas tem um caule (estipe) único, delgado e ereto. Isso também dificulta a recuperação natural de sua população.
Os frutos nascem em cachos e são pequenos, de um roxo bem escuro, quase preto, carregado de antocianinas, pigmentos do grupo dos flavonoides cuja função é proteger as plantas contra os raios ultravioleta do sol. A ingestão de sucos, vinhos ou outros preparados à base de frutas com muitas antocianinas ajuda a combater os radicais livres (associados ao envelhecimento) e protege contra doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.
De acordo com uma comparação publicada pelos pesquisadores Luciana Marques Cardoso e João Paulo Viana Leite, da Universidade Federal de Viçosa, a concentração de antocianinas nas polpas de juçara e açaí (Euterpe oleracea) são equivalentes. Enquanto o juçara apresenta cerca de 290 mg de antocianinas a cada 100 gramas de frutos frescos, a concentração no açaí varia entre 262 mg a 303 mg/100 g. A polpa de juçara ainda tem boas doses de ferro, potássio e zinco.
Para Valéria Ferreira Macedo Costa, mestre em Ciências Ambientais e professora em Caraguatatuba, a adoção da polpa de juçara na merenda escolar agradaria às crianças, seria uma opção saudável e ajudaria a garantir a salvação da espécie. Valéria fez testes de aceitação com crianças de 7 a 11 anos, em uma escola rural municipal, e também promoveu uma degustação entre funcionários da Secretaria Municipal de Educação, com ampla aprovação.
“Na região já existe a produção de polpa congelada de juçara em saquinhos, embora não exista uma regularidade no fornecimento. A polpa é comercializada sem mistura com guaraná como se faz com o açaí. Oferecemos a tigela com juçara puro, com banana e com laranja. Os dois últimos foram mais bem aceitos pelas crianças, que ficaram todas com as boquinhas roxas, de comer o juçara”, conta. Além de oferecer a polpa na merenda, a pesquisadora organizou atividades de plantio da palmeira na escola.
A retirada da polpa não inviabiliza as sementes, que podem dar origem a novas palmeiras, em projetos de restauração ou enriquecimento da própria floresta ou mesmo no paisagismo urbano. As sementes também podem ser usadas em artesanatos e biojoias, pelos próprios extrativistas ou artesãos locais. E dos frutos ainda podem ser obtidos corantes, óleos e açúcares cujas propriedades estão em estudo.
“Visitei alguns produtores de polpa no meio do mato. A coleta é feita de palmeiras silvestres e a polpa é pura mesmo, sem qualquer mistura”, confirma Valéria. “A utilização das frutas para a produção de polpa evita que milhares de palmeiras juçara sejam cortados para obtenção do palmito. Além disso, ao agregar valor a um produto até recentemente negligenciado, espera-se contribuir para que mais palmeiras sejam plantadas”.
Como as crianças beneficiadas com um reforço de qualidade na merenda escolar, as maritacas, os tucanos, os araçaris, os sabiás, os jacus e os periquitos agradeceriam. De barriga cheia!
E então, vai uma tigela de juçara de lanche?
Foto: Liana John